Leonardo Lima
Não muito raro encontramos adultos que ainda carregam traumas adquiridos na vida escolar. Normalmente tais marcas se evidenciam em determinados comportamentos no convívio social, como na dificuldade de lidar com perdas, nas relações afetivas e no desempenho profissional, causados por maus tratos psicológicos, verbais, físicos, morais, sexuais ou materiais. Apelidos pejorativos, ameaças, perseguições, difamações e exclusões se revelam muito mais do que simples brincadeiras ou gozações.
Ao contrário do que muitos pensam, o bullyng não ocorre somente em ambientes escolares, mas também em locais de trabalho, vizinhança e entre povos e países. Tais atitudes configuram atos ilícitos por desrespeitarem princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana. O Código Civil determina que tal prática é passível de indenização. Os atos de bullyng podem se enquadrar também no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que as escolas prestam serviços e são responsáveis por qualquer situação que ocorra neste sentido.
Entre as principais características do bullyng estão: insultar a vítima e acusá-la sistematicamente de não ter nenhum valor; atacá-la fisicamente de forma repetida; danificar seus pertences, como livros, roupas e materiais escolares; espalhar mentiras a seu respeito; obrigá-la a tomar atitudes contrárias à sua vontade; fazer comentários depreciativos sobre sua cor, família, origem, orientação sexual, religião etc; excluí-la socialmente e chantageá-la.
Na década de 90, por exemplo, os Estados Unidos viveram uma epidemia de crimes em escolas causada pela prática do bullyng. Muitas crianças que cometeram esses assassinatos afirmaram que recorreram à violência por estarem sendo vítimas de tais atos. Como consequência, unidades escolares de diversos países passaram a desencorajar fortemente o bullyng através de programas projetados para promover a cooperação entre os estudantes.
Psicóloga atenta para o acompanhamento da vítima e do agressor
De acordo com a psicóloga e professora Márcia Pedro, que leciona no ensino fundamental há 25 anos, o bullyng, além de acarretar danos à vítima, revela também distúrbios na personalidade de quem o pratica. “O problema não está apenas no alvo, mas também no seu autor. Normalmente esse comportamento é reflexo de uma família agressiva, que não sabe lidar diretamente com situações de conflito. Esse agressor só sente segurança desqualificando, excluindo, intimidando, isolando o outro. Ambos precisam de acompanhamento”, afirma.
Segundo Márcia, a criança passa por um processo constante de desenvolvimento da personalidade e a opinião do grupo se faz muito importante. A rejeição provoca marcas no seu autoconceito, gerando muitas vezes depressão, perda de vontade de ir à escola ou até mesmo o abandono do ano letivo. “O papel da escola nesses casos é de realizar um trabalho de prevenção, orientando as crianças dominadoras e comunicando às suas respectivas famílias. É necessário evitar que essas características sejam carregadas por toda a vida”, explica.
Já em relação aos pais, Márcia orienta que fiquem atentos a determinados comportamentos e, caso os detectem, procurem a escola. “A criança às vezes sente medo de revelar o que está acontecendo. No entanto, algumas coisas podem revelar o bullyng, como os trabalhos e as redações, o baixo rendimento escolar, e as atitudes tomadas em casa”, diz. Em alguns casos, a mudança de escola resolve o problema, porém a psicóloga alerta que em espaços sociais reduzidos isso pode não ser suficiente. “Em cidades pequenas, por exemplo, a criança acaba encontrando seus agressores frequentemente. O bullyng é muito mais comum do que se imagina”, completa.
Bullying: a violência que bulina a juventude
Luiz Flávio Gomes*
“Bully, que é uma palavra de origem inglesa que significa ‘valentão’. Bully, assim, correlaciona-se com valentia, força, superioridade, constrangimento, ameaça, agressão. É o desejo deliberado de maltratar uma outra pessoa e de colocá-la sob tensão (Cléo Fante).
Bullying, por seu turno, no âmbito escolar, significa a ação dos estudantes que se colocam em posição de superioridade a outro estudante para lhe agredir, de forma reiterada, verbal, física ou psicologicamente.
Trata-se de prática vislumbrada no âmbito infantil ou juvenil, ou seja, entre crianças e adolescentes estudantes que se comportam reiteradamente dessa maneira diante de outras crianças ou adolescentes, também estudantes, que são expostos a situações constrangedoras, quando não a agressões físicas.
O fenômeno bullying, como pondera Lélio Braga Calhau, [muitas vezes] “estimula a delinquência e induz a outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa autoestima, capacidade de autoaceitação e resistência à frustração, reduzida capacidade de autoafirmação e de autoexpressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves”.
O tema está em pauta e a visibilidade sobre essa prática vem ganhando enormes proporções, sobretudo depois que um juiz de primeira instância de Belo Horizonte (Luiz Artur Rocha Hilário) condenou um estudante de 7ª série a indenizar sua colega de classe em R$ 8.000,00 pela prática – reiterada – do bullying.
De acordo com o noticiado pela mídia, o juiz entendeu razoável o valor arbitrado, tendo sido cauteloso na sua fixação, para não estimular a propositura de ações por discussões ou brigas de escola.
Embora o assunto possa parecer recente, há ações governamentais e não governamentais diretamente relacionadas ao combate ao bullying. A ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência – constitui um exemplo. Várias leis municipais já cuidam do tema.
Mas não se trata de assunto que possa ser solucionado só com a intervenção do Judiciário. Estamos diante de um problema social muito grave, que está a requerer a intervenção de muitos profissionais – solução multidisciplinar. E talvez também aqui a mediação possa dar uma enorme contribuição, buscando uma solução para cada problema com a intervenção de todas as pessoas envolvidas: os protagonistas do bullying (agressor e agredido), os pais, os professores, diretores da escola, funcionários etc.
*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
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