A medida que a nossa idade vai avançando, volta e meia somos obrigados a ouvir comentários do tipo “bons tempos aqueles” ou “antigamente é que era bom” e por aí vai. Sei não, gente, talvez fosse o caso de replicar com algo do tipo “bom para quem?”, mas aí corremos o risco de perder uma amizade, não é mesmo?
Nasci no ano de 1950, em Copacabana, lá no Rio de Janeiro. O bairro era na época o principal da cidade e estava em plena efervescência cultural e imobiliária. Lembro que da janela da sala do nosso apartamento conseguia ver o mar até erguerem uns três ou quatro prédios em volta, acabando com a bela vista.
Aliás, em dez anos, a rua onde eu morava perdeu todas as casas. Uma péssima lembrança que guardo dessa época é o barulho dos bate-estacas vindo de várias obras simultaneamente. Para piorar, um edifício que estava sendo erguido bem atrás do nosso, teve sua construção embargada e durante anos convivemos com um buraco enorme, cheio de água suja. E tome mosquitos, baratas, cheiro ruim... Ainda bem que a dengue não tinha sido ainda importada!
E já que estamos falando em água, faltava água! Era um problema crônico e uma chateação só. Nosso banheiro tinha uma enorme banheira que vivia cheia de água, para uso da casa. Meu pai, coitado, desesperado com aquela situação deplorável, acabou comprando uma caixa-d’água que foi instalada na área de serviço. Ficou muito feio mas quebrava o galho, principalmente na cozinha.
Já a questão da luz era mais organizada. A Light cortava o fornecimento de cada bairro uma hora pela manhã, uma hora à tarde e mais outra hora pela noitinha. Mas isso quando tinha luz normalmente. O mais comum era ficarmos horas no escuro e sem ter onde reclamar, já que o sistema de luz não estava preparado para o crescimento desordenado da cidade.
Ah, sim, tinha o telefone! Ou melhor, meus caros, na verdade, não tinha telefone algum. Você ia na extinta CTB – Cia. Telefônica Brasileira, preenchia um cadastro e ficava décadas na fila de espera, aguardando ser chamado. Meu pai, coitado, se inscreveu quando eu nasci e só foi receber sua linha doze anos depois e isso porque um tio conseguiu um “pistolão”, o QI da época...
Orelhão? Isso é modernidade, naqueles “bons” tempos, você tinha que procurar uma agência da concessionária telefônica e ficar horas tentando falar com alguém. Se fosse interurbano a ligação corria o risco de só ser completada no dia seguinte! Fico imaginando se um pombo correio não seria mais rápido.
O pessoal hoje em dia fala com saudade dos bondes e com certa razão. Era um transporte barato, simpático e confiável, descontando o fato que dependia da luz da Light para funcionar. O barulho das rodas nos trilhos era irritante, ainda mais para quem morava, como eu, numa rua onde eles passavam nos dois sentidos. Ah sim, volta e meia um deles saia dos trilhos e ia parar lá dentro da portaria do meu prédio. Mas aí, o que era motivo de preocupação para os adultos, se transformava em pura diversão para a molecada de apartamentos!
Que mais? Ah sim, a televisão. Era em preto e branco e só existia um canal, se bem me recordo. A transmissão começava depois das 18 horas e terminava lá pela meia noite. Durante o dia só víamos uma imagem fixa de teste e olhe lá. Os programas eram todos ao vivo, inclusive os comerciais, bem no estilo do rádio que, esse sim, era a grande coqueluche, com suas novelas intermináveis, programas de auditório, narração de jogos de futebol e o Repórter Esso, o mais importante jornal de notícias daquela década.
Os prédios tinham os chamados incineradores de lixo, que produziam uma fumaça constante e fétida, poluindo o já então ar sujo da cidade. Algumas vezes essas fornalhas, por má conservação ou operação, entupiam, obrigando os moradores a saírem de casa para não ficarem sufocados. Ainda bem que isso foi completamente banido!
Para não ser completamente chato, tenho saudade sim de duas coisas: as sessões de desenhos animados que passavam nas manhãs de domingo no extinto Metro Copacabana e a praia, a apenas um quarteirão da minha rua. Puxa vida, era o único lugar onde podíamos ficar soltos e a diversão era garantida. Aprendi a nadar no mar, soltava pipa, jogava bola e em julho fazíamos fogueiras na faixa de areia, comemorando os santos do mês, mais uma tradição que o Rio simplesmente esqueceu.
Imagino que a vida para uma criança aqui em Nova Friburgo, na década de 50, não tenha sido muito diferente, pelo menos em essência. Não podíamos nos meter nas conversas de adultos, praticamente não tínhamos noção do que acontecia no mundo e nossa obrigação era estudar e brincar. Mal sabíamos que o mundo ia virar de cabeça para baixo na década seguinte.
Mas essa história vai ficar para uma próxima crônica.
(*) - carlosemersonjr@gmail.com
Deixe o seu comentário