A Biodiversidade de Nova Friburgo

Os limites sustentáveis da natureza
sábado, 29 de agosto de 2015
por Ana Borges
A Biodiversidade de Nova Friburgo

Thomaz Morett é geógrafo e professor, ativista das causas que envolvem a biodiversidade e a preservação ambiental. Otimista, ele acha que o nível de conscientização das pessoas está aumentando. “A população, de forma geral, está associando a preservação do meio ambiente com a melhoria da sua qualidade de vida”, diz. Thomaz faz parte dos primórdios do movimento ambientalista do início da década 80. E lembra: “Nessa época éramos tratados como lunáticos e muitas vezes subversivos”, diz, rindo.  Ele torce pela consolidação das Unidades de Conservação, que considera fundamentais neste processo. E vê com entusiasmo o incentivo à criação de uma categoria de unidade de conservação, denominada Reserva Particular do Patrimônio Natural. “Essa unidade é particular e pode ser criada legalmente junto aos órgãos ambientais competentes, podendo representar a médio e longo prazo, uma fonte de renda para o proprietário da mesma”, esclarece. Nesta entrevista, Thomaz joga luz sobre o assunto e defende seus pontos de vista. Confira. 

Light - Qual a importância da biodiversidade para o Brasil?
Thomaz Morett - O Brasil é um país de proporções continentais: seus 8,5 milhões km² ocupam quase a metade da América do Sul e abrange várias zonas climáticas — como o trópico úmido no Norte, o semi-árido no Nordeste e áreas temperadas no Sul. Estas diferenças climáticas levam a grandes variações ecológicas, formando zonas biogeográficas distintas ou biomas: a Floresta Amazônica, maior floresta tropical úmida do mundo; o Pantanal, maior planície inundável; o Cerrado, de savanas e bosques; a Caatinga, de florestas semi-áridas; os campos dos Pampas; e a floresta tropical pluvial da Mata Atlântica. Além disso, o Brasil possui uma costa marinha de 3,5 milhões de km² que inclui ecossistemas como recifes de corais, dunas, manguezais, lagoas, estuários e pântanos. A variedade de biomas reflete a enorme riqueza da flora e da fauna brasileiras: o Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta. Esta abundante variedade de vida — que se traduz em mais de 20% do número total de espécies da Terra — eleva o Brasil ao posto de principal nação entre os 17 países de maior biodiversidade. Muitas das espécies brasileiras são endêmicas, e diversas espécies de plantas de importância econômica mundial — como o abacaxi, o amendoim, a castanha do Brasil (ou do Pará), a mandioca, o caju e a carnaúba, estão aqui.  

Qual a importância para a existência das “matas ciliares” no entorno dos corpos hídricos para a preservação da biodiversidade em uma bacia hidrográfica?
A cobertura vegetal ao longo de rios, córregos, nascentes, lagos e represas possui grande importância na manutenção da qualidade da água e também uma relevante função ecológica, além de contribuir para conservação da biodiversidade. Ela influi em fatores como a vazão, qualidade e equilíbrio térmico da água e manutenção da estrutura física do solo. A camada orgânica formada pela ciclagem de nutrientes e o aumento da porosidade do solo gerado pelas raízes das plantas proporcionam maior infiltração da água, mantendo a capacidade de armazenamento da bacia hidrográfica. 

Como era a nossa região há cem anos?
Devido principalmente ao seu relevo montanhoso, o processo definitivo de ocupação só começou no início do século 18. Os principais povos indígenas dessa região eram todos nômades, não tinham residência permanente. Eram os Puris, Botocudos e Coroados. O processo de ocupação da nossa região foi tardio, devido principalmente às dificuldades do relevo e, na minha opinião, devido também a um “atrator econômico” que estimulasse o interesse por parte dos governantes. Esse atrator veio através do café e da necessidade antiga de “controlar” as rotas marginais por parte da Coroa. Antes da introdução da cafeicultura nessa região, ela era totalmente ocupada pela Mata Atlântica, um bioma florestal de alta biodiversidade. Com o café, metade da cobertura florestal desapareceu em menos de um século.

Que espécies da fauna foram extintas desde então?
Recentemente foi publicado no Diário Oficial um estudo realizado pela Uerj sobre as espécies da fauna ameaçadas de extinção em nosso estado e os resultados não foram muito animadores, pois foram considerados ameaçados de extinção nada menos que 257 espécies. Das espécies ameaçadas, 43 são invertebrados terrestres, dentre estes se destacam espécies de borboletas, mariposas e libélulas; 28 espécies de invertebrados aquáticos, como camarões, caranguejos e moluscos; 48 espécies de peixes, sendo 39 de água doce e 9 de água salgada; 4 espécies de sapos e pererecas; 9 espécies de répteis, sendo 1 lagarto, 2 cobras, 1 jacaré e 5 tartarugas; 82 espécies de aves e 43 espécies de mamíferos. Na Região Serrana a situação é ainda mais trágica, pois devido ao habitat singular, representado principalmente por fatores ambientais característicos, tais como a altitude, alta taxa de espécies endêmicas, que significa, resumidamente, espécies que só existem em determinados habitats.
 
Como se encontra a questão ambiental hoje em comparação com a sua situação há uma década? Existe alguma esperança para pelo menos minimizar a destruição do meio ambiente?
Até o final do século 20 o interesse pela preservação ambiental era bastante limitado. Todos concordavam com a necessidade de preservar o meio ambiente, porém os interesses econômicos prevaleciam. Já existia um corpo significativo de leis no âmbito federal e estadual, mas não eram aplicadas. Com a promulgação da Lei Federal de Crimes Ambientais e a entrada do Ministério Público Federal e Estadual nessa área, cobrando a aplicação dessas leis, os governantes começaram a levar a questão mais a sério. Porém, a pressão em cima do meio ambiente continua intensa, principalmente devido a um sistema econômico onde prevalece uma visão imediatista e consumista. A crise ambiental, acima de tudo é uma crise de modelo de paradigma cultural. Enquanto a nossa felicidade e modelo de crescimento forem avaliados por bens de consumo, o meio ambiente estará ameaçado. No meu modo de ver a questão da destruição do meio ambiente precisa ser considerado como uma faceta diferente de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise do modelo de civilização que queremos construir. A sociedade moderna, em especial as nossas instituições sociais, apoia os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, com uma percepção inadequada da realidade para lidar com o nosso mundo superpovoado e globalmente interconectado. Porém, a mente dos governantes que tentam minimizar essas situações se encontra situada, quando muito, no mundo da metade do século 20. Do meu ponto de vista, as únicas soluções viáveis são as soluções sustentáveis. Uma sociedade sustentável precisa ser planejada de maneira tal que seus modos de vida, suas atividades comerciais, sua economia, suas estruturas físicas e suas tecnologias não interfiram na capacidade inerente da natureza para sustentar a vida. Apesar da lentidão da vontade política, isso está ficando cada vez mais evidente para todos nós, vide a catástrofe de 2011.

É possível equilibrar a preservação da natureza com as necessidades de desenvolvimento econômico?
Acho que em poucas situações isso é possível, mas na maioria das vezes não. Nós temos que entender que vivemos em um ambiente limitado e os bens naturais não são infinitos. Um modelo econômico que se fundamenta numa visão de desenvolvimento perpétuo e infinito está fadado a perpetuar o caos ambiental e social. Temos que levar em consideração os limites sustentáveis da natureza e adequar o nosso modo de vida a esses limites. Vou citar um exemplo muito simples: os recursos hídricos de uma determinada região são limitados a um determinado número de pessoas, quando esse número é ultrapassado é obvio que haverá falta de água nessa região.
 
No século 19, os distritos de Amparo e Riograndina sofreram desmatamentos em grandes áreas para o cultivo do café e de outros produtos agrícolas e da pecuária. O distrito de Campo do Coelho também registra extensas áreas desmatadas, principalmente no vale do Rio Grande, por sua vocação histórica para o cultivo de hortaliças. Naquela época, as pessoas sabiam da importância de se fazer esse desmatamento de forma respeitosa, intervindo o mínimo possível no ambiente?
O modelo de sociedade que imperava na época era um modelo de ocupação desenvolvimentista predatório, ou seja, a natureza era vista na maioria das vezes como um empecilho ao bem estar humano. Era comum tratar uma floresta como lixo a ser removido. Não à toa a herança dessas regiões foi o êxodo populacional, a poluição e escassez dos solos cultiváveis e dos recursos hídricos, além das catástrofes ambientais.

Do seu ponto de vista, como está o nível da conscientização ambiental? Qual a importância das Unidades de Conservação para a preservação do meio ambiente em nossa região? 
Sou otimista. O nível de conscientização está aumentando. A população, de uma forma geral, está associando a preservação do meio ambiente com a melhoria da sua qualidade de vida. Faço parte dos primórdios do movimento ambientalista do início da década 80. Nessa época éramos tratados como lunáticos e muitas vezes subversivos. As Unidades de Conservação são fundamentais para a preservação ambiental. Principalmente, as UCs situadas em regiões de habitats endêmicos como Macaé de Cima, Caledônia e Três Picos. Além de preservar os recursos ambientais essas unidades são atrativos para o empoderamento social e econômico sustentável das populações tradicionais que ocupam o seu entorno. Vejo com bons olhos o incentivo à criação de uma categoria de unidade de conservação, denominada Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Esse tipo de unidade, como o próprio nome diz, é particular e pode ser criada legalmente junto aos órgãos ambientais competentes, podendo representar a médio e longo prazo, uma fonte de renda para o proprietário da mesma. Aos interessados, sugiro que consultem o site da ONG SOS Mata Atlântica. 

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TAGS: Meio Ambiente | sustentabilidaede
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