“O prédio onde resido não foi programado para facilitar a acessibilidade, dentro dos moldes preconizados, porém oferece todas as condições para a minha locomoção. Como cadeirante, por exemplo, não tenho dificuldades em acessar o elevador. Posso subir e descer sem problemas, e também chegar à calçada sozinho. Em casa, as portas e corredores são todas com mais de 70 cm de largura permitindo minha locomoção, sem dificuldades, por todos os cômodos (minha cadeira tem pouco mais de 60 cm). Acho que sou um afortunado, pois tenho visto e sentido o drama de muitos que não conseguem acessar dignamente as suas residências”, relatou o jornalista Antonio Fernando, editorialista de A VOZ DA SERRA.
O corretor e proprietário de imobiliária em Friburgo, Ricardo Pedretti, chama a atenção para a dificuldade de atender clientes cadeirantes e/ou idosos, embora não seja mais tão difícil encontrar imóveis que atendam as necessidades de pessoas com algum tipo de deficiência física, mas geralmente em imóveis novos, maiores e caros.
“Há construções novas que atendem essa demanda, mas direcionados a um pequeno grupo de pessoas com recursos para imóveis mais caros. Os que buscam imóveis adequados e pertencem à classe média, embora com condição financeira razoável, só encontram apartamentos antigos, fora dos padrões que pretendem. Então, corretores e compradores acabam perdendo diante desse único, mas indispensável fator, que é a acessibilidade. Infelizmente, a LBI ainda não é respeitada como deveria”, analisou, referindo-se à Lei Brasileira de Inclusão.
Quanto aos obstáculos que os cadeirantes enfrentam, Pedretti vai além dos imóveis. Ele vê dificuldades em diversos aspectos da vida desses indivíduos, a começar por um simples passeio nas redondezas de onde o cidadão vive.
“Já na área de circulação, a partir da portaria do prédio, por exemplo, começam os problemas. As construções mais antigas, mesmo no Rio - onde em 1987 foi editada a primeira lei de acessibilidade que obrigava a construção de rampas de acesso a elevadores para deficientes nos prédios -, não leva em conta a condição de cadeirantes. Aqui não é diferente. O nosso deficiente precisa de ajuda para chegar à calçada e quando consegue, a situação não melhora. A desordem urbana, a buraqueira, o caos nas ruas, a falta de uma passagem nivelando o meio-fio entre duas calçadas, tudo isso sinaliza perigo pra todo lado. A lista de aborrecimentos só aumenta e há muito por fazer na cidade”, apontou Ricardo.
Segundo a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-Rio), apesar de a primeira lei de acessibilidade ter sido editada pelo município do Rio em 1987, “ainda vai demorar alguns anos até que as determinações da LBI e outras normas sejam sentidas de maneira prática”. De acordo com o presidente da entidade, Cláudio Hermolin, como o ciclo de produção do mercado imobiliário é muito longo, alterações neste sentido só começam a ter resultados depois de cerca de três anos.
Um país despreparado para idosos e cadeirantes
Dona Maria Regina Cardoso Vargas, 76 anos, é viúva, tem filhos e netos, mora sozinha no Rio e quer se mudar para Friburgo. Não tem nenhuma deficiência, é saudável, vigorosa e capaz de se cuidar. E está procurando um apartamento aqui para comprar. Já viu muitos, em diversos bairros como Vilage, Braunes, Cônego, mas tem preferência pelo Centro. Entre outras razões, pela proximidade de um comércio diverso, bons serviços e a possibilidade de ir e vir independentemente de condução. O problema está nos imóveis.
“Conheço Friburgo há muito tempo, como veranista, desde que meus filhos nasceram. Meu marido (engenheiro naval) gostava de relaxar e aproveitar o clima da cidade, as baixas temperaturas. Vínhamos nas férias de julho por causa do inverno e da gastronomia típica. As crianças curtiam uma lareira, a atmosfera europeia. No verão, tomavam banho de rio, caminhavam pelas trilhas, passeávamos num clube no Cascatinha. Então, só tenho ótimas e lindas lembranças de momentos felizes e divertidos vividos aqui. Agora, com a insegurança, o calor e as confusões do Rio, quero me mudar. Estou atrás de uma vida mais tranquila, mas com conforto e independência”, conta Regina.
Como ela pretende garantir a qualidade de vida que manteve até hoje nos próximos anos? Ela se apressa em dizer que tem tudo “muito bem pensado”, aliás, uma condição imposta pelos filhos e netos para concordarem com a mudança. “Eu sempre fui muito organizada, prática e prevenida. Por isso mesmo que eu ainda não me decidi por nenhum imóvel, porque, até agora, não encontrei o apartamento no qual vou morar até morrer. Então, é imprescindível que ele sirva à pessoa que sou hoje, mas também à “velhinha” [ela ri de si mesma] que serei daqui a alguns anos. Posso precisar de cadeira de rodas, ou de andador, de alguém morando comigo, de garagem, enfim, um espaço adequado às minhas futuras condições, também”, enumera, com lucidez e propriedade, esperançosa de encontrar o apartamento ideal, “ainda que eu tenha de fazer algumas reformas, instalações, intervenções”.
Sobre as leis:
1987 - A primeira lei de acessibilidade editada pelo município do Rio é a de número 1.174, que dispõe sobre a obrigatoriedade de construção de rampas de acesso a elevadores para deficientes em edificações.
2000 - No âmbito federal, foi promulgada neste ano a lei 10.098, com intuito de que a construção, ampliação ou reforma de edifícios destinados ao uso coletivo sejam executadas de modo a ser ou se tornem acessíveis.
2001 - Neste ano foi editada a lei municipal 3.311, prevendo a obrigatoriedade de condomínios residenciais implantarem adaptações, de natureza ambiental ou arquitetônica, que possibilitem acessibilidade às partes comuns e de serviços, bem como à moradia de pessoas com deficiência.
2016 - A Lei Brasileira de Inclusão que entrou em vigor no passado reserva o capítulo V para tratar do direito à moradia digna para as pessoas com deficiência. Entre as novidades, o poder público se comprometeu a dar prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria aos deficientes nos programas habitacionais.
O que diz a OAB
A OAB - 9ª Subseção Nova Friburgo ainda não criou a Comissão de Direito Imobiliário. De acordo com a CDI da OAB-Rio, “a Lei Brasileira de Inclusão simboliza um marco social com a consolidação de todas as leis existentes sobre acessibilidade no país. Porém, quase todas as regras de construção são municipais, já que a Constituição Federal estabeleceu que cada cidade deve definir as regras urbanísticas e seus respectivos códigos de obra. Por isso, é fundamental que cada local crie, adapte e aperfeiçoe a sua própria legislação”.
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