Márcio Madeira
Espremida entre montanhas e cortada por ruas estreitas e planejadas para um fluxo muito menor de pessoas, Nova Friburgo tem no trânsito um de seus maiores desafios logísticos. Um quadro que tem se agravado com o grande aumento da frota observado nos últimos anos, e que depende de investimentos estruturais e educacionais para ser revertido a longo prazo. Para falar a respeito das medidas que estão sendo tomadas no sentido de tornar mais fácil a circulação, o superintendente da Autarquia Municipal de Trânsito (Autran), coronel Hudson de Aguiar, concedeu entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA.
A VOZ DA SERRA: Qual o critério utilizado pela autarquia para orientar suas ações?
Hudson de Aguiar: Quando nós assumimos os cargos na autarquia, percebemos que a quantidade de demandas por parte da população é sempre muito grande, e por vezes contraditória. Lojistas têm interesses próprios, moradores têm necessidades diferentes, e os motoristas também têm seus pedidos. Diante disso nós sentimos que seria preciso providenciar um estudo técnico que servisse como referência para nossas decisões. O coronel Claudecir Ribeiro da Silva, assessor especial da Autran, providenciou esse estudo, e formulou uma ficha que agora serve como critério. É um estudo profissional que a gente adotou. Não havia isso aqui na Autarquia de Trânsito.
AVS: Os tachões continuarão sendo instalados como forma de reduzir a velocidade dos veículos?
Hudson de Aguiar: A instalação de tachões em diversas áreas do município foi um recurso emergencial e temporário, apenas para evitar acidentes. Nós sabíamos que em algum momento teríamos que fazer a substituição pelos quebra-molas de asfalto, que são mais suaves e regulamentados. Nossa intenção é a de usar os tachões somente como divisores de pista e como sinalização, mas naquele momento eles foram a solução mais rápida.
AVS: Além de todas as dificuldades estruturais, o trânsito é também um dos setores da sociedade que mais sofrem com a falta de educação por parte de seus protagonistas. De que forma a autarquia sente esses efeitos, e o que pode ser feito para reduzir o problema?
Hudson de Aguiar: Nós observamos que, de forma geral, existe um conflito de interesses entre moradores, que sempre pedem por redutores de velocidade, e motoristas, que reclamam do excesso de limitadores. Uma situação que prejudica a todos, e que nasce da falta de respeito de alguns motoristas em relação às regras do trânsito. Se todos tivessem consciência e circulassem a velocidades compatíveis com a segurança, não seria necessário instalar tantos redutores.
A solução para esse conflito passa pela educação. Nós temos parcerias muito importantes com o Conseg, o Codenf, com as polícias militar e civil, o Corpo de Bombeiros e a Guarda Municipal. E já fizemos várias reuniões buscando trabalhar em conjunto numa campanha de conscientização. Nós vamos visitar as escolas e conversar com jovens a partir de 11 anos, que serão motoristas nos próximos anos. Nossa intenção é reduzir as estatísticas de violência no trânsito e formar uma geração de motoristas mais conscientes. Às vezes eu penso que as pessoas se esqueceram que precisam compartilhar as ruas. A rua é um espaço público, onde deve haver solidariedade. Hoje o que nós estamos vendo é uma disputa por território. Se não houver essa conscientização, fica difícil conviver. O carro tem um efeito estranho sobre o motorista, se ele não tiver maturidade. O condutor experimenta uma sensação de superioridade, entre aspas, principalmente se o motor for possante. Experimenta um sentimento de liberdade, e também de poder. E isso muitas vezes causa transtornos para o próprio motorista e para pessoas inocentes. A única solução para esse efeito é a conscientização. Para tanto, eu acredito que a melhor forma seja através de uma campanha permanente, até mesmo mostrando algo muito forte, como as sete mortes que nós tivemos aqui em apenas dez dias. Entre esses casos nós apuramos diversas causas, como a não utilização do cinto de segurança, o transporte de crianças em desacordo com o que estabelece a lei, excesso de velocidade, bebida, sono, drogas, e por aí vai. Quer dizer, mortes que poderiam ter sido evitadas através da conscientização. No ano passado foram registradas cerca de 43 mil mortes em todo o país. Além do imenso sofrimento humano, esses acidentes também se refletiram em diversos outros problemas para a sociedade. São bilhões de reais gastos em toda a rede hospitalar, uma enorme multidão de jovens retirados de suas vidas ativas, diversos leitos de hospitais ocupados por causas evitáveis. Inúmeras famílias destruídas, que depois precisam de muita força para seguir em frente, exatamente em função da violência no trânsito.
AVS: A reivindicação por um serviço de transporte público mais eficiente esteve intimamente ligada aos protestos que marcaram o país nos últimos dias. Como o senhor interpreta o recado enviado pelas ruas?
Hudson de Aguiar: É interessante notar que o clamor público que gerou essa onda recente de protestos teve início num anseio da população por maiores investimentos e melhores condições no transporte público. Durante anos houve uma política de incentivo ao transporte individual por parte da União, inclusive zerando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Essa postura ajudou a colocar milhares de novos carros nas ruas, e não houve incentivo semelhante ao transporte público coletivo, principalmente urbano. Nova Friburgo é um exemplo claro dessa situação, nós temos mais de 20 anos sem uma grande obra estrutural para o trânsito. Viadutos, passarelas... Isso retrata uma política voltada para um consumo individual do transporte, e o coletivo foi sendo esquecido ao longo dos anos. Felizmente o povo clamou por isso, e outras demandas vieram em seguida.
AVS: Em relação ao futuro, quais as principais medidas que estão sendo planejadas para melhorar o trânsito em Nova Friburgo?
Hudson de Aguiar: Nós estamos firmando um convênio com a secretaria estadual de transporte através do Detro, que já foi assinado pelo prefeito, para que possamos também realizar operações intermunicipais. Vans clandestinas, ônibus piratas, coletivos que não respeitam as paradas no ponto regulamentar, tudo isso está para acabar. Nós também estamos aplicando o Programa Estadual de Integração da Segurança Pública (Proeis). Graças a esse programa, policiais militares com ficha limpa podem ser contratados para trabalhar em seus horários de folga naquelas áreas mais necessárias para o município. Isso já está praticamente pronto. Nossa equipe tem trabalhado muito, a título de melhorar o trânsito de Nova Friburgo. Estamos também numa parceria muito interessante com o Instituto Estadual do Ambiente. O Inea está trabalhando na recuperação das margens do Rio Bengalas, e nós vamos mudar a mão de direção em algumas ruas ali no Ouro Preto. Desde já eu peço que a população tenha paciência, porque vai ser uma grande obra. Nós vamos ter que funcionar naquele esquema de pare e siga durante algum tempo, e também usar a Nossa Senhora do Amparo e a Ferroviários como alternativas. As pessoas precisam compreender que isso vai ser importante, principalmente quem mora em Conselheiro, uma vez que esse é o pilar para que se possa construir a tão falada e desejada Avenida Brasil, que virá de Conselheiro até Duas Pedras. Com oito metros de largura, uma ciclovia... Um outro projeto já em andamento é o da Cidade Inteligente. Técnicos da Faetec já estão em Friburgo, elaborando o estudo que irá orientar a implementação. No primeiro passo, esse projeto vai permitir monitorar toda a parte urbana, com 32 câmeras cobrindo 32 quilômetros. Na segunda etapa serão 64 câmeras, quatro delas móveis, já se expandindo para os distritos. Na terceira fase serão mais 130 câmeras cobrindo as escolas do município. O sistema é todo em fibra ótica, e nós estamos vendo os pontos de interesse em cada secretaria. A obra na Ponte dos Maias também já desafogou muito o tráfego de caminhões por dentro de Conselheiro Paulino. Daqui a algum tempo ela será inaugurada, mas os caminhões já estão usando para desafogar o trânsito. O que nós gostaríamos de pedir é que as pessoas colaborassem conosco, porque a rua é de todos nós. Assim nós poderemos ter uma convivência noutros termos, num ambiente onde gentileza possa gerar gentileza. Um clima de disciplina, porque quem é disciplinado respeita as leis, e o próximo. Todo mundo comete falhas, e essas falhas não justificam agressões, palavrões, gestos obscenos. Pedimos que as pessoas tenham calma. Permitam a ultrapassagem, cedam a vez, evitem problemas.
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