Auto da Compadecida

quarta-feira, 31 de dezembro de 1969
por Jornal A Voz da Serra
Auto da Compadecida
Auto da Compadecida

Ana Borges
Aos 81 anos, o teatrólogo e romancista paraibano de fama internacional Ariano Suassuna, reverenciado pelas destacadas obras de sua autoria, como “Auto da Compadecida”, escrita em 1955, e “A Pedra do Reino” (1971), entre tantas outras, compareceu à cerimônia de inauguração do Teatro Municipal de Nova Friburgo, então batizado com seu nome, na noite de 27 de setembro de 2008. 
Na ocasião, orgulhoso com a homenagem, disse: “Não sou e não quero ser vaidoso, mas acho que vou passar a ser depois dessa linda e honrosa homenagem em Nova Friburgo, da qual já virei conterrâneo. Acho até que vou ter que me vacinar contra a vaidade depois dessa honraria que a prefeita Saudade [Braga] e o povo friburguense me fizeram. Quem diria, um teatro dessa grandeza com o nome Ariano Suassuna?”, brincou o dramaturgo, que divertiu a plateia contando episódios que questionavam sua fama, obtida ao longo da carreira. 
Mal sabia, então, que pouco mais de um ano depois seu nome seria retirado da fachada do teatro, por força de lei, que proíbe dar nome de pessoas vivas a espaços públicos. Quem o conhece e sabe de sua modéstia e, principalmente, de seu inigualável senso de humor, também sabe que certamente ele faria graça com o fato. Jamais se sentiria menos prestigiado por isso. 
Em sua passagem pelo município, Ariano se encantou também com as belezas naturais de Nova Friburgo. “Fiquei emocionado ao conhecer em São Pedro da Serra, a Casa da Flor, do artista Gabriel [Joaquim dos Santos], que soube explorar a verdadeira magia das cores. A obra dele é um prodígio de harmonia exata das cores. O Brasil é um país de várias cores. Não há coisa pior que a falta de cores. Vejam só Brasília! Aquela cidade parece que levou um susto e empalideceu. É tudo sombrio”, comentou Ariano, em meio às gargalhadas do público, que superlotou o teatro de quase 600 lugares, com as galerias também lotadas, e que o aplaudiu de pé. “É por isso que me orgulho de ser brasileiro. O Brasil é um milagre. Só aqui se tem a unidade em meio à diversidade”, agradeceu. 

(Trechos extraídos de reportagem publicada em A VOZ DA SERRA, em 29 de setembro de 2008, por Henrique Amorim)


 A montagem em Nova Friburgo

Perto de completar 85 anos, em junho, Ariano Suassuna autorizou uma nova encenação de “Auto da Compadecida”, que está em cartaz desde abril, numa iniciativa da Cia Limite 151. O elenco é formado por doze atores, entre eles Gláucia Rodrigues e Marco Pigossi, com direção de Sidnei Cruz. 
João Grilo é um sertanejo pobre e mentiroso interpretado por Gláucia Rodrigues, e Chicó, “o mais covarde dos homens”, por Marco Pigossi, que recentemente brilhou no papel de Juvenal, na minissérie “Gabriela”, da TV Globo. Ambos lutam pelo pão de cada dia e atravessam vários episódios enganando a todos na pequena cidade em que vivem, até conseguirem através de suas confusões a ira do temido cangaceiro Severino de Aracaju. 
Gláucia Rodrigues, uma das fundadoras da Cia Limite 151, foi indicada ao prêmio Shell, entre outros, por sua interpretação da criada Caroba, de “O Santo e a Porca”. Desta vez, Gláucia enfrenta um desafio ainda maior, dando vida a João Grilo. “Eu não ia participar dessa montagem. Durante dois anos viajei com ‘O Santo e A Porca’ pelo país afora e confesso que estava pensando em tirar férias. Além disso, nenhum dos personagens femininos do espetáculo me estimulava. Foi quando o Edmundo Lippi e o Wagner Campos, os outros fundadores da Cia, me perguntaram se eu não toparia fazer o João Grilo. Aí sim, virou desafio. Esse era o combustível que eu estava precisando para voltar ao palco”, revelou Gláucia, que já fez outro personagem masculino, Scapino, de Molière. 
Para o diretor, a escolha de Gláucia para fazer João Grilo foi uma “sacada” muito feliz dos dois, pois a atriz já tinha experiências anteriores na composição de personagens masculinos. “Aliás, grandes atrizes sempre escolhem esse caminho em vários momentos de suas carreiras. A Gláucia está construindo um João Grilo universal e, ao mesmo tempo, particularíssimo, estruturado em suas ações arquetípicas, revelando o estado físico e a mentalidade de um tipo brasileiro: esperto, malandro, sem caráter, palhaço, pobre, astuto e criativo”, avaliou Cruz, que já dirigiu a Cia Limite 151 em “A Moratória”, de Jorge Andrade, “O Olho Azul da Falecida”, de Joe Orton, “Os Contos de Canterbury”, de Geoffrey Chaucer, e fez a adaptação do “Frankenstein” de Mary Shelley. 
O parceiro inseparável de João Grilo, o matreiro e encantador Chicó, tem em Marco Pigossi um intérprete inspirado. Ele está fazendo seu terceiro trabalho com a Cia e também participou do elenco de “O Santo e A Porca”. “Ariano Suassuna é um dos maiores pensadores, educadores, teatrólogos que o Brasil tem. E eu, com tão pouco tempo de carreira, sou um privilegiado por participar pela segunda vez da montagem de um texto dele. Sou muito sortudo! Sortuda também é essa minha união com a Limite. É com eles que eu aprendo diariamente a profissão do ator, como ofício, como prazer, como arte e como vida”, revelou Pigossi, que confessa ter ficado um pouco receoso em aceitar o convite para interpretar o Chicó. “No começo desse projeto, fiquei receoso, pois Chicó ficou muito marcado na cabeça das pessoas em função do filme e da brilhante interpretação do Selton Mello. Mas, quando teria outra oportunidade de fazer Chicó? Nunca! É um grande aprendizado e me faz crescer como ator. Quando me perguntam o porquê de fazer Chicó, respondo que é porque todo mundo me disse que seria loucura. Acontece que eu não resisto a uma loucura dessas!”, confessou Pigossi. 
Enfim, se há um programa definitivamente imperdível, hoje e amanhã, ele se chama “Auto da Compadecida”.
Em cartaz nesta terça, 6, e quarta, 7, às 20h, no Teatro Municipal de Nova Friburgo. Cadeiras numeradas limitadas: inteira R$ 30, meia R$ 15 (para idosos, estudantes, menores de 21 anos, deficientes, funcionários públicos, professores e associados do cartão Porto Seguro). É obrigatória a apresentação de documento comprobatório da condição, na portaria do teatro. Classificação indicativa: 10 anos.  


Uma vida tão rica quanto sua trajetória artística

Ariano Vilar Suassuna, nascido em 1927, na Paraíba, é advogado e formado em filosofia. Iniciou a carreira literária aos 16 anos, escrevendo poesias, em Recife, cidade onde vive desde a infância. Na Faculdade de Direito conheceu Hermilo Borba Filho, com quem fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). Em 1947, escreveu sua primeira obra, “Uma mulher vestida de sol”. Em 1948, sua peça “Cantam as harpas de Sião” (ou “O desertor de Princesa”) foi montada pelo TEP. Seguiram-se “Auto de João da Cruz” (1950), que recebeu o Prêmio Martins Pena, o aclamado “Auto da Compadecida” (1955), “O Santo e a Porca - O Casamento Suspeitoso” (1957), “A Pena e a Lei” (1959), “A Farsa da Boa Preguiça” (1960), e “A Caseira e a Catarina” (1961). 
Entre 1951 e 1952, voltou à fazenda da família, em Taperoá (PB), para curar-se de uma doença pulmonar. Lá escreveu e montou “Torturas de um coração”. Em seguida, retornou a Recife, onde, até 1956, dedicou-se à advocacia e ao teatro. 
Em 1955, “Auto da Compadecida” o projetou em todo o país. O respeitado crítico teatral Sábato Magaldi disse que a peça tinha “o texto mais popular do moderno teatro brasileiro”. Sua obra mais conhecida já foi montada exaustivamente por grupos de todo o país, além de ter sido adaptada para a televisão e para o cinema, sempre arrebatando o público e a crítica.
Em 1956, afastou-se da advocacia, tornou-se professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1976 defendeu sua tese de livre-docência, intitulada “A Onça castanha e a Ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira”. Atualmente, Ariano Suassuna é considerado pela crítica teatral o maior dramaturgo brasileiro em atividade.

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