Márcio Madeira
Desde que o Dr. Drauzio Varella apresentou no Fantástico uma série de matérias dedicadas ao autismo observou-se um grande aumento no interesse por identificar sintomas e buscar auxílio junto a profissionais especializados. Sobretudo nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), apontados em rede nacional como a instituição adequada a realizar o tratamento.
A reportagem televisiva, no entanto, não especificou que existem cinco tipos de Caps, e que nem todos estão habilitados, obrigatoriamente, a prestar esse tipo de auxílio. Com o intuito de elucidar a questão, aprofundando também sintomas e possibilidades de tratamento em Nova Friburgo, A VOZ DA SERRA entrevistou a psicóloga e psicanalista Ana Carolina Teixeira Pinto, que apesar de jovem, conta com vasta experiência no assunto.
A VOZ DA SERRA: Quais os Caps existentes e quais as diferenças entre eles?
Ana Carolina: De acordo com a nova política de saúde mental brasileira, os Caps são considerados o principal dispositivo para o atendimento de portadores de transtornos mentais, oferecendo serviços substitutivos à internação psiquiátrica. Existem outras ferramentas, claro, como as residências terapêuticas, mas os Caps ocupam um lugar estratégico na atual reestruturação da assistência psiquiátrica nacional. O Brasil, assim como outros países ocidentais, tem uma longa história de internação, inclusive de forma segregadora, de portadores de transtornos mentais. Existem modalidades de Caps que variam conforme o porte e a complexidade do serviço, e a abrangência populacional. Em municípios menores, onde a população varia entre 20 e 70 mil habitantes, existe o Caps I. Já o Caps II, que é o que nós temos aqui em Friburgo, serve de referência para municípios com até cerca de 200 mil habitantes. E em cidades com população superior a este número, como é o caso de Niterói, existe o Caps III. Todos eles contam com um espaço físico, uma equipe técnica, e com um projeto terapêutico. Ou seja, atividades oferecidas conforme a clientela que eles vão atender, e a quantidade de usuários que eles vão receber por dia, por semana ou mensalmente. Além dessas divisões, existem outras duas relacionadas às características do público atendido. As unidades voltadas ao tratamento de transtornos mentais decorrentes do uso e da dependência de substâncias psicoativas são chamadas Caps ad II, em referência a álcool e droga, e por atenderem a municípios com mais de 70 mil habitantes. Já as unidades dedicadas ao atendimento de crianças e adolescentes são chamadas Caps i II, por conta da designação infantil. Esta última, que ainda não existe em Nova Friburgo, é a unidade que prevê o tratamento de autismo, à qual se referiu o doutor Drauzio Varella.
AVS: Sobre o autismo, existem vários níveis de manifestação que podem tornar difícil a identificação do transtorno por parte de pais ou tutores. De modo geral, quais os principais sintomas a serem observados e quais os procedimentos que devem ser seguidos?
Ana Carolina: O autismo é definido como um transtorno global de desenvolvimento, comumente diagnosticado já na infância. Esses transtornos afetam diversas áreas, como comunicação, interação social, e a área comportamental também. Geralmente a pessoa demonstra interesse por atividades extremamente restritas, estereotipadas. No caso específico do autismo, o comprometimento da interação social irá se manifestar desde muito cedo. Então, são bebês que ao serem amamentados não olham para a mãe, não sorriem, não respondem à voz dos pais, permanecem numa postura muito rígida e não se deixam aconchegar no colo da mãe ou abraçar. Em crianças um pouco mais velhas a gente observa a ausência de desejo de compartilhar as próprias realizações. São crianças sem vaidade, com tendência de isolamento e que preferem brincar sozinhas; as brincadeiras não são próprias da idade da criança nem são imaginativas, envolvendo papéis sociais, como brincar de casinha ou de ser policial. Em geral são brincadeiras estereotipadas. Elas se preocupam com rodas de carrinhos, ou usam excessivamente o interruptor para acender e apagar a lâmpada, coisas desse gênero. No campo da comunicação o autismo pode se manifestar pela ausência da fala, ou por uma fala estereotipada e sem intenção de se comunicar, que alguns chamam de "fala de papagaio”. As crianças se limitam a repetir falas que ouvem no rádio, na tevê ou no carro de som que passa perto de casa. Também é importante notar que elas não dizem "sim”, mesmo quando querem responder positivamente a alguma pergunta. Frequentemente repetem a pergunta, ou usam o que chamamos de inversão pronominal. Em vez de dizer "eu quero”, dizem "você quer”. Estes são sinais muito característicos do autismo. E na esfera comportamental também existem padrões estereotipados. Um balançar de corpo para frente e para trás, a criança que fica torcendo as mãos... Pode haver autoagressão também, principalmente nas crises de angústia.
AVS: É certo que esse tipo de tratamento precisa ser feito por um profissional e que esses sinais não são determinantes de que a criança é autista. Diante de alguma suspeita neste sentido, qual o procedimento que os pais devem tomar?
Ana Carolina: Pois é, existem características que são indícios de autismo, mas que podem estar atreladas a outras situações. É importante que os responsáveis procurem um profissional com experiência na área infanto-juvenil, que pode ser um psiquiatra infantil, um psicólogo infantil, ou o pediatra da criança, para que um diagnóstico diferencial possa ser realizado. Porque uma criança autista pode ser confundida com uma criança surda, por exemplo, justamente por não falar ou responder aos estímulos. Uma criança autista também pode receber um diagnóstico de hiperatividade, pela agitação que ela demonstra em alguns momentos. Por tudo isso é preciso fazer uma avaliação completa para compor um quadro clínico. Em Friburgo, no setor público, o ideal é que o pai ou responsável procure o próprio Caps II, ou algum dos ambulatórios de psicologia ou psiquiatria existentes. A gente trabalha com o preceito de acolhimento universal, seguindo a universalidade de assistência do SUS. Então mesmo que uma pessoa se dirija a um serviço que não é adequado para o tratamento que ela está buscando, aquele serviço vai sim estar de portas abertas para que essa pessoa seja direcionada para o serviço que efetivamente ela tem que procurar. Então o Caps II está habilitado a orientar uma mãe com suspeita de autismo, a procurar um serviço mais recomendado. É claro que essas crianças deveriam a princípio ser acolhidas num Caps I, que nós não temos em Friburgo. Mas isso não significa que uma criança com indícios ou um diagnóstico de autismo vá ficar sem tratamento algum, mesmo que seja num ambulatório. Existem alguns psicólogos infantis na rede pública em Nova Friburgo. Nem todos os casos de crianças autistas, no entanto, poderão ser absorvidos pelos serviços aqui disponíveis, pelas próprias características de cada quadro. Porque esse é um tratamento que muitas vezes extrapola o campo de atuação de um único profissional. A criança pode precisar de tratamento clínico, às vezes com psicólogo, às vezes com psiquiatra, pode precisar de um fonoaudiólogo... Mas mais do que isso — e é aí que entra o Centro de Atenção Psicossocial — essas crianças precisam de um trabalho de reinserção social que as permita, por exemplo, frequentar a escola e conviver com a família. O Caps trabalha nessa dupla vertente, com uma equipe intersetorial oferecendo o trabalho clínico e o tratamento de reinserção para que essa criança possa frequentar ambientes de interação social.
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