Ao fim de um dia tenso na Prefeitura de Nova Friburgo, nesta terça-feira, 11, a secretária municipal de Saúde, Tânia Trilha, pediu exoneração do cargo, que ocupava desde setembro de 2018. A decisão teria sido tomada em comum acordo com o prefeito Renato Bravo, um dia após o vazamento de um áudio, atribuído à secretária, em que ela afirma ao então diretor do Hospital Raul Sertã: "Arthur, meu querido, olha só! Eu preciso só que resolva, que opere o paciente ou que ele morra, entendeu, pra gente se ver livre do problema, mas é só o que eu preciso porque eu tenho que cumprir uma decisão judicial, você me ajuda nisso, por favor? Obrigada, meu querido".
À tarde, o presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Nova Friburgo, vereador Wellington Moreira, havia protocolado no Ministério Público Federal o pedido de afastamento de Tânia.
O episódio teria ocorrido em maio e motivado o pedido de demissão do diretor, Arthur Mattar.
De acordo com o vereador, a permanência de Tânia à frente da pasta ficou insustentável. “Espero que seja instaurado um procedimento de investigação para apurar a situação do paciente envolvido no áudio da denúncia, além do número ‘misterioso’ de óbitos nas unidades de saúde do município”, disse o vereador, no pedido de afastamento.
Cremerj divulga nota de repúdio
Também nesta terça, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj) divulgou uma nota de repúdio ao que chamou de "descalabro" em uma unidade de saúde de Nova Friburgo e anunciou que entrará com ação de improbidade no Ministério Público do Rio de Janeiro por violação do princípio da moralidade administrativa.
"O Cremerj, em defesa da população e da boa prática médica, repudia todo e qualquer tipo de coação ao médico que o iniba de praticar da melhor forma seu trabalho e possa colocar em risco a vida do paciente. O Código de Ética que respalda todos os procedimentos médicos, protegendo não só o paciente, assim como o médico em questão. E este tipo de atitude da secretária fere, frontalmente, os princípios fundamentais deste Código de Ética", afirma a nota da entidade.
A nota do Cremerj lembra, citando a Constituição Federal, que "a vida é direito inviolável e nenhuma decisão judicial, lei ou qualquer decisão pode se sobrepor a esse mandamento".
"Os médicos são os guardiões deste direito e o Conselho Regional de Medicina, fiscalizador e atuante, está indignado com esta franca violação. Ao gestor público cabe zelar pela vida e pela moralidade dentro do serviço público. A atitude que presenciamos é um descalabro", diz ainda a nota.
Tânia não é médica por formação, e sim advogada e professora universitária.
A Prefeitura de Nova Friburgo só se pronunciou sobre o caso por volta das 19h30, para comunicar em nota o afastamento de Tânia, cerca de 24 horas após o vazamento do áudio. "No encontro (com o prefeito Renato Bravo) ficou acertado que, a partir de agora, Tânia deixará o cargo", diz a nota.
Tânia teria reconhecido a autoria do áudio, que viralizou nas redes sociais na noite desta segunda-feira, 10, mas alegou que o conteúdo havia sido tirado de contexto.
Arthur se manifesta
Ao comentar o áudio, o médico Arthur Matta (foto), ex-diretor do Raul Sertã, disse que não tem mais o que falar sobre a sua saída. "Tudo o que precisava dizer já foi exposto na carta entregue à Câmara Municipal e nas muitas entrevistas que concedi. O áudio exposto faz parte de uma conversa em grupo de WhatsApp, no qual havia outras pessoas, ainda que tenha sido direcionado ao meu nome. Sempre me manifestei com o único intuito de auxiliar a saúde pública do município e fui bem claro ao manifestar minha discordância em relação a situações como a que este áudio sintetiza. E, justamente por ter falado tudo abertamente e no tempo oportuno, não teria qualquer razão para expor este conteúdo um mês após a minha saída", afirmou.
Em maio deste ano, Arthur Mattar pediu afastamento do cargo de diretor do Raul Sertã por "não compactuar com esta gestão da Secretaria Municipal de Saúde, onde os valores judiciais são mais importantes que os valores humanos". Ele afirmou também que, diante da impossibilidade de mudar o quadro, preferiu se retirar desta gestão, que chamou de incompetente, "onde a lei vale mais que uma vida" .
Uma pasta em crise
O áudio atribuído à secretária Tânia Trilha abriu mais uma crise no governo do prefeito Renato Bravo. Desde o início do mandato, em janeiro 2017, a pasta já foi alvo de uma operação da Polícia Federal e várias ações movidas Ministério Público Federal (MPF). A gestão da secretaria foi trocada três vezes e também é investigada em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal.
A CPI da Saúde apura, desde o ano passado, supostas irregularidades em contratos emergenciais de fornecimento de alimentação para os funcionários, pacientes e acompanhantes do Hospital Municipal Raul Sertã firmados entre a prefeitura e a empresa Global Trade Indústria de Alimentação. A investigação pelo Legislativo está na fase final e deve ser concluída este mês.
O presidente da CPI, vereador Johnny Maycon (PRB) disse que foram ouvidas 27 pessoas, entre elas nutricionistas e ex-nutricionistas do hospital, servidores das secretarias de Saúde, da Controladoria Geral da prefeitura e da unidade de saúde, funcionários e ex-funcionários da empresa Global Trade e o ex-secretário de Saúde, Christiano Huguenin, e a atual gestora da pasta, Tânia Trilha.
Esses mesmos contratos também são investigados pelo MPF. Em agosto de 2018, a Procuradoria da República na cidade requisitou à Polícia Federal a instauração de inquérito policial para investigar a contratação emergencial para fornecimento de alimentos, sem licitação, que somam mais de R$ 5 milhões. O órgão vê indícios de irregularidades nessas contratações.
O MPF também instaurou inquérito civil público para apurar a aquisição de material médico hospitalar, em setembro do ano passado, para atendimento às necessidades da rede municipal de saúde. A denúncia partiu de vereadores da Câmara que identificaram irregularidades em um edital que poderiam levar a um prejuízo ao erário estimado em R$ 529 mil. A licitação acabou sendo cancelada.
Já em dezembro de 2017, o MPF realizou na secretaria, com apoio da Polícia Federal, a operação “Esterilização”, que culminou os afastamentos da então secretária de Saúde, Suzane Menezes, e a da subsecretária-executiva Michelle Silvares Duarte de Oliveira, investigadas pelos crimes de dispensa fraudulenta de licitação, peculato e corrupção passiva. O caso segue sob sigilo.
Com o afastamento de Suzane, o vereador então licenciado Christiano Huguenin (MDB) assumiu a Saúde, em dezembro de 2017, acumulando a pasta com a Secretaria de Assistência Social. Em junho de 2018, ele deixou a Assistência Social, sob orientações do Ministério Público que o alertou sobre a acumulação de cargos. Três meses depois, saiu da Saúde e voltou à Câmara em meio às investigações dos contratos emergenciais. Tânia Trilha então assumiu a Saúde.
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