Dalva Ventura
O fascínio do jornalista David Massena pelos festejos de Momo vem de longa data. Nascido numa segunda-feira de carnaval, em Cataguases, Minas Gerais, veio ainda criança para Nova Friburgo e sempre esteve ligado ao carnaval da cidade e do Rio de Janeiro. Apaixonado pelo tema, já assinou figurinos, enredos para escolas cariocas, participou de comissões de frente—enfim, desde que se entende por gente ele vive intensamente o carnaval.
Aqui em Nova Friburgo, já saiu em todas as escolas de samba e em alguns blocos. Assinou carnaval para as Braunes, Prado, o bloco Brotos e Coroas e, sempre que é convocado, dá os seus pitacos. E, com orgulho, diz que os coreógrafos de comissões de frente, Monara Costa, Wellington Vieira e o premiadíssimo Oyama Queiróz foram seus alunos.
Não podia dar outra. Coube a ele contar a história do carnaval friburguense, desde antes da chegada dos suíços, dos alemães, espanhóis, italianos, árabes, entre tantos outros povos que ajudaram a colonizar nossa cidade. Foram quatro anos de pesquisas. Neste período, David fuçou arquivos e mais arquivos, consultou pilhas e pilhas de jornais, remexeu em papeis, descobriu diários pessoais, entrevistou pessoas que vivenciaram intensamente o carnaval da cidade.
Toda esta pesquisa resultou em “Até Quarta-Feira!”, seu segundo livro (o primeiro foi “Da Geração Bendita à Capital da Moda Íntima”), que chega às livrarias na primeira semana de fevereiro. Com 288 páginas, mais de cem registros fotográficos, a obra tem o patrocínio da Stam e o lançamento é da Viena Editora.
O livro começou a ser gestado quando David comentava os carnavais para a TV Zoom e começou a elaborar um fichário de informações sobre cada escola de samba ou bloco. Com o tempo, esse material guardado foi se acumulando. Caixas e mais caixas guardando recortes de jornais, documentos, depoimentos, fotografias. A ideia do livro surgiu em 2010, a partir de um bate-papo informal com o radialista Coracy Martins, que também adora carnaval. Coracy comentava sobre sua preocupação com a morte de alguns expoentes do samba friburguense, já que nossa memória oral estava ficando sem registros.
Recheado de emoção, com centenas de nomes familiares aos friburguenses, “Até Quarta-Feira!” compõe uma galeria de baluartes do carnaval de Nova Friburgo ao longo de quase dois séculos de história. Os mais antigos certamente se lembram do folião Farinha Filho, com suas fantasias inusitadas. Ou da Madame Salusse, os bailes requintados no Hotel Salusse, conhecido como Palácio das Fadas.
Outra história muito interessante do livro é a da polêmica bailarina Marietta Badermna (1828-1870), que veio morar em Nova Friburgo no final da vida e cujo nome deu origem ao termo “baderna”. No livro, David também resgata o carnaval de 1916, que foi adiado, devido às fortes chuvas daquele ano. “Foi um dos primeiros carnavais fora de época do Estado”, disse.
“Não existe carnaval como o nosso”
No decorrer do livro, David vai acompanhando as transformações sofridas pelo nosso carnaval—desde os entrudos dos idos de 1800 até as escolas de samba, criadas em meados do século passado e que animam a folia da cidade até os dias de hoje. Perguntado sobre o que mais lhe chamou atenção ao pesquisar a história do carnaval de Nova Friburgo, David não titubeia.
“A personalidade. O carnaval friburguense é único. Em todas as suas formas. Mesmo que, em diversos momentos, ele se baseie no carnaval carioca, o daqui tem algo de diferente.”
Ele cita o entrudo e os bailes de máscaras, que segundo ele, eram bem mais elegantes. “Tudo, aqui, ganhava requinte, glamour. Um certo brilho diferencial.” Como exemplo, o autor cita os bailes realizados nos clubes, lembrando que nas décadas de 60 e 70, Nova Friburgo ficou conhecida internacionalmente pelo carnaval do Clube de Xadrez.
Apaixonado pelo tema, David lembra como os nossos enredos são bem-construídos e garante que as escolas de samba locais têm uma personalidade única, embora possuam uma construção similar às do Rio de Janeiro. “Por exemplo, a Vilage é tradicional, a Unidos da Saudade, inovadora e a Imperatriz, ousada”, classifica.
Questionado sobre qual seria sua escola de samba do coração, David tenta escapar, dizendo que no Rio, é Mangueira. Mas acaba saindo pela tangente.
“Que saia-justa! A Unidos da Saudade me adotou nos anos 70, a Vilage faz parte da minha história de vida, onde tenho dois pais adotivos, Teresa e Leônidas. A Imperatriz de Olaria é uma paixão. Quando entro na quadra da vermelho e branco, meu coração fica acelerado. O Alunão é a escola da tradição, do respeito e da memória e o Prado é a escola de amigos queridos, como Teresinha e Carlinhos. Portanto, meu coração está loteado em partes iguais.”
O autor nega veementemente que o carnaval friburguense esteja decadente. O que acontece, diz ele, é que todo mundo, sem exceção, tem saudades dos seus carnavais na juventude.
“Não há decadência, há saudosismo. E para não perder o trio elétrico, seria melhor nos manter ligados ao movimento de reinvenção. O livro é capaz de mostrar que o carnaval se reinventa. São ciclos. Os blocos do Rio estão nas ruas de novo. Já o carnaval baiano vive um período de baixa. O carnaval não é uma festa que oferecem ao povo, mas uma festa que o povo oferece a ele mesmo. Acho que há um ciclo se construindo aqui, com o Bloco dos 9 aos 90, com o Blocão do Rastafare, que é o de carnaval de rua.”
“Até Quarta-Feira!” tem apresentação do historiador Rafael Mendes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e orelha assinada pela professora Luciana Herdy Messa. “Massena mostra no livro que o carnaval pode ajudar a explicar o Brasil e funcionar como um termômetro capaz de marcar as diferenças sociais que atingiam (e ainda atingem) a sociedade brasileira. O livro também apresenta um carnaval que mistura toda a diversidade de que se contagiou e enriqueceu a cultura brasileira durante séculos.”
Na apresentação da obra, Rafael Mendes diz que a região ocupada por Nova Friburgo, ao longo de sua história, foi povoada por escravos trazidos da África, índios nativos, portugueses, suíços, alemães, italianos, e outros mais. “Onde, se não lá, o fenômeno da aculturação poderia encontrar terreno mais fértil?”, indaga.
E mais: “Este caldeirão cultural é o responsável por produzir um carnaval diferenciado em Nova Friburgo. E mais. A região serrana fluminense sempre esteve umbilicalmente ligada aos centros mais urbanizados do Rio de Janeiro. Consciente disso, David Massena situa o desenvolvimento histórico, econômico, cultural e (por que não?) carnavalesco de Nova Friburgo dentro do sistema no qual era engrenagem”.
“Até Quarta-Feira!” traz, ainda, os resultados das escolas de samba da cidade desde 1947, com seus enredos e personagens marcantes. Explica, passo a passo, a formação de um desfile, os critérios de julgamento e ainda contém um pequeno dicionário do carnaval, com verbetes que muitos desconhecem.
Deixe o seu comentário