“Assim se passaram 100 anos”

sexta-feira, 13 de maio de 2011
por Jornal A Voz da Serra
“Assim se passaram 100 anos”
“Assim se passaram 100 anos”

João Raimundo de Araújo*

Em edição datada de 21 de maio de 1911, o jornal friburguense A PAZ noticiava importantes fatos ocorridos no município. Intitulada “A Noite do Quebra-Lampiões”, a matéria discorria sobre o fato do dia 17 de maio, quando “uma multidão” se reunira na Praça 15 de Novembro para protestar contra os vereadores da Câmara Municipal que negaram ao empresário Julius Arp a concessão para exploração da eletricidade em Nova Friburgo. Em seguida, a dita “multidão” partiu em direção à Rua General Argolo (atual Av. Alberto Braune) e, de passagem, foi destruindo os lampiões a gás usados na iluminação pública. Posteriormente, a população foi em direção ao prédio da Câmara, invadindo e promovendo um grande quebra-quebra de objetos e móveis. Diante desses fatos, os vereadores fugiram amedrontados. Possivelmente, com “a certeza na frente e a história na mão”, a população estava iniciando a construção histórica da grande indústria têxtil de Nova Friburgo — ironicamente, em 17 de maio, um dia após a data em que, anos depois, seria comemorado o aniversário do município.

Mais adiante, na mesma edição, lê-se uma nota informativa que, no dia 18, o advogado da Câmara fora ao Rio de Janeiro levando o contrato de concessão para a assinatura do empresário Julius Arp.

Um mês depois, precisamente em 20 de junho de 1911, o contrato foi assinado pelo Presidente da Câmara Municipal (representando o poder executivo) e por Julius Arp, dando início à Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo, com excepcionais poderes para vender e distribuir energia e eletricidade no município.

As perturbações ocorridas no dia 17 de maio, na verdade, podem ser vistas como a culminância de um processo de confrontos que envolveram a classe política local. De um lado, Galiano das Neves, representante de uma pequena aristocracia rural que dominava o poder executivo como Presidente da Câmara (o cargo de Prefeito só foi criado em 1916) e defensor da manutenção da concessão da eletricidade nas mãos do Coronel Fernandes da Costa. De outro lado, o jovem médico Galdino do Valle Filho, que ingressava na vida política friburguense, assumindo discurso modernizador e liderando um grupo de oposição a Galiano das Neves. Galdino vinculara-se aos empresários alemães Julius A. Arp e Maximilian Falck, interessados em investir na criação de indústrias de rendas, passamanarias e filós em Nova Friburgo. A já existente ferrovia, bem como a proximidade com a cidade do Rio de Janeiro — capital federal, centro produtor e consumidor de tecidos e de artigos complementares — tornava a cidade serrana ideal para seus investimentos. A isso somavam-se as possibilidades de isenções fiscais e tributárias e a existência de uma pequena colônia alemã-luterana sediada no município desde 1824.

O grande impasse girava em torno do fornecimento energético. Desde 1906, a Câmara Municipal havia concedido ao Coronel Fernandes da Costa o direito de construir a usina e, consequentemente, fornecer eletricidade aos habitantes do município. O descumprimento dos prazos previamente acordados serviu de argumento a Galdino do Valle Filho em defesa da transferência da concessão a Julius Arp. Num momento de expansão do capital monopolista, desde fins do séc. XIX, o fornecimento da energia e, em especial, o da energia elétrica, era de fundamental importância na reprodução capitalista. Isso explica a insistência do empresário alemão em deter o controle do fornecimento da energia elétrica, sua forte aliança com o grupo galdinista e a importância definitiva da “Noite do Quebra-Lampiões”.

Indubitavelmente, o 17 de maio de 1911 deve ser entendido como o marco histórico da criação da indústria de tecidos em Nova Friburgo. É necessário perceber a dimensão política e social deste fato quase sempre considerado apenas do âmbito dos estudos de economia. Usando a comparação histórica, se, em fevereiro de 1831, as “Noites das Garrafadas”, envolvendo conflitos entre brasileiros e portugueses nas ruas do Rio de Janeiro, fora fundamental para a abdicação de D.Pedro I, o “Quebra-Lampiões” determinou o recuo dos Vereadores e a consequente entrega dos direitos de exploração da energia elétrica ao empresário Arp.

Vitória dos galdinistas que iniciavam sua ascensão política no município; vitória do capital alemão, ao iniciar a construção de sua hegemonia em Nova Friburgo até fins do século XX.

A partir desse momento, é possível perceber a criação da Fábrica de Rendas (M. Sinjen e Cia), iniciando as atividades em julho de 1911. A atuação de Julius Arp não se limitou à criação da empresa de eletricidade e da Fábrica de Rendas. Foi ele, também, o incentivador de novas fábricas alemãs, assim como se tornou acionista minoritário em todas elas.

Associando-se a Julius Arp, Maximilian Falck, em 1912, criou a empresa M. Falck e Cia. (Fábrica Ypu), para produzir artigos de passamanaria. Em início de 1925, era fundada a Fábrica de Filó S/A nas proximidades da Praça do Suspiro.

Ernest Otto Siems e seu pai eram os principais acionistas, sendo Ernest Presidente da empresa, que tinha ainda Julius Arp como acionista minoritário e vice-presidente.

Em abril de 1937, após intensos contatos de Julius Arp com os engenheiros Hans Gaiser e Frederico Sichel, completava-se o processo de implantação de empresas alemãs no município. Criava-se a Fábrica de Ferragens Hans Gaiser (Fábrica Haga) nas proximidades da Vilage, especializada na produção de fechaduras.

Ao longo de um quarto de século (1911-1937), estabeleceu-se o capital alemão no espaço friburguense. Da sua aproximação e aliança com grupos políticos locais, sobretudo o liderado por Galdino do Valle Filho, é possível entender sua trajetória hegemônica. Inicialmente, a distribuição espacial das indústrias obedeceu, sem dúvida, a uma estratégia de dominação da cidade e de um controle da classe operária composta em sua maioria de brasileiros e de brasileiras “não muito confiáveis”. Essas indústrias localizaram-se de modo disperso, evitando a concentração dos trabalhadores. A implantação da Fábrica de Rendas próxima ao rio Cônego, da Fábrica Ypu nas proximidades do rio Santo Antônio, da Fábrica de Filó próxima à margem esquerda do rio Bengalas, e da Fábrica Haga à margem direita do mesmo rio, facilitava a dispersão cotidiana em diferentes bairros operários e a consequente disciplinarização dos trabalhadores. Por outro lado, formando uma espécie de quadrilátero, tendo nos quatro vértices as indústrias, o capital alemão controlador do fornecimento da eletricidade dava um abraço simbólico à cidade, exercendo controle sobre ela.

No plano cultural, tem início, por ocasião dos festejos do centenário de Nova Friburgo, em maio de 1918, a criação do mito da “Suíça Brasileira”. O discurso proferido por Agenor de Roure nesta ocasião lançou as bases desta construção ideológica que inventava Nova Friburgo como uma cidade europeia, tradicionalmente empregando mão de obra livre, ordenada e disciplinada. Contraste evidente com outras cidades desse mundo tropical, tradicionalmente de trabalhadores não livres e de origens luso-africanas.

A criação, em 1922, pela colônia alemã em Nova Friburgo e com presença forte nos anos do autoritarismo (1930-45), da Sociedade Alemã de Educação e Culto (origem da Sociedade Esportiva Friburguense – SEF) é um marco da dinamização da cultura alemã na região. Está presente aí o ideal de cidade da ordem, da obediência e da quase inexistente mobilização social.

Os cem anos da indústria alemã se confundem com os últimos cem anos de Nova Friburgo, que já foi representada como a “Princesa dos órgãos gentil”, ou como a “Suíça Brasileira”, ou ainda como o “Paraíso capitalista” e, mais recentemente, a “Capital da moda íntima”.

*Doutor em História Social pela UFF, Professor da FFSD e da rede pública estadual, autor do livro Teia serrana: Formação Histórica de Nova Friburgo, membro da AFL.

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