Napoleão Bonaparte proferiu uma de suas frases de efeito ao avistar as pirâmides do Egito: – Do alto destas pirâmides, vinte séculos nos contemplam – teria dito o Imperador francês.
Esta mesma frase me vem agora à cabeça, enquanto caminho pela Alameda dos Plátanos, à beira do lago superior do Nova Friburgo Country Clube, encantado pela beleza de carvalhos europeus, cerejeiras e sapucaias salpicadas de garças, sabiás-laranjeiras, marrecos e pica-paus, que emolduram, ao fundo, as vertiginosas Catarinas.
* Do alto destas árvores, cento e cinquenta anos de história nos contemplam – digo aos meus botões, e era melhor que não andasse por aí a cometer frases tão fajutas, mas é que não me contenho, tanto assim que aqui estou a escrever.
Refiro-me à longa história que se confunde com a ocupação da velha Fazenda Real do Morro Queimado, com o garimpo clandestino de ouro e com o comércio de escravos. No século dezenove, a casa de campo do Barão de Nova Friburgo e os jardins projetados por Glaziou tiveram dias de glória.
Concluo a terceira volta em torno do lago superior quando a noite vem, a noite com seus sortilégios, e nessa hora o som retumbante dos sapos-martelo adquire espessura orquestral, colorida pelo sibilo de grilos e cigarras.
Quase um século se passou sob as pontes de ferro até que vieram os plebeus, meros paisanos com pouquíssima beira e quase nenhuma eira, mas cheios de capital, como em geral são os pioneiros. Não teve sangue azul que resistisse e a residência do Barão acabou virando clube de campo.
* Alto lá. É Country Club – apressou-se a ressalvar o ilustre cavalheiro trajando blazer em pied-poule e chapéu de feltro, ao ler a ata de fundação, esmerando-se na pronúncia britânica.
Todo mundo que estudou com Miss Brum na Cultura Inglesa sabe que correto seria dizer cântri clab, mas a verdade é que nem todo mundo chegou a conhecer a maravilhosa professora de cabelos branquinhos e olhos azuis, que nos introduziu no idioma do bardo e fazia os alunos decorarem até os nomes das linhas do metrô de Londres.
* Vambora pro Cáutri – é assim mesmo que se diz, em friburguês.
E não é que a criançada fez mesmo do clube o seu jardim e da piscina a praia mais selvagem? Tudo regado a Mineirinho, guaraná Caledônia, fimose de salsicha kri-crocante e sorvete eski-bom.
Foi um tal de baile infantil, futebol, volley, basquete, ping-pong, festa de debutante, discoteca, beijo na boca, chuva de confete, dondocas, deslumbradas e deslumbrantes, altos porres, algumas brigas feias, festa do vinho, festa da cerveja e nem sei mais o que. Enquanto isso, embora por vezes mudasse de cor, o tempo fluía irremediável como as águas do Bengalas.
Caminho até meu carro, estacionado defronte ao casarão onde a Princesa Isabel fez xixi, onde seu Sisley me ensinou a tocar O Bife no piano de cauda e onde eu e Maria Helena tivemos a linda festa do nosso casamento. O palacete permanece fechado, aguardando o impasse da sua dispendiosa restauração.
Desde o poderoso Barão do Império aos dias de hoje, a propriedade conta uma história que resume a trajetória do nosso país e as vivências de várias gerações. Dificilmente os pioneiros de 1957 poderiam reconhecer nas práticas contemporâneas seus vetustos conceitos, felizmente superados.
Novas mentalidades criaram condições para que o Nova Friburgo Country Clube se destacasse como instituição particular, mantida pelos sócios, porém aberta à comunidade, preservando importante área verde e patrimônio histórico de valor incomensurável. O clube, hoje um santuário de preservação ambiental, com suas riquíssimas fauna e flora, orgulhosamente ostenta o título de parque-jardim privado mais bonito e melhor preservado do Brasil.
Quando temos dúvidas sobre qual o caminho seguir, devemos voltar o olhar em direção à nossa origem – assim diz minha amiga ao telefone.
E para onde mais poderíamos ir descansar o corpo e a alma na dura rotina dos nossos dias?
Ao Cáutri! – eu mesmo respondo, antes mesmo de dar partida no motor do carro, já planejando retornar amanhã para mais uma caminhada seguida de um bom banho turco.
Marcelo Quintanilha Salomão, 52 anos, é friburguense, advogado, praticante de caminhadas, sócio do Nova Friburgo Country Clube desde criança e atualmente presidente do Conselho Deliberativo
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