Alvaro Ottoni: 35 anos ‘acriançando’ a criançada

Quem imagina Alvaro como um literato introspectivo, de pouca fala, filosofando sobre as questões mais profundas do homem, está redondamente enganado
segunda-feira, 04 de abril de 2016
por Antonio Fernando
(Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)
(Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)

Quem imagina o escritor Alvaro Ottoni como um literato introspectivo, de pouca fala, filosofando sobre as questões mais profundas do homem, está redondamente enganado, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Alegre, simples e comunicativo, ele troca a sisudez pela extravagância e fala como poucos para um público altamente sensível e exigente – as crianças. O resultado dessa feliz convivência está impresso em sua vasta obra: 35 anos de carreira, 20 livros publicados, uma unanimidade entre professores e quase um herói para a garotada.

Aqui, ele conta um pouco sobre sua trajetória, seu amor pela literatura, seu prazer em contar histórias e sua fascinação eterna por este vasto campo onde a imaginação fica a serviço do encantamento, com resultados fantásticos. Não dá para definir a literatura de Alvaro: basta sentir.

A VOZ DA SERRA - Este é um mês de festas pra você,  não?  Seu grande sucesso literário A árvore que fugiu do quintal  faz 35 anos e sua filha, a atriz Cacá Ottoni a representa atualmente nos palcos do Rio. Como você se sente com tanta emoção junto?
Alvaro Ottoni -
Pois é, o ano todo é de festas já que comemoro 35 anos de carreira literária e lanço meu 30º  livro infanto-juvenil. Mas de fato o ano já começou esperto, falando bem alto ao coração. A Árvore Que Fugiu do Quintal, meu primeiro livro, escrito em 1981 - e que continua fugindo, já que está na 25ª edição - decidiu fugir agora para o palco, e fez sua estreia no dia 12 de março, no teatro Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, onde fica até junho, sempre nos fins de semana. A peça está fantástica, diverte e emociona adultos também, é um musical maravilhoso. Direção do grande Zé Helou e com um elenco de ponta, só fera e entre essas feras minha talentosa filha Cacá Ottoni.

Parece que a arte está presente no DNA da família. É  isso mesmo?
Fomos pais mais tarde, e elas nasceram em berço de artistas. Eu já tinha 10 livros publicados quando os filhos nasceram. E cresceram ouvindo muitas histórias contadas por Angela e eu; sempre escreveram bem, começaram cedo no teatro, leitores, estudiosos. O meio influenciou sim, mas Cacá e Elisa são muito talentosas e doces, por conquista delas, sempre foram guerreiras, determinadas.

Sua família o influenciou para buscar a literatura infantil? Como tudo começou? Seus pais e irmãos te deram força?
Sou o sétimo de dez filhos. Nasci em uma casa imensa de três andares, com quintal , e nela uma bela mangueira, campo de futebol, capela, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Me lembro quando a TV chegou por lá, mas não fazia sucesso tantos eram os atrativos da casa. Jogava futebol o dia inteiro, e tinha espaço pra falar sozinho, ter um monte de amigos imaginários. Meus pais me permitiram esgotar minha infância, era feliz ali e sabia. Minha mãe muito doce, inteligente, alegre, e leitora. Meu pai era escritor, filósofo, poliglota, radialista, político , a casa tinha livros por toda parte. Tanto meu pai como meu avô me contavam histórias. Meu pai fazia exercícios de redação com a gente, lia depois do almoço sempre um trecho de um livro. Esse ambiente me jogou na literatura. E a tristeza pela perda da casa, quando meu pai a vendeu, deu origem inclusive ao meu primeiro livro " A Árvore Que Fugiu do Quintal" - quando pensei, se essa árvore (minha mangueira) soubesse que ia ser cortada e pudesse fugir ela fugiria, 

Seus filhos o inspiram na criação de personagens? Destes seus 29 livros quantos lembram eles?
Ah.. certamente, foi uma nova fase depois que eles nasceram, passaram a ser fonte de inspiração. e estão em todos eles a partir daí, de uma forma ou de outra. Em Shilapibum, meu 17 livro estão inteiros, são os próprios.

Você vive há muitos anos em Nova Friburgo, agora morando em Lumiar. Este cenário de montanhas é inspirador?
Nova Friburgo é uma cidade gostosa para morar, meu pouso, já que viajo muito com minhas palestras e oficinas para professores de todo o país, e com meus shows de contação de história. Em Lumiar, estou há seis meses, e não quero outra vida. Santuário ecológico, uma fonte de inspiração, e com belas iniciativas culturais, a Tribuna Livre Cultural apresenta sempre atrações, shows, contação de história, filmes maravilhosos, e agora tem ainda o CALU, Centro de Arte de Lumiar, uma iniciativa de uma casal de artistas que reuniu uma galera das mais diversas artes, com atividades para crianças e pessoas de todas idades. E no mais, cachoeiras.... delícia de lugar.

A literatura infantil é um vasto campo para a criação. As escolas adotam seus livros?  Os professores usam as suas histórias?
A nossa literatura é uma das mais respeitadas do mundo. Meus livros são muito trabalhados em escolas. E vira e mexe estou em uma delas contando histórias para a criançada, autografando meus livros, batendo papo. Descobri que ir às escolas era um complemento de meu trabalho literário quando em uma delas um menino olhou pra mim e parecei que tinha visto um fantasma. Acabou abrindo o jogo. " Caraca, você não é morrido não? Achei que você era morrido!!!" Pronto, aí tive a certeza de que ir às escolas era uma oportunidade de me desmitificar, de provar que eu não era “morrido” e mais, de mostrar para a criançada que as grande ideias estão na cabela deles, que escrever é treino, pois pensamos em onda e escrevemos em símbolos, quanto mais escrevemos com mais facilidade levamos ideias para o papel.

Você é um grande contador de histórias. Faz isso em conjunto com os seus livros?
A arte milenar da contação de história é para mim a ferramenta mais poderosa de incentivo à leitura. Tenho meu espetáculo de contação, o " Trelelê-Tralalá" quando conto histórias de minha autoria e de nosso rico folclore (e tão pouco explorado, diseminado) divertidas e pensantes. A arte de contar além de divertir, encantar, remete ao livro. à leitura. Hoje formo contadores através de oficinas. É muito comum ser requisitado por escolas de diversos estados para realizar essa formação especificamente para professores, o que me deixa bastante feliz. Prova que a escola está atenta em capacitar seu corpo docente porque a arte de contar histórias tem que estar sempre presente e diariamente em salas de aula, participando de todas matérias, não só na biblioteca, nas aulas de literatura, mas integrada.

Como você vê o mercado do livro infantil no Brasil? É um grupo fechado?
É um mercado fechado sim, infelizmente. A concorrência é pesada, já que editoras que publicam livros didáticos tem uma imenso poder de fogo junto à escolas para empurrar livros de literatura extensiva, feiras, palestras. Existe um grupinho de senhoras acadêmicas bem arrogantes que se acham donas do mercado e que, no entanto, nunca escreveram um livro sequer, mas que apitam muito.

E sobre as ilustrações infantis, como você combina isto com seus textos?
O Brasil tem ilustradores fantásticos, maravilhosos mesmo. Sou editado pelo Grupo editorial Record, que é dona da José Olympio, o meu selo. Eles tem um banco de ilustradores e quando pegam um original para editar procuram por um ilustrador fera que tem um jeitão com aquele tipo de literatura, o resultado é sempre o melhor possível. Mas minha companheira Angela Macedo, artista plástica e ilustradora, já me presenteou também com belas ilustrações como nos livros " Coisas da Lua", O Peixe Que Não sabia Nadar", " Assim Nasceu Nova Friburgo" .

Seus editores te encomendam algum livro? Financeiramente dá para viver da literatura infantil?
Não, comigo nunca houve isso, mas sei que alguns sugerem temas. Infelizmente, não dá para sobreviver da literatura por mais que se venda, há que se ter uma atividade profissional paralela, alguns são bancários, comerciantes, funcionários públicos, atores. No meu caso, complemento com oficinas para professores e público em geral e palestras com meu tema O Afeto e o Olhar na Educação e a Arte de Contar Histórias, além dos shows de contação para a criançada.

Dos grandes autores infantis - estrangeiros e nacionais - qual ou quais te influenciaram?
Marcante influência de Luiz Raul Machado, Ligia Bojunga, Fernando Sabino e principalmente , Orígenes Lessa, fonte mais límpida de minha inspiração e que até foi o responsável pelo fato de eu ser nome de rua na cidade natal dele, Lençóis Paulista, em São Paulo, nossa amizade me rendeu um CEP, vê se pode?

Como você se sente atualmente,  após uma longa carreira batalhando nas palavras? Realizado? Ainda pretende seguir viagem com as crianças?
O grande retorno é oferecido pelas crianças, elas que não possuem máscaras, que se não gostaram de você dizem na cara. Ter o carinho delas, ouvir do coração delas a confissão aberta de que adorou seu livro, que adorou a contação, é um grande prêmio, é o que me dá densidade como ser humano. Uma vez cheguei em uma escola com Orígenes e estávamos enfrentando aquela fila de autógrafos quando bateu o sinal do recreio, o que fez com que uma criança ficasse desesperada. E lá do meio da fila ela pedia insistentemente, “autografa aqui!, autografa aqui!”. E quanto mais ela pedia mais o papel ficava amassado na mão dela. Até que quando chegou a vez dela, o papel tinha virado uma bolinha. Orígenes foi logo esticando uma outra folha lisa para a criança. Mas ela retrucou e me ordenou. – “Não, não, autografa aqui mesmo que depois eu passo a limpo". Essa não dá pra esquecer, a verdade da criança, que a gente vai virando adulto e a perdendo pelo caminho. Mas, felizmente, minha profissão não tem aposentadoria, quero escrever mais e mais, palestras e oficinas por aí afora e passar o resto da vida cercado de crianças e por elas acriançado, por elas abençoado.

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