Quando se assiste a uma apresentação em roda, a maioria pensa se tratar de uma dança, pelo fato de não haver o contato físico (algo presente em campeonatos, por exemplo). Mas a capoeira é um esporte, uma arte marcial, com características que vão muito além dos movimentos. Elementos como união, trabalho em grupo, defesa pessoal e a musicalidade estão presentes às aulas e apresentações. Um traço forte e belo da cultura brasileira, disseminado por praticantes e professores, a exemplo de Fernando Emmerick, o Mestre Garganta.
“A capoeira tira as pessoas do mundo da violência, das drogas. Ela é um dos principais esportes a fazer esse trabalho social no Brasil. Há muitos trabalhos gratuitos que tiram crianças das ruas, a exemplo de um realizado no Terra Nova, aqui em Nova Friburgo. A capoeira abre portas para muita gente, inclusive fora do país. Quando um professor ensina capoeira em outra nação, eles aprendem o português, a nossa cultura. Em outra arte, é diferente”, pontua.
O primeiro contato de Garganta com a capoeira aconteceu em 1994, no Sesi de Nova Friburgo, na Vila Amélia, praticamente por um acaso. O então menino, que iria fazer um teste para jogar futebol no Fluminense, do Rio de Janeiro, aprontou e como castigo foi impedido pela mãe. Mas nada na vida acontece sem explicações. Após perder a oportunidade e desanimar da possibilidade de seguir carreira, assistiu a uma aula de capoeira no Sesi e se interessou por aquele esporte.
“A intenção inicial era apenas praticar esporte. Sempre joguei futebol, vôlei, basquete, ciclismo e outras modalidades. Foram dez anos praticando e treinando capoeira com o meu professor, quando ele decidiu parar e trocar de grupo. Então, procurei outro grupo na cidade, me tornei instrutor e depois professor”, conta.
O caminho até se tornar um mestre é longo, e exige inúmeros cursos, tais como primeiros socorros, defesa pessoal, cultura e outros específicos sobre a técnica da capoeira. Além disso, dificilmente se atinge essa graduação antes dos 35 anos de idade e outros 26 a 27 anos de prática.
“A capoeira vai muito além do que as pessoas costumam ver numa roda. Ela me levou, por exemplo, para fora do país por alguns anos, até eu me tornar mestre. E a gente vê em outros lugares uma vontade maior de aprender sobre a capoeira. Eles estudam mais a história, a cultura e conhecem mais do que o próprio brasileiro. Ainda se confunde muito com religião, e não tem nada a ver. É uma cultura, uma arte marcial que os escravos inventaram para se libertar. Na época se cantava o candomblé porque os praticantes eram devotos. Hoje em dia é diferente, percebe-se isso em cada música”, explica.
O lamento de mestre Garganta tem fundamento, e no caso específico dele, consequências. Após algumas viagens de ida e volta para a África do Sul, desde 2013, onde inclusive conheceu sua esposa, a próxima visita ao país africano, em dezembro deste ano, será definitiva.
“Infelizmente, a capoeira tem mais valor fora do Brasil. É difícil uma academia que abra as portas para esse esporte. Acho que todo brasileiro, independente de idade, deveria praticar um dia. Qualquer pessoa pode fazer. Por conta dessa desvalorização, vou em definitivo para a África do Sul. Fora do país, o aluno se dedica de verdade, quer aprender, dificilmente falta a uma aula. A valorização do mestre é muito diferente também.”
O Berimbau Serrano
Em meados de 2015, já devidamente graduado, Garganta fundou a própria Associação de Capoeira, a Berimbau Serrano. Há cinco anos, as aulas acontecem às terças e quintas-feiras na Academia Submerso, em Olaria. Há 15 alunos cadastrados, mas com a sua iminente mudança de país e compromissos particulares de alguns deles, apenas seis têm frequentado de forma regular.
Dentre as atividades mais marcantes do grupo está a Roda de Capoeira “Bom Pra Cachorro”. O evento acontece uma vez por ano, com o objetivo de arrecadar ração e doá-la para os abrigos que acolhem os animais de rua. O projeto foi idealizado por Andréa Peixoto, a instrutora “Cansada”, esposa de mestre Garganta, e desenvolvido através do hábito sul-africano de ajudar as pessoas (Andréa realizava trabalhos semelhantes na África do Sul).
“Fizemos uma primeira roda e o projeto só foi crescendo, em parceira com a ONG Bom Pra Cachorro. Na primeira roda arrecadamos 700 kg de ração, na segunda foram 800 e chegamos até uma tonelada e meia. É complicado, pois tiro do meu bolso, corro atrás de patrocínios e esbarro na burocracia por parte do município. Já até me cobraram para fazer o evento, e tive que “brigar” para conseguir não pagar”, conta.
Além dos ensinamentos aos alunos, Garganta também vai deixar o projeto para ser desenvolvido por outro grupo de capoeira. E assim esse pedaço da cultura brasileira se perpetua, cumpre as missões esportiva e social e cruza fronteiras mundo afora.
Deixe o seu comentário