Aleksander Laks: o testemunho e a missão

terça-feira, 31 de março de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Aleksander Laks, sobreviente do holocausto, esteve em Nova Friburgo (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)
Aleksander Laks, sobreviente do holocausto, esteve em Nova Friburgo (Lúcio Cesar Pereira/A Voz da Serra)

Tão importante quanto transmitir às próximas gerações o conhecimento a respeito dos horrores cometidos pela humanidade, é fazer isso com responsabilidade e cuidado. Afinal, informações superficiais ou não devidamente enfáticas podem funcionar como um tiro que sai pela culatra, gerando simpatias mal-informadas ou, tão perigoso quanto, a impressão de que os episódios narrados podem não ter sido tão graves assim.

Da mesma forma, há que se ter cuidado com a conveniente, maniqueísta e ilusória interpretação histórica segundo a qual os personagens do passado seriam pessoas essencialmente más, em contraste com as boas almas de nosso tempo. Nada poderia ser mais perigoso do que fechar os olhos à desagradável consciência de que somos iguais em essência, e que apenas a vacina do conhecimento é capaz de impedir que reedições dos mesmos erros sejam novamente cometidas, gerando os mesmos frutos de sempre. Que ninguém duvide: as ideias que eram tão sedutoras e contagiosas no passado continuam a ser igualmente sedutoras e contagiosas hoje em dia.

Considerando tais pressupostos, a oportunidade de ouvir o testemunho de alguém como o Sr. Aleksander Laks (foto) — sobrevivente do Holocausto que na semana passada fez diversas palestras em sua terceira visita a Nova Friburgo — pode e deve ser encarada como um privilégio de primeira grandeza. Proferidas em tom de voz pacífico e sereno, ainda que incisivo e convicto, suas palavras são tão tocantes quanto podem palavras ser tocantes. O resumo brutal e sem qualquer anestesia de mais de seis anos suportando e testemunhando sofrimento infinito desafia a capacidade de crença e compreensão do ouvinte, tamanha a intensidade e as implicações dos episódios relembrados.

Não há, de forma racional, qualquer possibilidade de expressar a extensão do crescimento proporcionado pelo acesso precioso a lições aprendidas a custa de milhões de vidas inocentes. Felizmente todo este tesouro já foi devidamente registrado em livros e vídeos, alguns dos quais disponíveis no YouTube e fortemente recomendáveis.

Impossível ser a mesma pessoa depois de ser golpeado pela força dessas histórias. Impraticável, por exemplo, jogar comida fora depois de tangenciar o horror da fome absoluta, seis anos sobrevivendo a uma dieta de não mais do que 200 calorias por dia. Impossível não valorizar a liberdade, impossível não aproveitar cada dia, cada hora ao lado de amigos, parentes ou pessoas queridas.

Há que se observar, contudo, que ter contato com o calvário dos perseguidos pelo nazifascismo, através do relato do Sr. Laks, não significa apenas ser apresentado à História, mas também fazer parte importante dela. Cada pessoa alcançada por sua voz torna-se agente do cumprimento da promessa feita a seu próprio pai, setenta anos atrás, nos capítulos finais da macabra "Marcha da Morte”, quando a finitude da vida tornou-se sensível demais. Naquela ocasião, seu genitor proferiu as palavras que acabariam por pautar toda a vida do senhor Aleksander. "Meu filho, a guerra está próxima do fim. Se você conseguir sobreviver, prometa-me que nunca irá deixar que o mundo se esqueça do que aconteceu aqui. Nunca deixe que as pessoas se esqueçam do quanto podem descer no trato umas com as outras.”

Não restam dúvidas de que, se tivesse meios para isso, a voz do Sr. Aleksander cumpriria eternamente a promessa feita ao pai. Infelizmente, no entanto, nem mesmo um sobrevivente como ele pode driblar a única certeza eternamente. Hoje em dia já são poucas as testemunhas oculares do terror vivido em guetos e campos de concentração, e o mais provável é que esta seja a última geração a ter contato direto com tais personagens. A partir daqui, mais do que nunca, a responsabilidade passa às mãos dos elos seguintes da corrente.

Pessoas que não viveram o horror, que não viram a guerra, que nunca desejaram comer os próprios dedos para saciarem a fome indescritível, têm agora a missão de transmitir tais conhecimentos e sensações às gerações futuras. E já estão atrasadas nessa missão. Aqui mesmo, em Nova Friburgo, não eram poucos os jovens cochichando durante a apresentação, alheios à magnitude do tesouro que lhes era apresentado gratuitamente. Adolescentes desinformados, capazes de rir de banalidades enquanto um sobrevivente de Auschwitz descrevia a sensação de descrença diante dos horrores que viu e sofreu no pior ambiente já idealizado pela mente humana, ou os esforços de professores e alunos da época para manterem viva uma cultura em meio a um processo formal de extermínio. Futuros adultos que, se não forem instruídos rapidamente, em breve não perceberão a importância de transmitir os mesmos conhecimentos a seus filhos e netos. E é por eles, nossos descendentes, que a preservação de tais lições é tão importante. Aqui e agora já há muito que ser feito.

Vivemos, felizmente, dias de anseios por tolerância, mas a palestra do Sr. Laks deixa clara a armadilha de exigir tal virtude por vias intolerantes. Não cabem estereótipos, preconceitos ou qualquer forma de coação, ainda que os objetivos sejam considerados "politicamente corretos”. Tolerância, mais do que qualquer outro valor, deve ser cultivada com exemplo, informação e paciência. E, a esse respeito, nada melhor do que guardar a iluminada definição apresentada pelo próprio Sr. Laks.

"Só existe uma raça: a humana. E a beleza dessa raça está justamente em sua diversidade.”

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