Ainda meninas e agora mães

segunda-feira, 09 de janeiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra
Ainda meninas e agora mães
Ainda meninas e agora mães

Dalva Ventura

Na sala de espera da maternidade uma menina de olhos claros e barrigão de nove meses aguarda para fazer uma ultrassonografia. Puxo assunto e fico sabendo que está na segunda gravidez, sem contar um aborto que sofreu há dois anos. Sua idade? 17 anos. Pergunto se os filhos foram desejados e ela confirma. Conversa vai, conversa vem e ela admite que não desejava, mas aconteceu. “Descuidei, mas se eu pudesse voltar atrás eu teria de novo”, diz. “Filho é bom”, acrescenta.

M.D. me diz também que seu companheiro foi trabalhar como caminhoneiro depois que ela engravidou e apesar de estar com ele até hoje, não conta com ninguém para ajudá-la. Seu semblante é triste embora afirme estar feliz com a chegada do novo bebê. Chega sua vez de ser examinada pelo doutor Antônio Sérgio Terra, responsável pelo atendimento de gestantes de alto risco do Hospital Maternidade de Nova Friburgo. Para quem não sabe, convém esclarecer que a gravidez de adolescentes é considerada de altíssimo risco, tanto para a mãe como para o bebê.

Sou recebida por ele, em seguida. E logo no começo da entrevista o médico confirma o que eu já havia percebido. “A história destas meninas é muito semelhante. A maioria tem um histórico de vida conturbado, um relacionamento familiar conflituoso, com ausência da figura paterna, dificuldades financeiras, problemas de alcoolismo e violência”, diz.

O doutor Antônio Sérgio conta que o perfil das adolescentes que engravidam vem mudando muito e hoje em dia, a realidade é conflituosa e muito diferente de tempos atrás, sobretudo na classe de menor poder aquisitivo. “O que eu observo aqui é que com 13, 14 anos, as meninas desejam juntar e ter filhos, porque esta é a única perspectiva de realização que elas vislumbram”, adianta o médico.

Sim, estas mesmas meninas preferem sair de casa e juntar com o primeiro namorico ou mesmo um “ficante”. E nada melhor para resolver isso do que um filho. Claro que esta decisão não é consciente ou planejada, mas explica muita coisa. A maioria para de estudar, o pai da criança muitas vezes desaparece e a família nem sempre acolhe a filha com um bebê a tiracolo. Enfim, esta adolescente geralmente acaba sozinha com uma criança para cuidar. Mesmo assim, ela se sente melhor do que antes do nascimento do filho.

Tem outro detalhe, acentua o médico. Durante a gravidez, toda mulher é bem acolhida, protegida, ganha outro status. Tem prioridade nas filas, lugar para sentar no ônibus, enfim, recebe uma atenção especial. Não sem razão, com 18, 19 anos, elas já estão no segundo ou mesmo no terceiro filho. Do mesmo pai ou, o que é mais comum, de novos relacionamentos.

Dificilmente, diz o médico, estes namoros sobrevivem ao nascimento do bebê. Muitos, aliás, terminam ainda durante a gravidez. O motivo da ruptura, geralmente, é a traição, claro. “As mulheres amadurecem muito mais rápido, principalmente quando se tornam mães. Já com os rapazes, o processo é bem diferente. O que a gente observa aqui é que a maioria não acompanha as meninas, não. A mãe é que costuma vir, quando vem”, diz o médico. Detalhe: muitas destas meninas repetem a história desta mãe, que também engravidou cedo. “A gente vê muito aqui senhoras de pouco mais de 30 anos acompanhando as filhas de 15 anos que, assim como ela, engravidaram cedo”, conta.

E no consultório familiar, a realidade muda? Com certeza. Para começo de conversa, a incidência é muito menor. Passado o susto inicial, a família “se desmancha” e toma conta mesmo, capricha no enxoval, acompanha de perto o pré-natal e o novo bebê é recebido com toda honra a que faz jus.

Realidade, felizmente, vem mudando para melhor

Na década de 70, as brasileiras tinham, em média, de cinco a seis filhos. Hoje este índice baixou para 1,9. Esta realidade se reflete na quantidade de adolescentes grávidas. Basta dizer que nos últimos cinco anos, houve uma redução de 22,4 % no número de partos de meninas de 10 a 19 anos feitos pelo SUS.

Mas ainda não temos motivos para comemorar. Mesmo com essa queda, o índice continua alto demais. Basta dizer que em 2010 houve mais de 400 mil partos de crianças e adolescentes em todo o país só na rede pública.

Segundo o doutor Antonio Sérgio Terra, aqui em Nova Friburgo a média de idade de adolescentes que engravidam é 16 anos. No Hospital Maternidade, cerca de 150 menores são internadas por mês, para dar à luz. Um número, convenhamos, ainda muito expressivo e que, segundo ele, precisa diminuir. “A gravidez precoce é uma das ocorrências mais preocupantes relacionadas à sexualidade da adolescência e que pode ter sérias consequências, complicações da gravidez e problemas de parto”, diz.

Ele ressalta a alta incidência de hipertensão que pode resultar em eclâmpsia e pré-eclâmpsia, anemia, entre outros problemas, com riscos para a mãe e o feto. “A verdade é uma só. Dependendo da idade, o organismo ainda não está totalmente preparado para a maternidade”, destaca.

Uma gravidez conturbada mas com final feliz

Mãe aos 17 anos. Uma gestação não programada e uma vida completamente diferente depois do nascimento do bebê. Emilly Krüger não contou com o apoio do pai de seu filho, mas em compensação, teve todo o suporte de sua família. Com isso, está feliz e conseguindo tocar sua vida numa boa. “A melhor parte é o meu filho. Ele é indefinível. Um anjo, talvez. O Caio veio ao mundo para ser meu companheiro, meu amigo, minha base, minha fonte de energia. Deus sabe o que faz e que presentão ele me deu!”

Emilly namorava o pai de seu filho há quase dois meses quando teve sua primeira relação sexual e, “por azar ou muita sorte”, engravidou. De cara. Sim, o rapaz usou camisinha, mas só no final da relação. E garantiu que Emilly não precisava tomar a pílula do dia seguinte, pois era “quase estéril”. Duas semanas depois, Emilly começou a sentir os famosos enjoos de gravidez, o que, ingenuamente, atribuiu à pressão do vestibular. Até que um dia passou muito mal no colégio e acabou indo parar no hospital.

O diagnóstico foi rápido. Gravidez. Emilly só se lembra do “Ai, meu Deus!” dito por sua mãe em desespero. Ligou para o rapaz, que lhe disse coisas horríveis. Ela admite que pensou, sim, em abortar. “Eu era uma menina de 17 anos cursando o último ano do colégio, fazendo vestibular, programando sonhos que até então eram super alcançáveis, querendo curtir a suposta melhor etapa de minha vida e sem noção dos termos de responsabilidade e limite. O que eu ia fazer com um filho naquele momento?”, relembra.

Depois que conversou com o namorado, ficou um pouco mais calma. Ao contrário da maioria dos rapazes, ele não quis que a namorada tirasse o bebê e ela, felizmente, desistiu de tirar o bebê. Ela sabia que apesar dos pais terem outros planos para a sua vida, estariam a seu lado e segurariam a barra. Com três meses de gravidez, descobriu que estava sendo traída e o namoro acabou. Combinaram cuidar do bebê juntos. Mera ilusão.

“Que gravidez conturbada, meu Deus!”, conta. Com cinco meses de gravidez ela começou a ter contrações e teve que ficar de repouso. “Se o pai de meu filho me viu duas vezes com aquele barrigão foi muito, mas mesmo assim insisti para que ele assistisse o parto e estivesse comigo nesse momento tão importante”, conta. Caio nasceu um dia depois de seu aniversário e o rapaz veio conhecer o bebê no mesmo dia, junto com a mãe, a irmã e o pai. “Eu estava tão iludida, achava que a partir dali tudo seria diferente e iríamos nos entender”, afirma.

No começo, o rapaz até tentou participar um pouco, depois, como ela diz, “tudo desandou definitivamente”. Emilly garante ter tentado, por diversas vezes, ter uma relação amigável com ele e os avós. “Fiz a minha parte, mas quando o outro lado não quer, não adianta”, afirma.

Só depois de muito tempo e graças à ajuda da família, ela decidiu viver de novo a sua vida. Inscreveu-se no vestibular da UFF e começou a estudar em casa à noite e no intervalo das mamadas. “Surpreendi, aprendi e amadureci!”, diz. Emilly afirma que sempre criticou as meninas novinhas que engravidam cedo e sua opinião não mudou. “Acho falta de responsabilidade e de maturidade, pois temos muitas informações o tempo todo e a todo instante. Mas o principal é admitir. Engravidou? Agora assuma as consequências”, afirma.

Ela acha que filhos não atrapalham em nada, pelo contrário, eles “somam, acrescentam e nos ensinam, mesmo sem saberem de nada”. Ela reconhece que sua história não reflete a realidade, pois diferentemente da maioria das meninas na sua idade, pôde contar com uma boa estrutura montada por seus pais. Apesar de morar sozinha com o filho, de dois anos, está fazendo faculdade e trabalhando. “Vamos lá, é tenso”, admite.

Emilly diz que se inspira na mãe para ter força, coragem e levar sua vida com alegria. “Se eu aprendi com tudo isso? Muito mais do que aprender, eu evolui. Parece que passei para outro estágio de pensamento, de como lidar com os problemas e desafios. Parece que eu transcendi, pode?” (depoimento ao repórter Bruno Pedretti).

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