Adeus, Dirce

Morreu, na manhã desta quarta-feira, a artista plástica e escritora Dirce Montechiari
quarta-feira, 16 de novembro de 2016
por Ana Borges
Dirce Montechiari (Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)
Dirce Montechiari (Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)

Na última entrevista que concedeu ao jornal A VOZ DA SERRA, em março de 2015, a artista plástica, poeta, escritora e trovadora Dirce Montechiari estava de volta à ativa, aos 78 anos, depois de sobreviver a longos e dolorosos meses de tratamento de um câncer no pâncreas.

“Penso muito nas coisas que quero fazer, que, aliás, ainda não devia estar fazendo, mas faço (risos). Como pintar. Me canso com facilidade, mas não gosto de ficar parada. Se me sinto disposta, vou fazendo o que quero. Afinal, já faz um ano que terminei a quimioterapia. Mas a doença é monitorada, a cada três meses, e isso vai durar uns cinco anos, com prazos de revisão mais espaçados à medida que o tempo for passando. Aos pouquinhos vou voltando ao meu ritmo normal, me permitindo, por exemplo, dirigir, como sempre. Meus planos se limitam a viver cada dia, da melhor maneira possível. E está ótimo!”, revelou, na época.

Esse espinhoso caminho ela percorreu firme e confiante, não sem cambalear, vez em quando, como ela mesmo fez questão de ressalvar. Ao fim do período mais crítico, concluiu que o que a salvou, além da competência dos médicos, foi a sua inesgotável vontade viver. E Deus. Dirce adorava viver e se agarrou a essa paixão pela vida. Mesmo nos momentos mais difíceis, não desistiu. Quando um de seus médicos lhe comunicou que se tratava de uma guerra perdida, ela não pestanejou: “Vou vencer, vou viver!”. Foi além. Recuperou suas capacidades, tomou de volta as rédeas de sua vida. Com coragem e fé manteve unida, à sua volta, uma família que hoje, na quarta geração, já tem mais de nove bisnetos.

O câncer que acabou por vencê-la foi descoberto em 2012 e os médicos alertaram para a gravíssima situação. Ela reagiu: “Disse para mim mesma que ainda tinha muita coisa para fazer por aqui. Escolhi a vida e o prazer que sinto em viver me fortaleceu. E aqui estou (disse, sorrindo, sempre).”Essa luta pela vida, durou um ano, entrando e saindo do Pró-Cardíaco (Rio), por sete vezes. Chegou a pesar 30 quilos. “Mesmo assim nunca pensei na morte. Um dia, um cirurgião foi me ver no CTI e disse “...não joga a toalha, não...”. E eu respondi, mesmo com dificuldade para falar: “Não vou jogar”. Em dois dias ela saiu do CTI.

Dirce acreditava em Deus e lhe agradava pensar que sobreviveu porque “Ele quis assim e também porque, graças à minha imensa vontade de continuar vivendo, eu venci mais essa batalha. Eu adoro a vida, a minha família, minhas filhas, netos e bisnetos, meu jardim, minha casa. É muita coisa boa à minha volta para olhar, sentir, apreciar. Ter tudo isso é um privilégio, um presente de Deus”.

Sobre suas preferências literárias, contou: “No momento estou relendo ‘Viva o povo brasileiro’, do João Ubaldo, um dos meus autores favoritos, assim, como o [Ariano] Suassuna. Aliás, que triste coincidência: ambos faleceram ano passado [no caso, 2014], com apenas uma semana de diferença. Tem o Zuenir [Ventura], outro escritor admirável, que, por outra coincidência ou não, vai ocupar a cadeira do Ariano, na Academia Brasileira de Letras. Jorge Amado..., enfim, a literatura brasileira tem grandes escritores. Eu gosto de histórias consistentes, que me envolvam. Dos novos autores que conheci, nenhum me conquistou. Agora, mestre é Machado de Assis. Tenho toda a obra dele e inclusive ganhei um prêmio de uma revista literária para a qual fiz uma pesquisa bem aprofundada sobre ele. Foi algo que me deixou muito orgulhosa”.

Essa criatura de múltiplos talentos, como pessoa e artista, emanava felicidade, prazer. Como conseguia? Antes de mais nada, ela era grata à vida. Não se permitia viver alienada, mas não se deixava abater pela violência que domina o mundo. “Eu me alimento da beleza que vejo nas coisas que me cercam. Se a gente prestar atenção em pequenos detalhes, vamos extrair felicidade desses detalhes. Nas coisas do dia a dia, a gente vai encontrando motivo para viver bem. Eu sorrio com facilidade, procuro ser atenciosa, gentil, me faz bem estar assim, sou assim. A vida passa rápido, então cada momento é importante. Olha, não é difícil ser feliz, viu?”

E assim partiu Dirce Montechiari, na paz de Deus, na manhã desta quarta-feira, 16, em Nova Friburgo. Foi ser feliz e levar felicidade em outra dimensão. Seu corpo foi velado e sua memória reverenciada pela família e por centenas de amigos e admiradores, no Memorial SAF, e sepultado às 16h no Cemitério São João Batista. À família enlutada, direção e equipe de A VOZ DA SERRA enviam os votos de profundo pesar.

Sobre Dirce Montechiari

Dirce Montechiari era integrante da Academia Friburguense de Letras e da União Brasileira dos Trovadores (UBT) e professora do ensino fundamental. Fez cursos de atualização na Universidade Estácio de Sá e na Faculdade de Filosofia Santa Doroteia.

Como artista plástica, recebeu inúmeros prêmios em exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior; da mesma forma, como autora de trovas, contos, poesias e sonetos. Alguns destes trabalhos foram publicados na Revista Brasília (Ed. Guemanise, em 2007 e 2008). Entre suas obras estão “Machado de Assis em Nova Friburgo”, “Vida de Euclides da Cunha”, “Poesias e Antologias: Elos & Anelos” e “Garimpo de Palavras: Contos, Poesia e Literatura”.

Em 2015, a artista foi incluída na 15ª edição da Enciclopédia da Literatura Brasileira Contemporânea, cuja publicação tem a finalidade de divulgar um cadastro de talentos das letras no país, que com seus textos, poemas e discursos contribuem para a construção de uma identidade cultural genuinamente brasileira.

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