Há exatos 30 anos, em 1984, o Pico do Caledônia era palco de mais um acidente aéreo. O avião que partira do Rio de Janeiro com destino a Salvador-BA, levando o zagueiro do Flamengo, Cláudio Figueiredo Diz, a modelo Viviane Ramos, Nilton Gomes de Oliveira — irmão do ex-jogador e atual deputado estadual Bebeto — e o piloto Moacir da Costa Gomes Neto, chocou-se frontalmente com a montanha, sem deixar sobreviventes.
Segundo reportagens publicadas na época pelos jornais A VOZ DA SERRA e Folha de São Paulo, naquele dia 20 de dezembro o avião monomotor Corisco, prefixo PT-NJS-193, da Embraer, faria a primeira escala em Vitória, no Espírito Santo, mas colidiu com o Pico do Caledônia (2.257 metros) e só foi localizado na tarde do dia seguinte, 21, entre duas rochas no cume da montanha, por um helicóptero do Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (Para-sar), bem próximo ao local onde em 1964 outro avião havia colidido, matando 39 pessoas. Ainda de acordo com reportagens da época, lavradores da região teriam avistado passageiros do avião acenando pelas janelas no momento da queda, possivelmente clamando por socorro.
Tão logo se teve notícia de que o avião havia sido localizado, os bombeiros começaram a tentar atingir o topo do Caledônia. A subida não foi nem um pouco fácil. A primeira parada aconteceu na noite daquela sexta-feira, quando a equipe considerou impossível naquele momento escalar os últimos 200 metros da rocha. A continuação do resgate deu-se no sábado, 22. O dia iniciou, mais uma vez, trazendo grandes dificuldades em relação ao clima, com muita neblina e chuva. Dessa vez, no entanto, os militares conseguiram avançar mais 185 metros. Nesse ponto já foi possível ter a certeza de que ninguém havia sobrevivido à queda — os bombeiros puderam ver a frente da aeronave toda destruída e acreditaram que a maior possibilidade era de as vítimas terem sofrido morte instantânea.
No domingo, 23, dia em que Figueiredo completaria 24 anos, o 6º Grupamento de Bombeiro de Nova Friburgo chegou, finalmente, ao avião. Após quase três dias de buscas em condições climáticas ruins, aquele dia iniciou-se com tempo agradável, sem chuvas, neblinas ou ventos fortes, o que possibilitou que militares chegassem ao local do acidente — contando também com o auxílio de um helicóptero do Para-sar — por volta das 8h30. O resgate só foi concluído no fim da tarde, e ainda foi preciso enfrentar mais problemas em relação ao clima, além da grande descida até o pé do Caledônia.
O MOTIVO DA QUEDA
Houve muitas hipóteses sobre o motivo da queda do monomotor naquela noite de 20 de dezembro. Algumas diziam ser pela falta de prática do piloto Moacir da Costa Gomes Neto em conduzir um avião nas condições da serra; outras, por problemas na aeronave. Porém, na época, também foi divulgado que uma Carta Aeronáutica contendo a altitude errada do Caledônia poderia ter causado a tragédia.
Segundo reportagem de A VOZ DA SERRA publicada em 27 de dezembro de 1984, "a impressão da Carta Aeronáutica para a região sudeste do Brasil, editada pelo Ministro da Aeronáutica, talvez seja a causa do acidente com o Corisco, tendo em vista que nela consta que a altitude do Pico do Caledônia é de apenas 1.700 metros, quando na verdade ela está em cerca de 2.200 metros”.
A medida de 2.200 metros de altitude, na verdade, é arredondada. Na primeira medida, dizia-se se que a montanha tinha 2.219 metros. Hoje, em uma medição mais precisa, a altitude do Caledônia é confirmada como sendo de 2.257 metros.
O EMBRAER CORISCO
O avião que se chocou com o Caledônia foi um modelo Corisco, da Embraer, com o prefixo PT-NJS-193. Com 477 aviões produzidos entre os anos de 1975 e 1990, a empresa de aviação lançou dois modelos do Corisco: o tradicional e o Corisco II, também chamado Corisco Turbo. A aeronave tinha as dimensões de 8,23m de comprimento, 2,52m de altura e envergadura de 10,8m.
Lançado no dia 17 de junho de 1975, o modelo surgiu de uma parceria da Embraer com a internacional Piper Aircraft Corporation. Visando atingir novos mercados, a empresa nacional tinha o intuito de fabricar aviões leves, uma vez que havia grande procura por parte de empresas, para viagens executivas. Para criar seu próprio modelo, a Embraer levaria de três a cinco anos; portanto, para acelerar o processo, a companhia resolveu licenciar o avião da Piper.
Segundo dados da própria empresa, o motor utilizado pelo avião — Lycoming 200 HP — atingia a velocidade máxima de cruzeiro — velocidade em que uma aeronave tem a maior relação entre a sustentação (força que o mantém no ar) e o arrasto (força que a tração dos motores precisa vencer) — de, aproximadamente, 270 km/h, e seu alcance máximo era de 1.222 quilômetros. Em seu último ano de produção, 1990, foram feito somente quatro Coriscos.
PICO DO CALEDÔNIA – PALCO DE DIVERSOS ACIDENTES AÉREOS
O acidente que completa 30 anos neste sábado não foi o único ocorrido no Caledônia. Diversos desastres aéreos ocorreram no local, como o de 1964, que completou 50 anos em 2014 e foi tema de reportagem publicada em A VOZ DA SERRA em setembro. Entre os desastres conhecidos, também consta um ocorrido com um aparelho da Aviação Militar Americana, da marca Beechcraft, em que morreram os dois tripulantes do avião.
Outro acidente, cuja data não foi possível apurar, envolveu também um monomotor, mas teve final diferente do ocorrido em dezembro de 1984. Havia neste avião dois passageiros e o piloto. Em dado momento, foi necessária a realização de uma aterrissagem forçada e o piloto conseguiu, contrariando todas as probabilidades, pousar no Caledônia. Neste momento, todos dentro do avião estavam vivos. O piloto, dotado de habilidades em alpinismo, conseguiu ir buscar socorro, após fazer uma longa caminhada através de um rio. O tripulante conseguiu cumprir sua missão, porém uma passageira não resistiu aos ferimentos e faleceu.
Na edição do dia 27 de dezembro de 1984 de A VOZ DA SERRA, o Caledônia era caracterizado por estar "sempre envolto em neblina ou em nuvens, tornando a visibilidade precária”. Ainda sobre o assunto, a matéria afirmava que esse era o motivo do "perigo que ela representa para a navegação aérea, sem que o piloto tenha o mínimo de conhecimento das condições do local”.
CLÁUDIO FIGUEIREDO DIZ - ENTRE A SORTE E O AZARFigueiredo colecionou vários títulos em sua curta carreira. Porém, sua vida pessoal foi marcada por diversos momentos de azar. Nascido em São Paulo, no dia 23 de dezembro de 1960, Cláudio Figueiredo Diz iniciou no futebol na categoria dente de leite do Palmeiras, onde ficou até os 15 anos. Nessa idade, o zagueiro mudou-se para o Rio de Janeiro e entrou para o Flamengo, tendo sua estreia no ano de 1979, em uma partida contra o Botafogo.
Foi no rubro-negro que Cláudio teve os momentos altos de sua carreira. Com o clube, o jogador conquistou — em quatro anos — três taças Guanabara, um campeonato estadual, três brasileiros, além da taça Libertadores da América e um Mundial de Interclubes.
Em contraste a tantas vitórias, o número de contusões e lesões do jogador foi no mínimo equivalente. O zagueiro teve nesse período de quatro anos diversas contusões, fraturas e distensões, entre outros problemas, como um acidente automobilístico. Com tantas lesões, o jogador acabou ficando um bom tempo se alternando como titular e reserva. Em 1983, pouco depois que o então técnico Cláudio Garcia o elegeu titular absoluto da zaga, Figueiredo fraturou o pé, voltando para o banco.
Os problemas do zagueiro não pararam por aí. No ano seguinte, quando Zagalo tornou-se técnico do clube, Figueiredo fraturou o maxilar. Quando retornou, em sua reestreia, o azar atacou mais uma vez: o jogador levou um tombo sobre o braço e teve o pulso fraturado. Coincidência ou não, o Flamengo foi derrotado tanto na primeira como na última partida do jogador, perdendo para o Botafogo de 2 a 1 em 1980 e para o Fluminense também de 2 a 1 no dia 1º de dezembro de 1984, na despedida do jogador dos campos.
Seu sepultamento ocorreu no Cemitério de São João Batista — do Rio de Janeiro — no domingo, 23, na capela 7. Cerca de 100 torcedores do Flamengo acompanharam a cerimônia, junto de membros da diretoria do time e de seus companheiros de campo Zico, Andrade, Adílio, Cantarelli, Elder, Vitor e Tita. Junto ao choro dos amigos e parentes comovidos, o hino do Flamengo foi entoado por aqueles que acompanharam o enterro.
Outro fato curioso sobre Cláudio Figueiredo é que, apesar de ter o sobrenome do presidente militar João Batista Figueiredo, o jogador era padrinho da torcida Fla-diretas e tornou-se conhecido como o primeiro jogador de futebol a apoiar as Diretas Já, movimento político da década de 1980 que lutava por eleições presidenciais diretas no país.
OS OUTROS PASSAGEIROS
Um morador de Friburgo — que não quis se identificar — contou que, na metade da década de 1970, o piloto Moacir da Costa Gomes Neto — que morreu aos 26 anos — costumava vir à cidade no carnaval, e que eles desfilavam em um bloco onde Moacir tocava surdo. "Ele era uma pessoa muito alegre, vinha sempre aqui nessa época. Isso foi antes dele se tornar piloto, só um tempo depois que começou na carreira. Depois disso, a gente nunca mais se viu e só fui ter notícias dele quando faleceu”, relatou. O único tripulante do Corisco foi enterrado em São Paulo.
Pouco pôde ser descoberto sobre Viviane Ramos. Em alguns relatos, é dito que ela era modelo, amiga de Nilton e Figueiredo, e tinha 20 anos de idade. Outros se referem à mesma como esposa do piloto Moacir. Seu corpo foi sepultado em Teresópolis.
Nilton Gomes de Oliveira era irmão do ex-jogador e atual deputado estadual Bebeto, que, na época, era titular do Flamengo. Segundo reportagem publicada na revista Placar naqueles dias, o rapaz trabalhava como procurador e era grande amigo e conselheiro do irmão. A mesma matéria dizia que a perda foi um grande trauma na vida do jogador, que passou tempos difíceis com a morte do parente e, ainda hoje, recusa-se a falar sobre o caso. Um sonho de Nilton foi realizado postumamente, que era ter Bebeto escalado na seleção brasileira. O jogador entrou para o time em 1985 e foi tetracampeão no mundial de 1994. "Niltinho” — como era chamado — foi enterrado em Salvador, Bahia.
A COBERTURA DE A VOZ DA SERRA
Duas edições de A VOZ DA SERRA trataram do assunto naquele mês. No dia 22 de dezembro, sábado, a notícia era a manchete da edição. Na capa, a matéria trazia as primeiras informações sobre o acidente. Na edição seguinte, datada do dia 27 de dezembro, uma reportagem informava sobre os acontecimentos do dia. A autópsia dos corpos — feita em estado de emergência — foi realizada no dia 23, domingo. Segundo a matéria, por volta das 13h, uma multidão estava reunida do lado de fora do Cemitério São João Batista aguardando a chegada dos corpos, ainda com sentimento de descrença. Os boatos sobre o motivo do acidente que circulavam entre os populares era de que poderia ter sido culpa da inexperiência do piloto, por voar na serra com o tempo nublado e chuvoso, ou então defeitos nos instrumentos do avião.
A matéria também dizia que, às 14h daquele dia, uma viatura da prefeitura chegava trazendo os restos mortais dos acidentados. Quem compareceu ao reconhecimento dos corpos foi a família do piloto, da modelo Viviane Ramos, a família de Nilton e o diretor do Flamengo na época, Michel Assef. Um fato curioso apontado na notícia é de que a imprensa foi autorizada a entrar e ver os corpos e que a equipe de reportagem de A VOZ DA SERRA constatou que, entre as vítimas, estava o jogador Figueiredo.
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