Acidente de trabalho—prevenção

quarta-feira, 06 de junho de 2012
por Jornal A Voz da Serra

O início da segunda década do Século XXI revela no Brasil um quadro de irônica e lamentável contradição: por um lado, os promissores indicadores econômicos, com a constatação de que somos a sexta economia do planeta (atrás somente dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França), e por outro, os profundos problemas sociais.

É inegável o crescimento da economia, a ascendente produção e o aumento do consumo, fatores que acarretam a geração de novos empregos. Entretanto, as estatísticas mais recentes apontam que em nosso país ocorre a morte de cerca de 7 (sete) trabalhadores por dia, vitimados por acidentes de trabalho.

Relatório da OIT informa que ocorrem 270 milhões de acidentes de trabalho em todo o mundo, ocupando o Brasil o lamentável 4º lugar nesse ranking, com preocupantes 723 mil ocorrências, e um saldo de 2.496 óbitos, em 2009, perdendo apenas para a China, os Estados Unidos e a Rússia.

Atento a essa realidade, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), em ação conjunta, lançaram-no ano de 2011, o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, que conta com a parceria de entidades públicas e privadas, com vistas à formulação e execução de programas e ações nacionais voltadas à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalho.

O principal objetivo do programa é reverter o cenário de crescimento do número de acidentes de trabalho presenciado no Brasil nos últimos anos. É o novo e necessário olhar da Justiça do Trabalho sobre um tema que, tristemente, comparece nas ações processadas e julgadas nesta esfera, com maior expressão desde quando foi consolidada a competência material, com o advento da Emenda Constitucional 45/04.

Os conflitos normalmente chegam à Justiça quando não é mais possível reverter o quadro fático, pois o trabalhador já teve ceifada sua vida, sua saúde, sua capacidade laborativa ou sua integridade física, psicológica e moral.

Mesmo que haja a condenação pecuniária indenizatória, essa não restitui o bem jurídico maior que foi cruel e irreversivelmente subtraído. Não raro esses valores deixam de ser pagos, o que se constitui em dupla penalização ao trabalhador. Só restam os danos e prejuízos de toda ordem, causados e não reparados ao cidadão trabalhador.

E o sofrimento não é exclusivamente do trabalhador e dos que com ele convivem. O acidente de trabalho onera o Estado, que normalmente arcará com benefícios previdenciários, muitas vezes até o final da vida daquele indivíduo, ou o sistema de saúde pública, abarrotado com filas intercaladas de doentes e acidentados.

Por sua vez, o Judiciário se vê assoberbado com amontoados de ações reparatórias.

Também o empresário é abalado economicamente, não somente com as despesas para tratamento ou, quem sabe, de sepultamento, mas também com as inúmeras reparações pecuniárias em prol da vítima ou seus sucessores.

E mais ainda: com a desagregação do ambiente de produção, a substituição do acidentado por um outro empregado destreinado aumenta o risco de repetição do evento danoso, com notório prejuízo material no próprio ambiente laborativo, seja por danos físicos ao patrimônio da empresa, seja por danos à sua imagem.

Há também os reflexos indiretos do desequilíbrio experimentado pelo conjunto de elementos que dependem do empreendimento: os demais empregados, fornecedores, clientes, um município ou uma região econômica inteira, dependendo da relevância daquela atividade, reproduzindo o impacto indesejado na sociedade.

Tais circunstâncias vêm sendo hodiernamente refletidas, debatidas e combatidas. É o pensamento contemporâneo de responsabilidade social, reafirmando ideais de cidadania e justiça, momento em que se percebe que as mazelas sociais são reflexos das ações ou omissões de todos.

Em sintonia com essa realidade, entendo que é papel do Juiz do Trabalho buscar sempre o indispensável e cotidiano exercício do seu relevante papel de agente de transformação social, incrementando ações não apenas repressivas e reparadoras dos danos causados pelos acidentes de trabalho, mas principalmente com medidas preventivas deles.

Essencial, assim, somar esforços com órgãos de fiscalização e autoridades que manejam o assunto, Sindicatos e empresas, formando um imenso grupo de trabalho, para que todos possam compartilhar vivências, conhecimento e ações, incentivando e colaborando com a instituição de políticas públicas e programas de ocupação, conscientização e informação.

A expectativa é de que o conhecimento e a experiência de todos os envolvidos possam contribuir para a formação e disseminação de uma cultura prevencionista, auxiliando no rompimento de conceitos ultrapassados de eficiência, do ponto de vista socioeconômico, estimulando uma gestão voltada à preocupação com homens e mulheres, não apenas como mera força de trabalho, mas como destinatários da cidadania.

 A estratégia é de aproximação do grupo de trabalho do cidadão, visitando ambientes físicos laborais, para que ouçam e falem com o trabalhador e com o empresário, seja para conhecer as experiências bem-sucedidas em matéria de segurança e saúde no trabalho, quiçá! apoiar o aperfeiçoamento ou a elaboração de novas medidas para levá-las até aqueles ambientes que ainda não avançaram neste campo.

Importante também que essa verdadeira “força-tarefa” se faça presente nas escolas, em todos os níveis, contribuindo para a formação e educação de crianças, jovens e adultos, futuros trabalhadores, empresários e autoridades.

A troca é válida oportunidade de aprender e ensinar, incrementando a percepção do Magistrado para o momento de julgar, aliado ao ganho social com a movimentação de boas práticas na área de prevenção e o resultado final de diminuição de demandas.

É a era do empreendedorismo social.

A Justiça do Trabalho deu os primeiros passos, ao concentrar esforços na busca de uma solução compartilhada e criativa para o problema ambiental do trabalho, se lançando à procura das causas, fixando diretrizes e impulsionando as primeiras ações.

Acredito, sinceramente, que com planejamento, continuidade, acompanhamento, metas e organização, será possível que estas atitudes coletivas possam consolidar-se como uma forte influência para uma mudança comportamental no processo produtivo.

Chegará o tempo em que a solidariedade, o respeito mútuo e o envolvimento de todos tornará possível a aproximação ao ideal de uma sociedade mais justa e perfeita, equilibrada e sustentável, reafirmando os fundamentos constitucionais pétreos de cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Derly Mauro Cavalcante da Silva

Juiz de Trabalho da 2ª VT de Nova Friburgo

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