Vinicius Gastin
Quando a Imperatriz de Olaria entra na Avenida Alberto Braune, os 1.600 componentes da escola representam um terço da população friburguense que torce pela agremiação. Há 14 anos, a responsabilidade de conduzir o samba-enredo da vermelho e branco é de Carlos Figueira de Souza Silva, o Kaisso. O apelido de infância se transformou em nome artístico e é a marca registrada de uma voz poderosa e conhecida nos carnavais friburguense e carioca. "Ninguém encontra mais o Carlos Figueira, apenas o Kaisso”, brinca.
Aos 43 anos, o intérprete divide o tempo entre o samba e o emprego de gerente em um restaurante no centro de Nova Friburgo. Natural de Macuco, ele conheceu a cidade exatamente através da música, quando reunia os amigos para a tradicional roda de samba aos finais de semana, no grupo Senzala. "Viver da música ainda é um sonho. Durante o dia, os afazeres do restaurante; à noite, tem a correria do samba. É uma responsabilidade grande, a cobrança vem dos dois lados. Sem contar a cobrança própria, por querer fazer bem feito.”
De fato, a rotina não é fácil. Aos domingos, por exemplo, Kaisso ensaia na Imperatriz de Olaria, pega a estrada em direção à Porto da Pedra e termina a noite na Imperatriz Leopoldinense. "Financeiramente não compensa, mas é assim que nos empregamos para o ano seguinte. O dinheiro rola nas disputas do samba, e temos que participar do carnaval para sermos lembrados”, conta.
No entanto, é na escola de samba de Olaria que o intérprete sente-se realizado, como revela em entrevista exclusiva ao A VOZ DA SERRA.
A VOZ DA SERRA: Quando surgiu o carnaval na vida do Kaisso?
KAISSO: O carnaval começou bem depois da música, que já veio tardia na minha vida. Gostaria até que tivesse começado bem antes, pois eu teria outra cabeça e acreditaria mais na música. Tudo começou em Nova Friburgo, no ano 2000. Em Macuco, eu cantei em um bloco no meu bairro, por um ou dois anos, e migrei para o pagode. Comecei a tocar no Serra Samba e o Dominguinhos me incentivou bastante. Agradeço muito a ele. Cantei primeiramente no Prado, e logo depois eu vim para a minha segunda casa, que é a Imperatriz de Olaria. Teve um ano que a Imperatriz Leopoldinense desfilava no mesmo dia. Chorei muito na estrada e quase voltei.
Como é representar uma comunidade de 60 mil pessoas na avenida?
Eu deixo pra pensar depois. A responsabilidade aumenta e se eu não esquecer por um momento, não vou conseguir desempenhar o meu papel. São muitas vozes querendo estar ali na avenida, representando o bairro. Se eu parar pra pensar que estou representando 60 mil pessoas, o desempenho fica comprometido.
Existem sambas mais fáceis ou difíceis de cantar?
Não existe mais fácil ou mais difícil. Acho que existe o samba bem e mal trabalhado. Quando você pega o samba no início, existem aqueles que caem no gosto logo na segunda vez, penetram. São raros. Outros, a gente aprende a gostar, respira o samba e consegue fazer o melhor.
O desse ano da Imperatriz de Olaria... em qual caso se encaixa?
Foi amor à primeira vista. Esse samba é maravilhoso e gostei logo de cara. Depois ainda tive a participação e orientação do Wander Pires, que fez algumas modificações, me ligou pra saber como tinha ficado e tudo mais. Trocamos informações e num desses encontros na Imperatriz Leopoldinense, nós conversamos, trocamos umas ideias e chegamos a esse produto final. Acho que a comunidade está muito feliz e tem funcionado na quadra.
O desempenho do intérprete influencia no andamento do desfile?
O samba tem muito disso, sim. A condução da música faz com que fique mais fácil a adaptação da comunidade e dos segmentos da escola. Se o intérprete está bem, ele vai transpirar o samba e quem está ao redor vai assimilar a mensagem. Consequentemente, o desfile será maravilhoso, pois todos estarão na mesma harmonia e no desejo de fazer o samba acontecer. Tudo isso começa com o cantor, que precisa transbordar essa alegria.
O que falta, na sua visão, para a Imperatriz quebrar o jejum de títulos?
São vários detalhes. Não podemos dizer que são pequenas coisas, elas são um pouco complicadas. É difícil entrar nesse mérito, mas a Imperatriz está no caminho certo. Nos ensaios, a gente sente a vibração, sente que todo mundo está querendo. O que vai dar no desfile ou na apuração não vai interessar muito. A escola está mais forte, mais coesa e quer fazer um bom desfile. A gente pode transformar essa energia positiva da quadra em campeonato. Mas se não der, a alegria vai permanecer. Às vezes, o título vai para outra agremiação e a felicidade não é completa.
Essa questão de ter uma disputa por título interfere no verdadeiro espírito do carnaval?
Tira alguns focos sim, porque as pessoas passam por cima de algumas coisas. As agremiações deixam de lado setores e pessoas importantes, que precisam ser respeitadas dentro da escola.
Muita gente mostra preocupação com o futuro da folia na cidade. Você pensa que o poder público deve olhar com mais atenção para o carnaval?
Com certeza merece uma atenção maior. Não tenho nada contra os políticos, tenho amigos que estão nessa função. Mas deveria existir mais respeito. Em primeiro lugar, o carnaval é cultura. É o momento em que conseguimos reunir pessoas com boas ideias, renomadas ou não, de várias classes, cores e que querem fazer coisas positivas. O que nós temos de subvenção é muito pouco, e mesmo assim, o carnaval de Nova Friburgo é o melhor da região. Se o carnaval tivesse mais atenção, a qualidade aumentaria, os turistas viriam mais e a cidade seria potencializada.
Além da Imperatriz de Olaria, você participa do carnaval do Rio de Janeiro. Quando e como começou a desfilar na Marquês de Sapucaí?
A primeira vez que cantei no Rio foi um samba de dois compositores de Nova Friburgo, o Jorginho e o Pavão. Este tem um irmão que faz samba para a Viradouro e então eles me convidaram. Fiquei nervoso, porque não tinha a experiência de hoje, mas fui bem. Não chegamos à final, mas passamos por várias eliminatórias. Fiquei mais uns dois ou três anos sem voltar à Viradouro, mas por intermédio do Jorge Baiano mandei um CD e ele me fez um convite para um teste. Eles gostaram e tudo começou, disputando samba na Viradouro, em 2002. Fui um dos cantores da escola em 2010 com o Wander Pires, mas antes desfilamos pela Mocidade Independente de Padre Miguel.
A nossa região é um celeiro de talentos...
Sem dúvida, existem muitos talentos. Mas é um trabalho árduo, não basta gostar. É preciso batalhar muito. Essa ida e volta ao Rio é muito cansativa. Não tem como ir, voltar e descansar. Nós temos outros trabalhos, e na maioria das vezes, o que se ganha não cobre nem os custos das viagens. Nesse momento, muitos desistem por não terem condições. É um investimento que grande parte das pessoas não pode fazer.
Em meio a essas dificuldades, qual seria o auge da carreira pra você, Kaisso, e para os intérpretes de uma forma geral?
O auge é fazer a felicidade de quem nos ouve cantar. Você observar a alegria de quem está ouvindo e a atenção que as pessoas prestam na mensagem. O olhar do folião é maravilhoso. E falando de Nova Friburgo, a maior realização é estar na Alberto Braune cantando pra aquele povão. No Rio, é estar na Marquês de Sapucaí. Não tem como explicar. Tem que estar lá pra sentir, e cada um descobrir por si mesmo o que é tudo aquilo.
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