Maurício Siaines
Jailton Barroso Eller é presidente do Conselho das Organizações de Agricultores Familiares de Nova Friburgo (Conrural), que agrega 32 associações. Tem se destacado, nos últimos anos, por sua atuação na região dos 5º e 7º distritos de Nova Friburgo e foi presidente da Associação de Moradores de São Pedro da Serra entre 2008 e 2010. Apresentou suas opiniões claras a respeito da agricultura e das questões sociais ligadas a ela em conversa com A VOZ DA SERRA, cujo resumo segue abaixo.
A VOZ DA SERRA – Qual a pauta principal tratada atualmente pelo Conrural?
Jailton Barroso Eller – Estamos pleiteando junto à Prefeitura a infraestrutura para as comunidades rurais. Fazendo parte dela as estradas vicinais para o escoamento da produção, a saúde pública e as escolas, que, em alguns lugares, estão em condições ruins.
AVS – E a segurança?
Jailton – Sempre participo do café da manhã comunitário com o comandante do batalhão da PM, que acontece sempre na última segunda-feira de cada mês, e lá expressamos as necessidades do interior, das comunidades mais afastadas.
AVS – Hoje existem conflitos entre agricultores e ambientalistas e existe também uma queda da produção agrícola por questões de preços de mercado. Qual dos dois problemas é mais grave na visão de vocês do Conrural, o preço do produto agrícola ou a atuação dos ambientalistas?
Jailton – Esses conflitos que existem entre agricultores e proprietários de terras em geral e órgãos ambientais vêm agravando os problemas da agricultura, principalmente aqui na região dos 5º e 7º distritos. Outras atividades, como o turismo e as confecções, também aparecem desviando as pessoas da agricultura. As dificuldades de transporte e o fato de se tratar de uma região muito montanhosa, em que é mais difícil trabalhar a terra, tornaram a agricultura menos rentável. O resultado é que, aqui na região, de acordo com levantamento que fizemos, apenas 30% das antigas famílias de agricultores ainda se dedicam a essa atividade. São todas famílias que se estruturaram dentro da agricultura e 70% delas mudaram de atividade. Os pequenos desistiram por diversas dificuldades e pela interpretação que é feita das leis ambientais.
AVS – O problema, então, não é só a questão ambiental.
Jailton – É todo um conjunto. Em torno do problema existem vários aspectos. Aqui em Lumiar e São Pedro, qualquer desses morros eram muito mais trabalhados há 20 anos do que agora. E produzia-se menos do que hoje. Hoje se produz muito mais em menos terras.
AVS – Hoje, então, o trabalho rende mais?
Jailton – Rende mais pelo uso de novas técnicas, como pequenos tratores.
AVS – Mas nem todos os agricultores têm acesso a essas novas tecnologias. Como acontece isto?
Jailton – Muitos dos pequenos agricultores não têm acesso por falta de conhecimento e por falta de estrutura financeira. Não quiseram investir, acostumaram-se à velha e boa enxada e aí ficaram para trás, com a maneira antiga de produzir. Alguns mantêm a cultura antiga apenas para subsistência. Muitas vezes são pessoas de mais idade, não são produtores que investem no mercado. Hoje, existe também, para os proprietários da região, o problema da habitação. É muito difícil construir uma casa porque existe todo um trâmite de legalização e é difícil fazer a ligação da energia elétrica, o que também é resultado da ação dos órgãos ambientais. Isto também dificulta a vida do povo da terra, fica mais difícil a fixação do homem à terra na região. Nossos filhos, hoje, vão estudar e migram para as cidades, em busca de melhorias.
AVS – Nessa área em que você está tocando, da educação, você acha que haveria algum trabalho que fosse mais adequado?
Jailton – Acho que em São Pedro e Lumiar, apesar de a região atrair muitos turistas pelas belezas naturais e pelo fato do povo mesmo ser aconchegante, a população é de origem rural, agrícola. Então, caberia muito bem, aqui, em nossas escolas estaduais e municipais, um incentivo aos nossos filhos e netos para permanecerem no campo. Seria bom mostrar aos membros das novas gerações que, a partir da experiência no campo que eles têm de família, eles podem se tornar engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas e evoluir dentro dessas profissões. Isto contribuiria para a fixação do homem ao campo. Isto seria uma das possibilidades de se manter o crescimento sustentável desta região e levaria o nosso povo a não emigrar e transformar a região em lugarejo de veraneio, de final de semana, mas um lugar que tem uma cultura e uma sustentabilidade. É preciso que as pessoas possam viver e se manter aqui. Uma escola técnica seria maravilhoso para a agricultura e para outras profissões também.
AVS – Técnicas relacionadas ao turismo também?
Jailton – Quando falei em outras profissões considerei o turismo. Técnicas de hotelaria, de trabalho em restaurantes, guias turísticos. Aqui em Lumiar e São Pedro já cabem cursos de línguas, para que nossos filhos não tenham que andar 40 quilômetros todo dia para estudar uma língua. Eu tenho uma filha que faz isto e é muito sacrificante. Isto porque aqui vem muita gente também de outros países, e esses cursos também contribuiriam para a sustentabilidade desta região. O povo daqui esteve isolado por cerca de 200 anos e ainda estamos isolados. E hoje eu vejo que foi um equívoco a criação de dois distritos. Se fosse um só, seria mais fácil promover a emancipação, que é algo que poderemos pensar para o futuro, porque temos a população de 12 mil pessoas nos dois distritos juntos e vamos ter dinheiro por causa de nossas águas. Mas isto é um assunto para o futuro.
AVS – Como seriam esses ganhos pelas águas?
Jailton – A Petrobras vai pagar por estas águas. Existe todo um trabalho feito que considera Benfica, São Pedro e Boa Esperança como os grandes produtores de águas da região. Aqui se produz água de qualidade para a Região dos Lagos. E acredito que nós tenhamos direito a royalties por essa água.
AVS – Para isto teria que haver a consciência da população da necessidade de proteger as águas.
Jailton – E esse trabalho de conscientização tem que se estender, levando os proprietários de terras onde existem nascentes a cuidarem delas, assim como os outros moradores a cuidarem de seus esgotos para não contaminar a água, para que os rios possam ter sempre águas de boa qualidade, para todos os usos.
AVS – Você está tocando em um problema que é mais amplo, que é o do uso da propriedade. A nossa Constituição diz que a propriedade tem que ter uma função social. O direito à propriedade não significa que se possa fazer qualquer coisa com ela, não pode fazer coisa que venham a prejudicar a coletividade. Como você vê esta questão?
Jailton – É preciso que se tenha consciência do uso que se faz da propriedade. Com a água deve ser assim, porque a água que se produz em meu sítio é consumida pelo meu vizinho rio abaixo. E este também tem a responsabilidade de manter a qualidade dessa água para o outro vizinho. Se todos cuidarem bem dessa água, vamos todos viver bem. Mas se eu maltratar a água, vou estar maltratando todas as famílias que moram abaixo. Então, eu não tenho direito de fazer qualquer coisa que eu quiser em minha propriedade. Eu interpreto assim a lei. Se eu souber praticar uma atividade sustentável, não estarei prejudicando ninguém, mas se eu achar que posso fazer o que eu quero em minha propriedade só porque ela é minha, vou ferir as demais pessoas da comunidade com meu egoísmo. Mas nós sempre fomos educados, desde nossos avós e bisavós, a cuidar de nossas nascentes.
AVS – Mas ainda se veem pessoas cuidando mal da água, jogando esgoto em rios.
Jailton – Ainda vemos isto acontecer por falta de conscientização.
AVS – E esta conscientização depende também de educação, de investir na educação. Você falou nos jovens serem guias turísticos...
Jailton – ...seria uma das possibilidades.
AVS – Os jovens também poderiam ser uma espécie de agentes culturais, que soubessem a história da localidade, conhecessem as histórias que o povo conta. Porque muito da história se perde porque aquilo que os idosos contam fica esquecido. Seria este tipo de educação outra coisa a se cuidar, não é?
Jailton – Eu valorizo muito isso. Venho de uma família tradicional. Meu bisavô chegou a São Pedro há muitos anos. Valorizo isto porque tenho um tio, que tem hoje 95 anos e conviveu com esse meu bisavô. Ele me passou toda essa história, tanto da minha família, quanto da localidade de São Pedro. Até temos um documentário feito com esse meu tio. Acho que nossas escolas deveriam se adaptar ao aproveitamento dessas memórias. Poderíamos levar as pessoas idosas, que têm histórias para contar, às escolas, para que elas as contassem aos alunos. Seria bom que a história local também fizesse parte do currículo escolar. Ajudaria a mantermos nossas raízes. O Robson Heringer, que foi meu antecessor na associação de moradores, escreveu um livro em que ele diz que precisamos conhecer nossas raízes para que saibamos de onde viemos, onde estamos e para onde iremos. Se não soubermos de onde viemos, com certeza não saberemos onde estamos, nem para onde vamos.
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