A vida humana como parte do ecossistema global: conversa com um estudioso da biologia

quinta-feira, 11 de novembro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines

Maycon Saviole da Costa, friburguense, nascido em 1982, é licenciado em ciências biológicas pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), atua como biólogo e educador ambiental nos programas de educação ambiental executados pela empresa Agrar Consultoria e Estudos Técnicos e como biólogo analista ambiental na empresa Rumo Ambiental Consultoria e Serviços Técnicos. Atualmente, faz o curso de pós-graduação em planejamento urbano ambiental na Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e presta serviços de consultoria para a Energisa Soluções S.A. É responsável pelos projetos ambientais do Portal PEGA+ e pelo Projeto Idea. É também técnico em eletrônica e informática. A VOZ DA SERRA esteve com ele em uma manhã de sábado, na Santa Dorotéia, e traz aqui alguns trechos da conversa a respeito de sua atuação profissional e sobre questões ambientais.

A VOZ DA SERRA – Em primeiro lugar, o que um profissional da área de biologia faz para uma empresa que lida com energia elétrica?

Maycon Saviole – No processo de construção de uma central hidrelétrica existem exigências legais na parte ambiental que a empresa deve atender, executando o que se chama de Programa Básico Ambiental, que inclui educação ambiental, análise dos impactos, gestão ambiental. Para isso são necessários profissionais de diversas áreas. Existem, inclusive, historiadores, que fazem a parte de arqueologia. Tudo isso é parte do processo de licenciamento para a empresa atuar. A legislação brasileira, hoje, é considerada uma das melhores na questão ambiental, é tida como um exemplo mundial. E é justamente por este motivo, da exigência de se cumprirem etapas que garantam a qualidade ambiental depois da conclusão do empreendimento. É por causa da legislação ambiental que há biólogos trabalhando em empresas que produzem coisas como a energia elétrica, e esta legislação diz o seguinte: existem impactos ambientais e é preciso mitigá-los. Se não existisse essa legislação, as coisas aconteceriam como no passado, haveria os empreendimentos e não haveria esse controle, essa preocupação em averiguar o que está errado e tentar resolver.

AVS – Uma cidade faz parte de um ecossistema, é uma espécie de subsistema que interage com o conjunto do sistema, não é? Sendo assim, como você vê a relação de Nova Friburgo com o conjunto do meio ambiente, com os rios e matas em volta e dentro dela?

Maycon Saviole – Eu estou aqui, na Santa Doroteia, justamente fazendo uma pós-graduação em planejamento urbano ambiental, onde tentamos o tempo todo identificar as questões urbanas que causam impacto ambiental. E aqui em Friburgo são muitas as coisas que acontecem, que até passam despercebidas pela população local. Eu nasci na Vargem Grande, no Cônego. Quando eu era criança, eu brincava em um rio, brincava, via borboletas, pegava jabuticabas na beira do rio. Hoje, esse mesmo rio não pode mais ser utilizado para nada, para banho, nem mesmo para irrigação, porque está contaminado por esgotos. Em cada esquina de Friburgo há um problema ambiental diferente e a maior parte das pessoas parece ignorá-los. E, mesmo entre aqueles que conhecem os problemas, são poucos os que se manifestam. É complicado falar de um assunto como o da poluição dos rios de Nova Friburgo sem tocar nesse fato de as pessoas ignorarem o problema. A empresa que está atualmente administrando as águas e esgotos aqui em Nova Friburgo está fazendo esse projeto de despoluição, de construção de ETEs, a de Olaria já está em andamento... é um começo. Qualquer ação humana causa impacto ambiental, mesmo aquelas voltadas para diminuir outros impactos. Se a gente parar para olhar, eles estão tentando resolver os problemas dos esgotos, mas, em compensação, tem-se o aumento das tarifas, trata-se de um impacto econômico. Pode-se também observar que colocaram tubos dentro do rio e esses tubos causam um impacto visual e paisagístico. Mesmo ações voltadas para tentar encontrar soluções provocam impactos. As pessoas enxergam o impacto ambiental sempre como algo negativo, mas alguns são positivos.

AVS – Dê um exemplo de impacto positivo.

Maycon Saviole – Geração de empregos. No meio socioeconômico, geração de empregos é um impacto positivo.

AVS – Isto considerando a cidade como parte do ambiente.

Maycon Saviole ¬– A cidade como parte do ambiente. Eu trabalhei com um programa de educação ambiental nos últimos dois anos e fazia uma pesquisa com as pessoas e lhes perguntava o que entendiam por meio ambiente. Perguntava às pessoas por alguma coisa que as remetesse à ideia de meio ambiente. A maior parte falava em rios, cachoeiras, matas, pedras, mar, natureza. As pessoas tendem a ligar meio ambiente à natureza, muitas vezes se excluindo. A cidade é um espaço que não pode ser considerado fora do meio ambiente, o homem não pode ser considerado fora do meio ambiente.

AVS – O artigo que você publicou na internet (www.pegamais.com.br/colunas/44-meioambiente/184-friburgo-rios) fala, entre outras coisas, dos rios. Fale um pouco sobre o que podemos fazer por nossos rios.

Maycon Saviole – Eu escrevi aquele artigo porque um dia estava passando em frente ao Friburguense, ao Estádio Eduardo Guinle, e vi dentro do rio uma placa que dizia: “É proibido jogar lixo”. E a placa estava dentro do rio! Ao mesmo tempo, vi vários animais. Tempos depois, estava com meu enteado na rua e vi uma capivara dentro do Rio Bengalas, no centro da cidade. E me surpreendeu o fato de algumas pessoas jogarem pedras na capivara. E aí disse para aquelas pessoas: “O bicho está em um ambiente em que é complicado viver e vocês ainda jogam pedras nela!”. Tentei ligar para a Polícia Florestal, para o Corpo de Bombeiros e não sabia encontrar o responsável por ajudar um animal. O principal problema ambiental de Nova Friburgo talvez seja essa omissão de parte da população a respeito dos problemas que estão aí, na cara de todo mundo, e poucos tentam resolver. Fala-se no aumento das tarifas ou do mau cheiro da ETE de Olaria... pode haver meios para diminuir o maus cheiro ou outros problemas. Mas até que ponto nossa sociedade está disposta a arcar com alguns impactos decorrentes das tentativas de melhoria? Qual o preço que a sociedade está disposta a pagar para encontrar os problemas e solucioná-los? Não só o preço financeiro, mas o preço do engajamento de vontade. O problema do rio não é só o esgoto. Se fosse, a empresa tentaria resolver. Mas no rio tem sofá, pneu, lixo de todo tipo que as pessoas jogam diariamente, o que é um problema de saneamento a ser resolvido. Nas comunidades rurais, um problema nas proximidades dos rios é a caça. Caça de todo tipo de animal, mas especialmente de pássaros para serem vendidos no Rio.

AVS – O problema do esgoto doméstico é maior ou menor do que o gerado pelas indústrias?

Maycon Saviole – Toda fonte de poluição é altamente prejudicial. As pequenas fontes de poluição devem ser tão combatidas quanto as grandes. É o que chamamos de poluição difusa e poluição pontual. Um grande derramamento de óleo de um navio, por exemplo, é uma poluição pontual. Ela é mais fácil de ser identificada, trabalhada e resolvida do que a poluição causada por todos os postos de gasolina de uma cidade, que formam a poluição difusa. Nesta é mais difícil porque existem vários pontos de poluição, o que é mais difícil para os órgãos ambientais e técnicos controlarem. A poluição por esgotos domésticos é difusa, ocorre em vários pontos da cidade e somando tudo dá um grande problema. Muito maior, por exemplo, do que um caminhão limpa-fossa bater e derramar o esgoto em um determinado lugar. Assim, o lixo e todas as fontes de poluição difusa, sobre os quais toda a sociedade deve agir, são mais poluentes. Noventa e cinco por cento da poluição por hidrocarbonetos no mundo se originam na poluição difusa dos postos de gasolina, dos automóveis, das oficinas mecânicas. Somente 5% foram causados por poluição pontual como petroleiros, plataformas de extração de petróleo. Quando me perguntam onde devemos agir, digo sempre que nos dois casos, mas no caso da poluição difusa, cada pessoa pode agir.

AVS – E a respeito da ação de alguns ambientalistas que geram conflitos com algumas populações, especialmente em algumas comunidades rurais?

Maycon Saviole – Quando se faz uma atividade em qualquer lugar, ela vai ter reações, mesmo que em outros lugares. Quando se fala em impactos ambientais é preciso tirar a carapuça do verde. Porque muitas empresas se vestem de verde, afirmando serem ecologicamente corretas, que estão fazendo tudo de bom e nem sempre é verdade.

AVS – Você já reparou que todo documento de banco, hoje, é feito...

Maycon Saviole – ...em papel reciclado, que muitas vezes é mais caro do que o convencional. Aí está a indústria do verde, do politicamente correto. Isto virou um produto e não era para ser assim. O que é, afinal, a sustentabilidade? É fazer algo, hoje, que possa continuar a ser feito no futuro. Há pouco tempo, fui pai, nasceu minha filha, e nunca fez tanto sentido para mim essa questão: o que é o desenvolvimento sustentável, além de marca para determinadas empresas, que dizem “Nós somos ecologicamente corretos, nós pensamos no desenvolvimento sustentável”? Na maior parte das vezes que escuto isto, vejo que é mentira. A empresa que faz isto está só querendo incorporar valor econômico ao seu produto com essa roupa verde, essa postura verde. E esse marketing verde, esse selo verde na imagem das empresas tem alguns problemas. Todo esse aparato que as empresas usam para dizerem que são ecologicamente corretas. Tudo isso é política. Chega ao ponto de grandes nações se valerem de tudo isso para que os países tidos como subdesenvolvidos não cresçam. Existem diferentes visões sobre a questão da poluição e da mudança climática. Há quem diga que todo o aquecimento global é resultado da ação do homem, isto é, tem fontes antropogênicas. Há outros cientistas que dizem que esse aquecimento é natural. São duas teorias bem distintas. Eu não sei dizer cientificamente qual a versão mais correta. Será que tudo é tentativa de controle político e social dos países subdesenvolvidos – como cientistas sociais e políticos que dizem que os grandes países incentivam movimentos ambientalistas, inclusive com um grande fluxo de dinheiro –, ou o problema está realmente na geração de gás metano na atmosfera pela ação humana? Será que o homem com as suas cidades é capaz de gerar mais metano do que todos os processos naturais?

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