A utopia do isolamento

segunda-feira, 17 de maio de 2010
por Jornal A Voz da Serra

A historiadora Janaína Botelho, outro dia, em sua coluna em A VOZ DA SERRA, contou uma história bastante significativa das relações entre a localidade e o mundo fora dela. Referia-se à resistência em Nova Friburgo contra a presença do Sanatório Naval com seus pacientes tuberculosos (AVS – 15.4.2010). Revela a autora que Augusto Spinelli declarara em artigo no jornal A Paz que a inicitaiva da Marinha “trazia estragos à população, à sua economia, vida social, à sua fama de cidade salubre, além de ser um foco de infecção pernicioso para os habitantes de Friburgo” em uma cidade supostamente salubre por natureza.

Esta hipótese foi contestada pelo então diretor do Sanatório Naval, que explicou que a história não era bem esta, que os internos do hospital ficavam isolados, sem possibilidade de transmitir o mal, saindo apenas quando, ainda em convalescença, não transmitiam mais a bactéria que causava a doença, o que a medicina, havia muito, tinha meios para detectar com precisão.

O oficial-médico da Marinha lembrava que “antes do Departamento de Tisiologia para tratamento de tuberculosos ter sido instalado em Friburgo, em 1937, a cidade já era habitada por centenas de tuberculosos, exercendo suas múltiplas atividades, inclusive no comércio de gêneros alimentícios, colocando em perigo a população”. Concluía afirmando que “a cidade de Nova Friburgo é que constitui por si mesma, perigoso foco de tuberculose, tifo e outras doenças contagiosas, contaminando ainda as localidades vizinhas, pelo transporte fluvial de milhões de micróbios vivos, procedentes do lançamento direto aos rios da cidade de todos os excreta de seus habitantes, sem o menor tratamento de prévia depuração....” (Janaína Botelho – AVS, idem).

Esta crença de que o mal vem sempre de fora de uma sociedade plenamente saudável e harmônica já era um grande equívoco em 1937, quando a Marinha começou a trazer seus pacientes para Nova Friburgo e hoje, quando as comunicações atingem uma velocidade que não se imaginava há 20 anos, aproxima-se do absurdo. Não é só Nova Friburgo que apresenta esse tipo de visão a respeito de si própria, trata-se de um fenômeno cultural bastante comum que, muitas vezes, acaba criando uma espécie de utopia do passado, quando se desenvolve aquela convicção de que ‘naquele tempo é que era bom’, ‘como era saudável aquela Nova Friburgo de antes de a Marinha cismar de trazer seus tuberculosos para cá!’.

Hoje pode-se observar o desenvolvimento de uma crença de que a criminalidade também é algo que vem somente de fora, que não se engendra também aqui, como parte da vida social local. É claro que alguns criminosos, principalmente traficantes de drogas, podem se deslocar da cidade do Rio de Janeiro, onde têm sofrido forte repressão, para Nova Friburgo, o que não quer dizer que a sociedade local também não gere criminosos. Trata-se de uma convicção idêntica àquela relativa à tuberculose, na primeira metade de século 20.

O ser humano sempre criou extensões de seu corpo, como sapatos e instrumentos de trabalho, que passaram a condicionar seu corpo e mesmo a criar nele certas alterações. Os homens que sempre usaram sapatos e meias certamente desenvolvem seus pés de modo diferente daqueles que sempre andaram descalços. Os artefatos culturais que o homem utiliza também são extensões de si, como observou o pensador canadense Marshall McLuhan (1911 - 1980). E os meios de comunicação são os artefatos culturais que têm se alterado com uma rapidez muito grande. Há menos de 20 anos, uma família inteira, com cinco ou seis pessoas, tinha em sua casa um único aparelho de telefone fixo, desconhecia o computador doméstico e não imaginava o que fosse a internet. Hoje, um casal que vive sozinho, pode dispor com relativa facilidade de dois telefones fixos, dois celulares, dois computadores com acesso à internet, com Skype, MSN e coisas que tais. O indivíduo que se forma nessas condições tem que ser diferente. Nestas condições torna-se ainda mais imperioso que se abandonem as fantasias a respeito do próprio passado que condicionam utopias voltadas para trás.

É preciso, nestas novas condições, superar a reserva e a aversão ao diferente, que agora está tão mais próximo. É possível e necessário desenvolver essa nova atitude e deixar de lado toda espécie de discriminação. A vida está aí, com todos os seus problemas e, como se diz, ‘o futuro a Deus pertence’, mas, como repetem os povos islâmicos, ‘Deus é grande!’.

(*) Jornalista, mestre em sociologia

mauriciosiaines@gmail.com

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