A obsessão do artista é decifrar os enigmas da conspiração do mal e transmutá-los em objetos mágicos, palavras-abracadabras, gestos ilusionistas que revelem a essência do que se tem por bem. Ideia fixa que nos assombra num mundo cercado de universos ocultos e revelados por acaso nas entrelinhas dos descaminhos da poesia e nos recônditos do espaço irrevelado.
O artista habita o labirinto, Minotauro de si mesmo, monstro doméstico, olhar elíptico. E contempla o universo, indefeso. Armado apenas de seus versos e de sua emoção—seu inútil canhão—, sua única ação é observar os mecanismos das relações e introduzir-se no cerne das questões, catalogando cada fração do movimento dos homens sobre a Terra. O artista acerta até quando erra. O artista senta-se na beirada do abismo plutônico e sorri diante do que vê.
O artista se queda, calmo e calado, no canto reservado aos poetas no circo da humanidade. O artista tem a idade da eternidade, mas sua arma é a pluma inefável, o cinzel sem corte, a imaginação. Não há mísseis ocultos nas mangas do artista, nem armas químicas, drogas, nem travessuras políticas, nem leis. O artista habita o labirinto onde todos os homens e mulheres e crianças circulam, perdidos. Uns amestrados, outros selvagens; alguns rebeldes. Artistas são pessoas que parecem deuses, mas seu poder é sorrir diante do incompreensível.
O terror não assusta os artistas, porque a beleza é a lógica impossível da inteligência, sempre será uma instância superior do pensamento; a ciência do belo se insurgindo contra toda espécie de tirania.
O artista existe no exato espaço entre a sombra e a luz de qualquer sistema. Um erro mero entre os cálculos dos deuses do capital. Os mestres da tragédia quotidiana desenvolvem estranhos planos onde se afogam as possibilidades da tranquilidade. O sacrifício da pós-história e da última teoria romântica da hora é cortar ao meio o cordeiro da magia no agora. Tudo acontece na sua hora.
Acabou o inefável; o conceito do telúrico é uma equação hecatômbica. Caíram os véus. O artista está nu diante de sua plateia e eles, os espectadores, gargalham, com nojo.
O artista é uma cabeça que pensa; os parafusos que o prendem à realidade não o aprisionam. Os arames que aparentemente o aprisionam, em verdade o libertam, conectam sua mente à mente voluptuosa e insaciável do planeta. Mas sua arma é o vento. A força do artista está em revelar sua fragilidade. Antiforça que liberta. O artista é o reflexo, o contrário, o antiédipo; o antitudo.
Não somos uma população de escravos do impossível, estamos atados ao destino do planeta, essa conspiração informal, pacto tácito de extermínio lavrado entre cada cidadão e seu semelhante. O artista é apenas uma testemunha luxuosa do extermínio de uma ideia de perfeição que se acabou num precipício de lógicos equívocos.
No fim de tudo, cabe ao artista tentar traduzir as emoções vividas agora através da pérfida perspectiva do momento. Nada mais interessa. Analogias, metáforas, figuras poéticas... Nada mais importa... Está aberta a porta do presente, a história nos pertence e, agora, há que se traduzir o futuro no presente, se pressentir o futuro no agora. O monstro do presente, domesticado, agora.
Carlito Marchon
Fevereiro de 2003
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