A guerra que não podemos perder

Por Markus Brose*
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
por Jornal A Voz da Serra

“A única guerra legítima é a guerra contra o subdesenvolvimento e a miséria”, foi o que disse Dom Helder Câmara. Mas se estivesse vivo neste Dia Internacional de Combate à Pobreza, comemorado em 17 de outubro, infelizmente ele notaria que esta é uma guerra que não temos ganhado, e uma guerra que recebe pouca prioridade no mundo.

Em 1997, a ONU estimou que seriam necessários US$ 80 bilhões por ano para acabar com a pobreza em 10 anos. Tais recursos não foram disponibilizados, apesar de na última década a chamada “Guerra ao Terror” ter consumido aproximadamente US$ 4 trilhões, 50 vezes mais. Nos últimos anos, outra estimativa da ONU chamou a atenção: segundo a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), para acabarmos com a fome seriam necessários US$ 30 bilhões por ano aplicados em programas de agricultura. Mais uma vez a comunidade internacional não se sensibilizou, apesar de no mesmo ano em que esta estimativa foi divulgada (2008), os Estados Unidos terem aprovado um pacote de US$ 700 bilhões para o salvamento dos bancos. Estas estimativas não deixam de ser uma evidência sobre as prioridades dos países desenvolvidos.

Felizmente, nos últimos anos, o Brasil seguiu outro caminho. Nosso país tem tido grandes avanços nesta área de combate à pobreza, avanços que são consequência principalmente da inclusão via mercado de trabalho e não apenas de programas de assistência, como apontou o Ipea recentemente. Programas de caráter assistencial são importantes, mas não garantem o desenvolvimento.

As causas estruturais da pobreza não estão ligadas apenas ao nível de renda. Para eliminá-la é necessário trabalharmos com a pobreza em todos os seus âmbitos: a pobreza de capacidades, a pobreza política, a pobreza de educação, a pobreza de instituições, a pobreza de serviços etc. O que Amartya Sen, um dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano, definiu como “pobreza multidimensional”.

O combate à pobreza deve partir do reconhecimento de que suas causas estão ligadas aos nossos comportamentos, padrões de consumo e produção, e nossas instituições. A pobreza é um legado de nosso passado e um aspecto de nosso presente. Para conquistarmos um futuro onde possamos erradicá-la, devemos compreendê-la como parte do que somos e, com isso, realizar as mudanças necessárias para transformarmos a sociedade.

Os países desenvolvidos estão enfrentando uma grande crise, e assistem passivos sua situação social mudar. Hoje a pobreza estrutural esta novamente presente na Europa e nos Estados Unidos. As soluções econômicas apresentadas parecem ignorar as populações mais vulneráveis, e as consequências elas sofrerão com uma nova recessão.

No Brasil a situação está diferente, mas não é por isto que devemos relaxar em nossos esforços. Uma nação que tenha um forte compromisso pela erradicação da pobreza, um compromisso que se reflita em suas práticas e políticas, com certeza será uma nação mais preparada para enfrentar qualquer crise que possa chegar.

A luta contra a pobreza deve ser uma luta diária, constante e tenaz. Apenas com a consciência de que todos nós somos responsáveis pela pobreza é que poderemos alcançar um mundo onde a pobreza esteja realmente erradicada.

*Diretor executivo da ONG Care Brasil,

é agrônomo com especialização em agroecologia,

mestre em Gestão Pública e doutor em Sociologia.

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