A VOZ DA SERRA – O senhor é oriundo da classe artística e agora gestor da cultura no município. Como define a cultura e quais são os seus projetos para o setor?
David Massena – Comecei no teatro muito cedo, em 1971. Participei de movimentos como a criação do Grupo Taca—do Colégio Anchieta, ao lado do Arnaldo Miranda. Fui bailarino e professor durante mais de 15 anos e sempre sonhei com uma Nova Friburgo que abraçasse os talentos locais sem, contudo, transformasse apoio em assistencialismo. Eu não acredito em cultura que necessite do Poder Público para acontecer e se fortalecer. A cultura é o próprio povo. A sua história, seus feitos, suas conquistas e também suas derrotas. Então, acredito que como secretário cabe-me criar o ambiente propício para que o povo de Nova Friburgo exercite o pleno direito de escrever a sua história. Se for nas artes, por exemplo, os bens públicos deverão estar adequados e conservados, bem como os equipamentos. Se for no patrimônio histórico, que tenhamos instrumentos que garantam sua preservação e utilização adequados. O que não podemos é permitir que o Poder Público comande e ordene o comportamento cultural de um povo.
AVS – Mas o que está sendo feito para que isso aconteça?
DM – Desde o primeiro dia, à frente da Secretaria Municipal de Cultura, convoquei o Conselho Municipal, declinando do cargo de presidente, por entender que eu não poderia fiscalizar as minhas próprias ações. O meu subsecretário, o Beto Grillo, é artista de rua e produtor cultural, e eu fiz questão de dividir todas as minhas ações com as setoriais representativas que fazem parte do Conselho. Entendo que gestão pública deva ser, antes de tudo, uma vidraça limpa. A equipe da cultura é essencialmente técnica, porque não podemos mais trabalhar empiricamente, experimentando resultados. O Ministério da Cultura desenvolveu o Sistema Nacional de Cultura, que vem a ser o novo modelo de gestão pública da área nas esferas federal, estadual e municipal, e isso exige dos gestores uma atuação objetivada e que atenda a legislação específica. Fazer cultura não é mais fazer festinhas, eventos e atender interesses pessoais, o debate está avançado e precisamos posicionar Nova Friburgo em nível nacional.
AVS – E com o a classe artística, agentes culturais e gestores receberam sua nomeação para o cargo?
DM – Com seriedade e afeto, mas nem por isso sem compromissos e cobranças. Fizemos um pacto pela Nova Friburgo que sonhamos. E o que não nos falta é trabalho. Apoiamos a reativação da Associação de Artistas que estava em vacância desde 2011, elegendo o Luciano Santos, que é do setor audiovisual. Temos nos reunido, nós da secretaria e o Conselho de Cultura, semanalmente e muitas vezes diariamente. Trouxemos a Nova Friburgo o Flavio Aniceto, consultor do Ministério da Cultura para os sistemas municipais. Na ocasião, ele esteve reunido com membros da Secretaria Municipal de Cultura e do Conselho, discutindo os passos para a formalização da criação de projeto de lei que institui o Sistema Municipal de Cultura. Nova Friburgo já está no cadastro do Ministério, e este processo ficou parado por quase 3 anos e finalmente o prefeito Sérgio Xavier assinou os documentos e demos este passo.
AVS – Mas não é muita burocracia para um setor como a Cultura?
DM – Estávamos condenados a continuar à margem do debate cultural do Brasil. Optamos por aderir ao sistema e trabalhamos diuturnamente na formação do projeto municipal para criação do projeto de lei que institui o sistema municipal de cultura, o que viabilizará os repasses federais de verbas diretamente ao município, para elaboração de projetos, geração de recursos e a concretização dos nossos sonhos de valorização dos artistas locais, profissionalização, qualificação, visibilidade e etc... Eu tenho certeza de que a reconstrução da moral de Nova Friburgo passará pela cultura. Precisamos fortalecer o nosso povo com acessibilidade, informação, conhecimento, oportunidade e o principal, com dignidade.
Há processos, como os do Padec—Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos Municípios do Estado do Rio—, que se arrastam desde 2010 e que são de suma importância para a realização de projetos e dotação da secretaria em termos de equipamentos, e nós fizemos mais um termo aditivo para garantir a execução do plano de trabalho. Quem olha de fora não imagina a dificuldade de execução imposta pela Lei 8.666. Mas se há municípios que conseguem, porque Nova Friburgo não conseguirá? Temos informações de que apenas cinco, de cinquenta municípios conseguiram finalizar seus projetos via Padec.
AVS – E os projetos? Existem projetos?
DM – Por conta dos nove meses de gestão, buscamos parcerias que pudessem viabilizar ações. Restabelecemos os convênios que estavam sem renovação. Dentre eles, a parceria Sesi/Firjan que garante espetáculos musicais e teatrais a preços populares, no Teatro Municipal e, ainda, a inclusão de Nova Friburgo no Circuito Estadual das Artes, que promove o intercâmbio e a apresentação de diversos espetáculos premiados e selecionados através de edital. Estes convênios garantirão uma agenda de bons espetáculos na cidade até o final da nossa gestão.
E não podemos esquecer das nossas bandas centenárias, do patrimônio histórico, como a Fonte do Suspiro, e muito mais... projetos não faltam. E nem vontade política para realizá-los.
AVS – Mas, e os projetos da Secretaria?
DM – A secretaria enfrenta o desafio de reabrir o Centro de Arte, de recuperar equipamentos culturais danificados pelo uso e pela tragédia climática, a abertura do Ponto de Cultura de Conselheiro Paulino cujo processo já se arrasta há quatro anos, reorganizar e revitalizar a Oficina Escola de Artes, recuperar a Biblioteca Municipal, viabilizar a realização da Semana do Artista Friburguense, de acordo com a Lei Municipal de autoria do vereador professor Pierre Moraes, e ainda a busca de parcerias que possibilitem trabalho a artistas e produtores locais. Tudo isso passa por projetos para poder se materializar.
AVS – E os parceiros, existem?
DM – Fomos à Biblioteca Nacional, no Rio, e estivemos com o seu presidente, Professor Galeno, que nos recebeu e manifestou interesse em nos ajudar na recuperação da Biblioteca Municipal, que hoje retornou à gestão da cultura e tem à frente a subsecretária da Leitura, Vera Veronese. Fomos ainda à Secretária Estadual de Cultura, Adriana Rattes, apresentar projetos de recuperação da Casa da Cultura (antigo Fórum) e da Oficina Escola de Artes (antiga Câmara Municipal) e à Funarte, que nos abriu as portas e estamos, junto ao Grupo Teatro de Anônimo, do Rio de Janeiro, conveniados para a realização do Encontro Internacional de Palhaços “Anjos do Picadeiro”, em sua décima primeira edição, que se realizará em Nova Friburgo, no mês de dezembro. Uma outra importante parceria é o convênio com a escola de dança da UFRJ, que criará diversas oficinas de dança para até 240 jovens do município que ocorrerá no período de agosto a dezembro nos finais de semana. As oficinas serão conduzidas por profissionais de grande capacitação técnica e experiência. Terão prioridade para as inscrições nas oficinas os jovens que moram nas áreas que foram mais afetadas pela tragédia climática ocorrida no verão de 2011, o projeto tem por finalidade, além da capacitação e entretenimento desses jovens, resgatar aos jovens a alegria e a inocência de sua infância através das expressões corporais que serão lecionadas durante todo o projeto. Estamos finalizando a documentação necessária para a assinatura do convênio.
AVS – E o Festival de Inverno?
DM – Estamos buscando parcerias com a iniciativa privada para que possamos realizar um festival em novo formato, colocando nossos artistas como atração principal e trazendo artistas renomados muito mais numa perspectiva de intercâmbio do que de aculturação. Entendemos que é a hora de valorizar o nosso potencial, fazendo com o que o festival possa movimentar recursos internos, na própria cidade. Também queremos, dentro do possível, descentralizar não somente o festival como todas as ações da secretaria. Levando espetáculos e ações aos bairros mais distantes e também aos distritos.
Mas nada disso inviabilizará a realização dos festivais da Dell’arte e o do Sesc, que entendemos como ações importantes e das quais seremos parceiros.
AVS – O Casarão de Riograndina será reaberto. Já é uma ação da secretaria?
DM – A Cesar o que é de Cesar. O Casarão é um centro cultural da Associação de Moradores de Riograndina, competentemente administrado pelo Ronaldo Henriques, materializado como centro cultural pela Maria Amélia Curvello, que foi secretária de Cultura e que após a destruição pela tragédia de 2011, foi restaurado pela Fundação Banco do Brasil, através de uma ação do ex-secretário Roosevelt Concy. Por isso, no convite, tratamos como reabertura e não reinauguração. Agora, tentamos transformar o Casarão numa referência de artesanato, com qualificação, para que aquela comunidade possa melhorar economicamente através da produção de um artesanato com as características locais. Diferenciado, portanto. E o Casarão já é uma referência cultural na comunidade e pode se tornar um ponto de visitação turística.
AVS – Qual o papel de Nova Friburgo para a região, no que diz respeito à cultura?
DM – Nova Friburgo é um polo aglutinador da região. E isso não sou eu que digo, é a história. Desde o primeiro momento estreitamos os laços com o Fórum de Gestores Públicos de Cultura da Região Serrana. Participamos do Encontro de Cultura da Região Serrana, nos dias 22 e 23 de março, na localidade de Papucaia, em Cachoeiras de Macacu-RJ. O Encontro reuniu gestores públicos de cultura de 16 prefeituras e agentes culturais dos 26 Pontos de Cultura da Região Serrana fluminense, que debateram ações e políticas culturais que potencializam a região. Ali percebemos o quanto a rede de pontos de cultura necessita articulação local e do apoio da secretaria.
AVS – E o tempo? Vai dar tempo para tudo isso?
DM – A Secretaria de Cultura buscou no Sebrae o apoio técnico para a realização de um planejamento estratégico de curto prazo, para justamente trabalhar dentro de um cronograma real priorizando ações realizáveis. Sabemos, no entanto, que existem variáveis que fogem ao nosso controle, e que algumas ações podem até não se concretizar, mas estamos empenhados, trabalhando para que tudo saia como o planejado. Muitos projetos serão plantados, e caberá a quem vier e assumir a pasta da Cultura dar continuidade aos mesmos ou não. Mas o planejamento de cultura de Nova Friburgo, através do Plano Municipal, elaborado na II Conferência de Cultura em 2009, será aprovado juntamente com a criação do Sistema Municipal de Cultura, com força de lei, o que garantirá que as ações não dependerão da vontade de governos passando a atender aos anseios de Nova Friburgo.
AVS – E o senhor acredita que o próximo secretário honrará esse compromisso?
DM – Não posso falar pelos outros. O meu papel é fortalecer o Conselho Municipal de Cultura, respeitando-o, porque ele tem a representatividade dos vários setores artísticos, da sociedade civil, das instituições, agentes culturais e do Poder Público. Se o Conselho, que é deliberativo, estiver empoderado, será legítimo para cobrar e fazer acontecer. Entendo-me como instrumento nesse processo de democratização da cultura em Nova Friburgo. E creio que ao fazê-lo estarei dando a minha contribuição para a cidade que tanto amo.
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