Alda Maria de Oliveira*
Amiga das terras de montanhas é raiz de peculiar aroma e raro sabor. Embora cultivada nos eitos dos mais pobres, ascende à mesa dos abastados porque sendo ainda rara, é cara.
Das montanhas andinas do Peru e do Equador andarilhou para a Colômbia onde se concentrou principalmente, mas também se foi para a Venezuela e para a Bolívia firmando uma identidade vegetal sul-americana indiscutível.
Saiu de um frio de gelar para as terras colombianas, mais quentes e assegurou seu espaço no prato nacional sancocho ou cocido, muito popular na zona rural do país. Lá é prato para todos.
Na Colômbia, diversificou-se em uma imensa variedade de clones brancos, cremes e amarelos e é alimento de povos indígenas nas montanhas da Venezuela.
É considerada a planta cultivada mais antiga do continente americano.
Planta de verão, das águas, de certo frio das altitudes, vai para a terra em agosto-setembro e desde que o ar circule bem a sua volta e as águas bem se drenem, chega a produzir bem mesmo em solos ácidos, onde só nasce o capim sapê e a samambaia, e pouco fértil, mas sábia em sua alquimia vegetal é capaz de rearranjar moléculas simples de minerais, carbono e hidrogênio em substâncias primorosas.
Gosta dos dias de sol largo e seu folharedo, lembrando o aipo e a salsa dos quais é prima fazendo parte da seleta família das umbelíferas, se esparrama aos raios da estrela maior da galáxia na primavera e no verão, aproveitando tudo das águas, guardando em suas raízes, um armazém de saúde: hidratos de carbono, cálcio, ferro, fósforo, potássio, magnésio, manganês, enxofre, boro, cobre e zinco bem como vitaminas do complexo B e os beta-carotenos denunciados pela cor alaranjada, precursores da vitamina A que tanto bem faz a nossa clareza de visão.
Ciente da sua realeza sul-americana não gostou da Europa decadente, para onde foi levada, mas gostou da Índia e do Sri-Lanka (o antigo Ceilão), provavelmente porque intuiu a grandeza milenar das montanhas de lá e lhe foi cara a filosofia oriental com tantos pontos afins com a sabedoria inca e maia a que se acostumou na infância dos primeiros tempos.
Também não gostou de terras norte-americanas e todos nós sabemos porquê: aquela pressa, aquele fast food todo, aquela ausência de reflexão, aquela febre de consumo toda, pesaram, assim como aqueles meses todos do pouco sol ou nenhum, não saberia viver só seis meses a sua jornada escura, no âmago da terra com o sol ausente em seu verdor de folhas. Recusou-se.
Gostando tanto de sol, é um ícone da civilização inca e maia, mas escolheu bem a sua lua; só cresce bem e sadia se for para a terra, na lua minguante: lua das raízes, do inconsciente, do movimento descendente das águas, do tempo escuro necessário a sua memória vegetal para ir acordando devagar a antiga sabedoria de seus genes, apreendida nas hélices de seu DNA, para crescer em raiz e não em folhas.
Se confunde na crescente: a raiz quase não cresce porque as folhas crescem demais exagerando na exuberância e, na cheia, enlouquece, pouca raiz, se fragiliza, muita água subindo, adoece, se torna aguada, apodrece.
A escuridão do seu berço, aumentada pela amontoa que tanto bem lhe faz, e o calor do sol lhe sinalizam os rituais uterinos de gestação e lento crescimento.
Não tem pressa. Nas montanhas se aprende o devagar do andar. E lá vai ela, atravessa a primavera sem se deixar seduzir pelo fácil das flores, adentra o verão resistindo às águas e sorve um pouco do outono para então tornar-se só sabor e apurar o aroma que a denuncia em qualquer cozinha: uma raiz que cheira parecendo uma fruta.
E aí tem suas urgências. Quer deixar a terra, encher mãos generosas que a libertem do mundo subterrâneo: é a sua hora de luz. Se não chegar rápido, entra em depressão, definha, se esvai, apodrece.
Mas trazida ao claro do dia, continua com pressa, quer colocar sua intrincada matriz de sucesso em sabor na boca do povo. E lá, pela última vez se oferece, se doa, num ciclo infinito de desdobramento e complexidade, se transformando em matéria alimentar até a unidade mineral.
Cede à humanidade o melhor de si, o que levou oito, nove meses elaborando e o que trouxe da noite dos tempos formando a individualidade de sua espécie para ser colhido na melhor das luas novas de nossos outonos tão ricos na América do Sul.
Os botânicos lhe deram um nome universal, científico, latino, meio carregado de erres, Arracacia xanthorrhiza cuja origem é a forma espanhola de r’accacha usada pelos grupos indígenas quíchua, habitantes das terras altas do Peru e da Bolívia; xantho = amarela e rhiza = raiz.
Mas sua viagem na geografia dos povos nos reservou uma incrível surpresa.
Crescendo na Colômbia há tantos anos, ansiava por novas montanhas. E assim deu jeito de introduzir-se na bagagem do general colombiano Rafael Uribe. Uribe que vindo ao Brasil, as ofertou à Sociedade de Agricultura, no Rio de Janeiro que, respeitando sua vocação para altitudes, depositou-as nas mãos do barão de Nova Friburgo que as enviou para Lumiar da Serra onde ela fincou raízes e ganhou o nome popular de batata-baroa em homenagem ao barão.
O povo é sábio. Uma batata não poderia se chamar barão; nem baronesa que não teve nada a ver com a estória, então, baroa, a baronesa das montanhas. Uma filha legítima das terras sul-americanas.
E como quase tudo que é muito bom acaba na panela, aí vai receita com batata-baroa: um quilo de batata baroa cozida na água e sal e amassada em purê, mais 200g de creme de leite fresco e duas colheres de sopa de manteiga, tudo muito misturado e espalhado em prato retangular pirex finalizado com tiras finíssimas de bacon já frito e generosa mão de nirá picado e tomilho francês fresco. Com salmão grelhado acompanhado de vinho branco seco. O prato é Baroa das Montanhas de Nova Friburgo. Saboreá-lo é celebrar nossas montanhas. E a vida.
* Engenheira Agrônoma, Comunicadora Popular, Consultora em Sistemas Integrados de Produção em Agricultura Orgânica Agroflorestada e Recuperação de Áreas Degradadas em Terras de Montanhas, membro do Fórum da Agenda 21 Local de Nova Friburgo, RJ.
e-mail: aldah.olive@bol.com.br
Deixe o seu comentário