8 de março - Dia Internacional da Mulher

segunda-feira, 10 de março de 2014
por Jornal A Voz da Serra
8 de março - Dia Internacional da Mulher
8 de março - Dia Internacional da Mulher

Texto: Dalva Ventura / Fotos: Amanda Tinoco

Grace Arruda sempre teve fama de brava e durona. Durona ela é, com certeza, mas talvez não seja esta a palavra mais adequada para definir esta mulher, que ocupa a secretaria de Governo da prefeitura e, no momento, é a prefeita do município. Grace é, sobretudo, uma mulher forte e corajosa, isso ninguém pode duvidar.   

 

Com uma história de luta em defesa da mulher friburguense, Grace Arruda fala para A VOZ DA SERRA sobre as conquistas e os desafios ainda a serem enfrentados por estas bravas criaturas. Para quem não sabe, vale esclarecer que nossa entrevistada foi delegada durante muitos anos, primeiro na 151ª DP, depois em outros municípios, até voltar para Friburgo, só que desta vez como primeira titular da Delegacia da Mulher (Deam), um sonho acalentado durante muito tempo. "Achava que podia mudar muita coisa na polícia. Sei que não mudei muito, mas onde passei deixei minha marca”, garante. "Ali é um lugar de dor, de muito sofrimento, de mães desesperadas, famílias destruídas. Eu sempre procurei transmitir àquelas pessoas uma palavra de fé, amor e esperança”, continua. 

Grace lutou muito para que a Deam se tornasse realidade e sabe disso. "Não foi nada fácil. Além do movimento organizado de mulheres, contamos com ajudas fundamentais. A VOZ DA SERRA contribuiu demais, esteve presente em cada manifestação que a gente fazia para sensibilizar o governo do estado, até que a Deam finalmente foi inaugurada, no dia 13 de setembro de 2010”, declara. 

Será que Grace voltaria para lá? A atual prefeita dá uma sonora gargalhada. "Se a política não me deixar mais feliz eu volto, mas só se for para aquela delegacia, a minha delegacia. Tem um pouquinho de mim lá. Sinto falta, mas, falando sério, penso que meu tempo na polícia civil já se encerrou”, afirma.

A pergunta é inevitável. Como é que você pode sentir falta de delegacia, Grace? E ela tem a resposta na ponta da língua. "Ah, lá as coisas eram do jeito que eu queria, aqui eu não tenho poder de decisão”. Como assim?, questiono. "Fácil”, responde. "Além das decisões serem tomadas pelo prefeito, na prefeitura é tudo muito complicado. Ser secretária de governo é uma experiência muito válida, estou tendo a oportunidade de conhecer por dentro como funciona uma prefeitura, que é um universo infinitamente maior que uma delegacia”, esclarece. 

Grace faz questão de ressaltar as vantagens de ter sido delegada. "A polícia civil me deu boas amizades, algo que valorizo muito, e também me garante um bom salário, que é de onde eu tiro meu sustento”, afirma, ressaltando que não recebe um tostão da prefeitura, por continuar sendo funcionária do governo do estado cedida ao município. Mas não foi só. A principal vantagem foi que hoje, depois de passar anos e anos envolvida com toda aquela violência, Grace não tem medo de enfrentar nada, "mas nada mesmo”. 

Afinal, foram quase 30 anos enfrentando dificuldades as mais diversas. Ela teve de entrar em casa de traficantes, prender quadrilhas, estar frente a frente com estupradores frios e calculistas. "Na polícia você não pode ter medo, é adrenalina o tempo todo”, continua. Mas, para falar a verdade, Grace já tinha aprendido em casa a não temer nenhuma situação. Ela conta que, quando era titular da 151ª DP, alguém dizendo ser de um comando qualquer ligou garantindo que iriam invadir a delegacia. "Foi uma das poucas vezes na vida em que senti medo, fiquei apavorada”, admite. Porém, quando chegou em casa, seu pai, que era pastor, homem de muita fé, lhe acalmou dizendo: "Minha filha, você não tem um Deus em que confiar? Então, não precisa temer nada”. 

A comparação de seu trabalho como delegada com a prefeitura é inevitável. "Aqui tem muito aborrecimento, mas não tem tanta adrenalina, mas como eu não tenho medo de enfrentar, fica fácil”. Ela costuma dizer que, na delegacia, todos os dias surgiam situações diferentes que sequer estavam no código penal ou na Lei Maria da Penha, para as quais era necessário dar uma solução e eram registradas como "fato atípico”. O que não ocorre na prefeitura. "Aqui, os problemas são ilimitados e de toda ordem. Aonde eu vou, as pessoas aproveitam para falar do bueiro da sua rua, do calçamento, da falta d’água, do barranco”, esclarecendo que não é que não queira se envolver, só que é difícil encontrar solução para tudo. 

"Todo mundo me pede alguma coisa, é natural. Nós, que ocupamos cargos públicos, precisamos ter uma paciência muito grande, senão deveríamos estar fazendo outra coisa.” E garante também que sabe aceitar críticas: "Quem não quer receber pedidos e críticas não deve ir para a política”, reitera.


"Mulher, abre seu olho”

Como a pauta é o Dia da Mulher, encaminho a entrevista para sua participação à frente da delegacia que tanto beneficiou as mulheres friburguenses e ela responde: "Quer saber a verdade? Muitos policiais não gostam de trabalhar em Deam porque a gente se sente um palhaço lá”. Diz que estava cansada de ouvir pérolas como esta: "Não sei se eu quero registrar, doutora”, assim como conheceu inúmeras mulheres que viviam registrando queixas graves contra seus companheiros e depois voltavam para os ditos-cujos para depois sofrerem novas agressões. O que Grace costumava dizer nestes casos era mais ou menos o seguinte: "Se não estiver de fato decidida, não venha ocupar minha cabeça e meu tempo, pois tenho muito o que fazer”. 

E aproveita a entrevista para mandar um recado. "Mulher, abre seu olho”, destacando que muitas ainda se colocam numa posição de objeto, submissão e inferioridade totalmente desnecessária. Na sua opinião, a mulher é a grande responsável por sua própria desgraça e sofrimento, porque na sociedade em que vivemos, nada disso se justifica. E diz: "Sim, os salários ainda são menores, mas quem não tem medo de trabalhar consegue seu próprio sustento e de seus filhos”. E conta que conhece uma faxineira que ficou viúva com quatro crianças pequenas e construiu uma casa com dinheiro de faxina, encarando uma dupla — às vezes tripla — jornada de trabalho. Assim como ela, diz, existem tantas e tantas histórias assim! 

Grace ressalta que mais da metade da população friburguense entre 18 e 48 anos de idade, ou seja, na faixa economicamente ativa, é feminina. No entanto, parece que nem todas tomaram consciência de seu valor. Na sua opinião, a mulher pode se vestir do jeito que quiser, pode até ser prostituta, se quiser, mas tem que ter sua independência financeira, ser dona de seu nariz, marcar sua liberdade e autonomia. "Quando a mulher tem seu próprio dinheiro no bolso, tem seu destino nas mãos, não fica refém de uma relação insatisfatória e vai à luta. Até o homem respeita mais, porque não têm controle sobre ela, então, os dois ficam juntos por amor, talvez até por dependência emocional, mas aí é outra história.” 

Não esconde sua revolta contra as mulheres que querem vida mole e, por isso, dependem de seus homens. "Não venham reclamar nem encher minha paciência. O que é combinado não é caro, então vai trabalhar, estude, se qualifique”, e reitera que temos duas faculdades públicas na cidade, além de diversos cursos gratuitos e profissionalizantes. "Quem não tem nenhuma qualificação nem condições de correr atrás da mesma num determinado momento, que vá ser faxineira ou gari, não importa, o que não podemos é viver infelizes, subjugadas por homens agressivos e dominadores.”  

Infelizmente, porém, ainda precisamos de uma Delegacia da Mulher, assim como de outras entidades, para acolher e socorrer as centenas, poderíamos dizer, as milhares de mulheres que sofrem violência em Nova Friburgo, entre as quais a prefeita em exercício destaca o Centro de Referência da Mulher (Crem) e os escritórios de assistência jurídica gratuitos da Universidade Candido Mendes e da Universidade Estácio de Sá.

 Outro ponto que Grace gosta muito de destacar é a pouquíssima participação da mulher nos espaços de poder e decisão. "Já melhoramos consideravelmente, mas vejam: completaremos agora, em fevereiro, 82 anos da conquista do voto feminino e ainda temos pouquíssimas vereadoras, deputadas, senadoras, prefeitas, governadoras. Enfim, a política ainda é um universo essencialmente masculino, o que é, no mínimo, uma pena”.  

Reconhece também que isso ocorre nem tanto por "culpa” das mulheres. "É verdade. Fui candidata a vereadora por três vezes e perdi. Em todas elas, pude perceber nitidamente as diferenças de tratamento e os privilégios que os homens tinham durante a campanha. Além de recebermos menos recursos dos partidos, nós chegávamos a ser cutucadas nos palanques para falar mais rápido e dar vez aos outros. Só tinha mulher na chapa porque era obrigatório.” 

Ela tinha decidido, inclusive, abandonar a política e só foi candidata à vice do prefeito Rogério Cabral porque o marido, o médico José Augusto Driendl, a incentivou a prosseguir. "Achei que era uma palavra vinda de Deus mesmo e aceitei”.


Vaidosa como toda mulher

Grace emagreceu oito quilos, passou a malhar com um personal trainer — motivada, garante, mais por causa da saúde do que propriamente por estética —, passou a se maquiar e se vestir bem. Pergunto como quem não quer nada: "É por causa da prefeitura, Grace?”. Ela responde com mais uma gargalhada, mas depois fala sério. "Que nada. Claro que tenho de andar arrumada, mas não é por isso não. Estou feliz, vivo feliz.”   

E, em seguida, emenda com uma confissão. "Claro que tenho meus momentos difíceis. Estes últimos três meses, posso dizer que foram os piores da minha vida por causa da morte de minha mãe. Mas já estou alegre de novo porque, a cada dia, quando abro os olhos e vejo que estou viva, agradeço a Deus o dom da vida e me sinto feliz, radiante.” 

Como toda mulher que pode ficar apenas pouco tempo com os filhos, Grace também amarga certo sentimento de culpa por causa disso. É inevitável. Seu filho Mateus vai fazer 12 anos e não está nada satisfeito com o fato de a mãe estar na política, o que, naturalmente, vem se refletindo na sua vidinha. "Agora está melhorando um pouco, mas ainda está muito revoltado. No ano passado, ele quase perdeu o ano. Quando eu estava na delegacia, conseguia levar e pegar na escola, estava muito mais presente, agora não dá mais. Só o vejo à noite e por pouco tempo.” 

Lamenta também não conseguir brincar muito com o garoto. "Fui filha única, minha vida inteira foi do lado de adultos. Eu gostaria de sentar no chão e brincar com ele, mas não consigo. Nem jogar videogame eu sei, porque estas coisas não são da minha época.” Mas procura compensar sua ausência da melhor maneira possível: "Quando estamos juntos, sou só dele, abraço muito, digo que o amo, conto histórias para dormir, estudo para as provas com ele. Os finais de semana são da minha família, não abro mão disso”.  

E encerra a entrevista com um recado para as mulheres friburguenses. "Tomem consciência de seu valor, não apenas de seu valor profissional, mas pessoal também. Cresçam como ser humano, tenham uma autoestima elevada e, sobretudo, vivam intensamente este presente que Deus nos deu que é o dom da vida.”  

 


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