A entrada do vírus no Brasil provavelmente se deu a partir de um campeonato de canoagem em março de 2015, em Pernambuco, onde recebemos vários atletas provenientes da Polinésia Francesa”
A Voz da Serra - Entre especialistas brasileiros, há quem considere estar havendo um alarde exagerado “dentro e fora do Brasil” quanto ao zika vírus. Argumentam que a dengue, sim, é um problema muito mais grave. De que forma a senhora alertaria a população para a diferença entre uma infecção e outra, e o controle sobre o mosquito?Delia Engel
Delia Engel - O vírus zika pertence à mesma família do vírus da dengue, febre amarela, encefalite do Nilo e encefalite japonesa. Destes todos, o zika é o que menos conhecemos. Temos 30 anos de epidemia de dengue no Brasil, e pouco se fez para prevenir uma doença que mata. O que conhecemos até hoje sobre o zika nos levou a crer que se tratava de uma doença mais branda com menor mortalidade que a dengue. Mas quando uma doença infecciosa atinge milhares de pessoas, aí sim vamos conhecer todas as formas de apresentação desta doença. O vírus zika foi identificado pela primeira vez numa floresta de nome Zika, em Uganda (África), em macacos “sentinelas”. Posteriormente atingiu a África, sudeste da Ásia e depois as ilhas do Pacífico, em especial a Polinésia Francesa. A população da Polinésia é pequena e a percepção de crianças com microcefalia só foi feita retrospectivamente após o enorme crescimento destes casos no nordeste do Brasil. A entrada do vírus no Brasil provavelmente se deu a partir de um campeonato de canoagem em março de 2015, em Pernambuco, onde recebemos vários atletas provenientes da Polinésia Francesa. O Aedes está presente em vários países, o que pode sem dúvida disseminar a doença. Com que proporção isso irá acontecer, não podemos saber hoje, haja vista que condições de saneamento básico e de clima estão diretamente relacionados. A propagação das doenças pode diminuir durante o inverno? Ou vai depender do quanto a estação estará realmente fria, menos chuvosa? Por outro lado, as únicas formas de se proteger do vetor é usando repelentes, evitar água parada e proteger o corpo de picadas?
O inverno é tradicionalmente uma estação com pouca chuva, consequentemente devem diminuir os focos do mosquito. Combater os focos de forma organizada e usar repelentes é o que temos hoje no sentido de prevenção. O mosquito voa por cerca de 100metros, por isso dizemos que os criadores estão sempre próximos ao local onde a pessoa se infectou, seja em casa ou no trabalho. Temos que procurar esses focos e destruí-los, mas os governos têm que fazer isso de forma coordenada e atuante. Não adianta cobrar só da população o que ela tem que fazer em casa sem que haja uma ação coordenada a todos os níveis, em especial a nível municipal. Quando surgiu a primeira epidemia de dengue no Rio de Janeiro, dizia-se que Friburgo não seria atingida por ficar a 800 metros de altitude sendo impossível para o mosquito atingir essa localidade. Na época, atendi pacientes com quadro clínico típico de dengue e todos haviam estado no cemitério da cidade no mesmo período. Não foi difícil achar focos do mosquito nos vasos de flores do cemitério. O mosquito chegou aqui “viajando" nos carros, ônibus, caminhões, assim como hoje se dissemina por avião para todo o planeta. Segundo o virologista Pedro Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas (PA), a dengue mata entre 25 mil e 50 mil pessoas por ano no planeta. A ONU demorou a dar um alerta global, só se posicionando agora que o zika se propagou até ser considerada uma epidemia, além de sua disseminação em vários países?
Com certeza, a dengue não recebeu a atenção que deveria ter recebido nesses últimos 30 anos. Para o infectologista e epidemiologista Celso Ramos Filho, da UFRJ, “está havendo um alarde exagerado dentro e fora do Brasil” em relação ao zika, porque a dengue, de acordo com ele, é um problema maior. Mas esse alerta pode servir para a população perceber a gravidade do problema e deixá-la mais atenta?
A dengue é um problema maior porque, até onde sabemos, se comporta de forma mais grave do que a infecção pelo zika, mas a microcefalia não está associada à dengue. Não há ainda prova científica de que esta alteração seja relacionada ao vírus zika, mas já há fortes evidências desta associação, e considero este fato muito grave. Cordeiro foi citada em reportagem recente do (jornal) O Globo como a capital fluminense da dengue, com o recorde de 589 casos confirmados em janeiro, em uma população de 20 mil habitantes. O fato de ser um município tão próximo de Friburgo, devemos redobrar a nossa atenção?
Sim. Mas, independente dessa proximidade, temos pacientes, foco e o mosquito em Nova Friburgo. E isso já é motivo suficiente para nos preocuparmos. Combate aos focos deve ser permanente Semana passada, a manchete de A VOZ DA SERRA, de 5 de fevereiro, alertava: “Casos de dengue não param de subir: agora já são 252”. Até então, o aumento havia sido de “117 casos em apenas uma semana” com registro de 15 gestantes com suspeita de zika vírus, em Nova Friburgo. Os dados foram divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde, baseados em levantamento feito entre 3 a 30 de janeiro deste ano. Há duas semanas, o município decretou estado de alerta contra as doenças causadas pelo mosquito. O governo municipal informou que montou uma força-tarefa com agentes de cinco secretarias municipais para combater o Aedes aegypti, e que está comprometida com o Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, do Ministério da Saúde, e com a campanha “Dez minutos salvam vidas”, instituída pelo governo estadual. O objetivo é mobilizar a população para intensificar o combate aos focos do mosquito no período com maior incidência, que ocorre nos meses de março, abril e maio. Portanto, todo cuidado é pouco. Essa batalha está só começando.
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