10 de maio: Notas de um moleque desocupado

sexta-feira, 09 de maio de 2008
por Jornal A Voz da Serra

A realidade anda braba. A dengue não acaba. Jogam criancinhas das janelas. A mídia com muito que falar. Nessas horas uma pizza de frango com catupiry vem a calhar.

Pizza vem sempre a calhar. É como um sopro de ar fresco em plena tarde abrasadora.

Você sabe do que estou falando, não sabe? O simples prazer de se pedir uma pizza; sentir a massa com a borda tostada e o queijo crocante entre os dentes, roçando o palato. O mundo parece um pouco mais leve, o dia, um pouco mais claro. Enquanto você come uma pizza, nada mais importa, nada mais machuca.

Primeiro de tudo, você sente o cheiro exalando da cozinha do restaurante. Um cheiro morno e sensual, aveludando o ar. O cheiro, ou melhor, o aroma (às vezes, uma palavra faz toda a diferença) entra suavemente por suas narinas e lhe abre o apetite. Abre a sua esperança em dois gumes.

Mas ela não vem. Ela virá, mas não agora. Você espera. Você espera por dez, quinze minutos.

O ar aromático banha a atmosfera. Você a deseja.

E lá está. Ela surge em sua vida, entra em sua vida, uma visão. Aproxima-se, dourada, morna, perfeita. O desejo é um elo entre você e ela. Uma corrente de prazeres. Ela o deseja tanto quanto você a deseja.

Você espera enquanto ela cruza o salão na sua direção. O salão se ilumina com o brilho dourado daquela presença.

Ela está ali, com você, e nenhuma palavra é dita; não é preciso. O elo do desejo se funde com sua realidade e se transforma em amor. Desejo e amor se tornam sua visão enquanto você sente o aroma doce que é exalado dela. Por um instante, você a ama. E aquele instante perdura. Você a ama, e por isso quer comê-la.

Sua boca a toca, você sente o gosto dela dentro de você. Você sente a textura cálida daquela presença em contato com você. Você a deseja ainda mais.

O mundo escuro fica do lado de fora. Ali dentro é só você e ela. Tudo é irrelevante. Tudo o que não seja desejo. Você a está comendo, e esse é o milagre do mundo. Essa é a esperança que se faz presente no mundo.

Você ama o desejo. Você deseja ter desejo. Deseja tê-la com você, para você. Por isso aquele momento é tão mágico, porque você a tem para você, você a tem com você.

Ela o preenche, faz com que se sinta vivo. O ato de comê-la é uma explosão de sensações. E todas essas sensações são deliciosas, tanto quanto ela própria. O ato em si é a junção dos átomos de dois corpos. O elo do desejo se fortalece, pulsa, torna-se vivo. O desejo é um fluxo condutor que desemboca em lugares misteriosos, como uma montanha-russa.

Você não quer parar de comê-la, e de fato não pára. Você segue em frente, percorrendo o rastro do desejo e se deixando invadir pelas sensações que germinam um jardim de delícias. Até que alguns momentos depois, você acaba de comê-la. A natureza é sábia; quando você acaba de comê-la, você se sacia.

Saciado, você se levanta, pede a conta e vai embora. Sim, o mundo se ilumina. Talvez tenha sido a pizza; talvez, não. Mas isso importa?

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