"Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos, e sabedoria para distinguir umas das outras”
Dalva Ventura
Os membros do AA (Alcoólicos Anônimos) e do NA (Narcóticos Anônimos) não concordariam muito com o título desta coluna. O que nós fazemos por Nova Friburgo? Como assim? A verdade, porém, é que as lideranças destes grupos realizam um trabalho importantíssimo para a cidade. Ali, quem tem problemas ligados ao alcoolismo e a dependência química pode compartilhar livremente suas experiências de sofrimento e dificuldades para se recuperar, sabendo que não ouvirá críticas nem receitas para parar de beber ou de se drogar.
Para quem não sabe, vale a pena explicar como atuam estas organizações que salvam a vida de milhões de pessoas pelo mundo afora. Todos os grupos atuam de acordo com a mesma filosofia, que se baseia na ajuda mútua e no anonimato de seus membros.
Nas reuniões eles confirmam o que já sabiam na prática. Não existe ex-alcoólico nem ex-dependente químico, mesmo que a pessoa esteja sem beber ou se drogar há anos. Por isso mesmo, os membros do AA e do NA nunca dizem que estão "curados” ou que nunca mais vão beber ou usar drogas, pois esta é uma doença incurável e insidiosa, que se aproveita do "primeiro gole” ou dos momentos de dor, insegurança ou fraqueza emocional para se instalar novamente. Não sem razão, a máxima que logo se aprende a praticar durante as reuniões é o "Só por hoje”.
Lá, os "companheiros”, como se chamam os membros da irmandade, encontram toda a compreensão e apoio que necessitam. Por serem todos alcoólicos ou adictos, sabem perfeitamente de que forma essa doença consegue atingi-los e as táticas que precisam utilizar para se manter sóbrios. Sim, doença. E não vício, como alguns ainda insistem em classificar. Tanto o AA como o NA encaram o alcoolismo e a adicção como uma doença — física, mental e espiritual —, doença esta progressiva, incurável e de término quase sempre fatal. A melhor receita para controlar este mal é mesmo tomar a decisão de se abster do álcool e das drogas. E não há nada mais eficiente para não fraquejar: frequentar um grupo.
Reunião de AA
Para fazer esta reportagem, participamos de uma reunião aberta do AA. Fazia muito frio, mas naquela sala o clima era dos mais calorosos. Ali, cerca de trinta pessoas provenientes de todos os níveis sociais, muitos adolescentes e também pessoas mais velhas, falaram de suas vidas e de como a bebida destruiu suas famílias, suas carreiras e o relacionamento com os filhos. Durante duas horas, ouvimos depoimentos tão pungentes e sofridos que durante alguns momentos era difícil conter as lágrimas.
No começo, um dos coordenadores descreveu o programa do AA, lembrando aos presentes (alcoólicos ou não) que os depoimentos, opiniões e interpretações que ouvíssemos ali "deveriam ficar ali”. Por isso mesmo, apesar da reunião ser aberta e de nossa intenção ser a melhor possível, isto é, divulgar o trabalho para que outras pessoas possam se beneficiar dele, não entraremos em detalhes sobre o que se passou dentro daquela sala. Os membros de AA, assim como do NA, sabem o que estão fazendo ao preservar ao máximo seu anonimato pessoal e de seus companheiros. Numa cidade relativamente pequena como a nossa, todo cuidado é pouco. Muitas pessoas, inclusive, deixam de ir às reuniões do AA e do NA com medo de serem taxadas de "beberrão”, "viciado” e coisas desse tipo.
Portanto, vamos descrever o que aconteceu naquela sala sem entrar em detalhes nem, muito menos, possibilitar a identificação dos participantes. Mesmo na presença de estranhos, como eu, os "companheiros”, como se chamam entre si, falaram de suas dificuldades para se manter sóbrios e depois abordaram alguns pontos do programa de recuperação. O coordenador abriu a reunião falando sobre sua própria experiência com a bebida e o que o levou a entrar para o AA. Antes de passar a palavra para outros membros, expôs sua ideia pessoal sobre o programa de recuperação e o que a sobriedade significou para sua vida e de sua família.
A seguir, alguns membros falaram de seus problemas com o álcool, de sua recuperação, e um deles fez questão de destacar uma recaída. "Eu estava sóbrio há dez anos, achei que podia tomar uma cervejinha. Pronto. Bastou uma e voltei a beber compulsivamente. O álcool pega a gente nos momentos ruins, mas nos bons também. Quem é alcoólatra tem que se afastar da bebida para sempre mesmo, não tem jeito”, disse.
Outro depoimento pungente foi o de uma mulher que contou ter uma série de problemas graves quando procurou o AA pela primeira vez. Problemas envolvendo dinheiro, família, emprego, tudo. "Eu sabia que não me controlava com bebida, mas só depois de frequentar muitas reuniões pude ver que meus outros problemas eram causados pelo álcool. Foi terrível parar de beber. Eu achava que não ia conseguir, pois onde a gente vai tem bebida”, disse.
Ela contou que todos os dias recitava para si mesma o "Só por hoje”, mas era só passar na frente de um bar que vinha aquela vontade de beber. "Recaí diversas vezes, nem sei quantas vezes. Cada vez que isso acontecia era aquela sensação de fracasso, derrota e vergonha. Que alívio chegar aqui e poder compartilhar com os companheiros sabendo que não ouviria críticas nem comentários negativos”. Ela levou meses até conseguir chegar perto de uma tulipa de chope sem voltar a beber.
Hoje, diz, não se sente privada de nada. Pelo contrário, sente-se livre e sua vida ganhou uma nova dimensão. "Tenho novos amigos, novos horizontes e novas atitudes. Após anos de desespero e frustração, senti que só depois que parei de beber comecei realmente a viver”, declarou, acrescentando que gosta de compartilhar essa nova vida com qualquer pessoa que ainda sofra com o alcoolismo, como ela sofreu, embora não tente fazer a cabeça de ninguém. "Cada um tem a sua hora de chegar e neste momento será recebida com os braços abertos como eu fui”, insiste.
Ela concluiu sua fala dizendo que o melhor de tudo foi descobrir que a origem de seus outros problemas era o álcool. Uma vez controlado este, conseguiu, com sucesso, resolver os outros. E os depoimentos se seguiram, cada um mais tocante. Pessoas que estavam há mais de vinte anos sem beber e se continuavam se dizendo alcoólicos e, como tal, não deixavam de frequentar as reuniões. Já tinham "trocado de ficha”, isto é, comemorado períodos consideráveis sem beber.
Depois de um intervalo para um cafezinho e um chocolate quente com biscoitos e o recolhimento de uma contribuição para manter o grupo, a reunião prosseguiu com a leitura de um dos pontos que integram o programa do AA. Ao final, os presentes foram convidados a dar as mãos e recitar a "Oração da Serenidade” (quadro acima). Saio de lá com a sensação de que só o AA pode, mesmo, ajudar alguém a se livrar do alcoolismo.
Narcóticos Anônimos, Al-Anon e Nar-Anon
O NA funciona de maneira absolutamente idêntica a do AA. Com uma diferença. Os participantes, em sua maioria, jovens, são dependentes de drogas. Muitas, inclusive, participam de ambos os grupos. O programa implica, naturalmente, numa abstinência de todas as drogas.
Outros grupos de anônimos importantíssimos são os Grupos Familiares Al-Anon e Nar-Anon, onde mulheres, filhos, amigos e parentes de adictos em recuperação compreenderam que também precisam de ajuda para resolver seus problemas pessoais.
Quem tem um familiar ou amigo dependente químico sabe o quanto é difícil conviver com este drama. Nos grupos é possível compartilhar experiências, somar forças e ter esperanças, ajudando a si mesmos a lidar com isso. O programa também utiliza os Doze Passos e aprendem que tanto o alcoolismo como a drogadição são doenças familiares e mudanças de atitudes podem colaborar com a recuperação.
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