Álvaro Ottoni
Tanto o processo de alfabetização como as ações de incentivo à leitura devem ter por foco formar o leitor. Afinal de contas é o primeiro passo que se dá em um caminho longo de ler e ver o mundo e ainda por cima com lentes que vão se ampliando para melhor se decifrar a realidade.
Não é mais suficiente somente ler. É preciso mais, muito mais. É preciso saber ler. É o saber ler que permite perguntar , questionar, comparar, que permite o nascimento e o desenvolvimento da capacidade de análise e de crítica. Eis o sentido pedagógico da leitura. Infelizmente, a grande maioria dos professores brasileiros ou não tem esse conhecimento ou não sabe com quais instrumentos se munir para a condução do processo.
Essa realidade aponta para a necessidade premente e constante de capacitação de nossos mestres. Tinha toda razão George Steiner ao afirmar que ler corretamente é vencer grandes riscos. É tornar vulnerável nossa identidade, nosso autodomínio. Sem dúvida, é esse tipo de leitura que permite a iluminação da realidade. Mas como formar esse leitor?
Pode ser que existam vários caminhos, mas nenhum se iguala ao da escola pública de qualidade, que é o lócus privilegiado para a aquisição dos instrumentos necessários para uma leitura crítica do mundo. É o lócus insubstituível onde podem e devem ser construídos os alicerces para que cada aluno-sujeito dê início a uma trajetória de crescente autonomia intelectual, de forma a garantir permanente aquisição e domínio de saberes. E como anda a escola pública brasileira? Que escola? Melhor perguntar assim. Nosso senador, o educacionista Cristovam Buarque nos chamou a atenção para o fato do professor ter três membros: cabeça, coração e bolso. O terceiro membro o Estado ignora. E os dois primeiros dependem fundamentalmente do nosso desejo, como educadores, de investir em nossa formação, de assumir o compromisso de constante renovação. Transformar-se para poder sempre melhor transformar.
Mas voltemos ao assunto escola e também em comunhão com nosso querido senador eduacionista ( aliás, ser educacionista é uma obrigação nossa) Capacitar professores para atuar em que palco? Pois a escola no nosso país inexiste.Escola que não atua em tempo integral não é escola. Escola que não oferece as mínimas condições físicas, não é escola. Escola que apresenta a necessidade do multiseriado não é escola. Escola que não privilegia a leitura não é escola. Escola cujo corpo docente mal lê não é escola. Escola que não oferece atividades artísticas diariamente, não é escola, etc..etc..que também a escola não apresenta e sem o etc a escola não é escola.
A renovação do ensino, o nascimento da verdadeira escola, além da óbvia vontade política, passa primeiro pela renovação, pela capacitação do mestre, para que ele possa assim influenciar o meio. No tocante à leitura, por exemplo. Se é verdade que a escola pode desempenhar papel dos mais relevantes no processo de formação do leitor, é importante sublinhar que essa potencialidade só se explicitará, plenamente, na medida que o projeto pedagógico dessa nova escola colocar o ensino da língua em posição privilegiada, ou seja , o estudo da língua precisa ser finalmente entendido como veículo de interseção lúcida do estudante no circuito de ideias de seu tempo. O domínio das ideias e da cultura, que caracteriza o tempo histórico no qual o estudante se acha inserido , é de grande alcance para ampliar o significado das diversas leituras que se tornarem necessárias.
Para se ter uma ideia de como é importante a leitura – vale frisar que a renovação só se começa com a leitura, ou seja, a capacitação dos professores e a construção de uma verdadeira escola só pode começar pela leitura e consequentemente pelo letramento – podemos voltar a George Steiner quando afirma que as ciências reformularão nosso meio ambiente e o contexto de lazer ou subsistência no qual a cultura é viável. Contudo, embora tendo inesgotável fascinação e constante beleza, as ciências naturais e matemáticas só raramente são de interesse fundamental. Com isso quero dizer que acrescentaram pouco a nosso conhecimento ou controle das possibilidades humanas, e que comprovadamente existe mais compreensão da questão do homem em excelentes livros infantis e infanto-juvenis, nas fábulas, nos clássicos, em Homero, Shakespeare, Fernando Pessoa ou Dostoievsky do que em todas a neurologia ou estatística.
De fato há muito e muito a ser reformulado nas escolas de educação básica, no sentido de renovar o conteúdo e a prática pedagógica para que o aluno vislumbre um futuro mais cheio de significados. E o melhor caminho para a formação do leitor é a instauração de uma escola de qualidade para todos e de todos, sem o que, qualquer remendo que se fizer a posteriori será sempre insuficiente para que o domínio da palavra e da escrita seja, de fato, um instrumento de libertação e dignidade humana.
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