Passado o mês de aniversário (comemorado em 14 de agosto), o Centro de Referência da Mulher (Crem) continua em ritmo acelerado no combate à violência contra a mulher e no resgate da dignidade das vítimas. São três anos de trabalho e mais de dois mil atendimentos. Ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social e filiado à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal, o Crem foi criado a partir de uma estatística elaborada pela ONG Ser Mulher, que realiza um trabalho de orientação às mulheres vítimas de violência.
Ao longo de sua existência o Crem teve três coordenadoras, atividade atualmente desempenhada por Eliana Pólo. Diferente da forma como vinha se desenvolvendo, o Crem passou a atuar mais diretamente nos problemas que chegam ao conhecimento da equipe interdisciplinar. São 40 atendimentos por mês e a equipe - formada pela assistente social Renata Amaral, a psicóloga Patrícia de Sá, a advogada Rosângela Cassano e as acolhedoras Sandra de Souza e Rosineia de Castro - pauta suas funções na palavra compromisso.
No Crem, com sede na Avenida Alberto Braune 223 (antiga Rodoviária Leopoldina), a equipe acompanha os casos e trabalha para garantir a integridade física, emocional e patrimonial das pessoas assistidas. “Nós vamos com as mulheres até a delegacia, onde são feitos os registros de ocorrência, e depois acompanhamos o processo até o fim”, explicou a advogada Rosângela Cassano. “E não só na questão legal, mas nossa psicóloga também fica atenta aos atendimentos de outras instituições para onde encaminhamos as vítimas de violência”, acrescenta Eliana Pólo, explicando que o atendimento interdisciplinar é um grande diferencial no combate à violência, seja esta institucional, sexual, social, física, emocional ou patrimonial.
Parcerias tornam possível a realização do trabalho
A parceria também tem sido uma forma muito usada pela coordenadora Eliana Pólo e sua equipe para a resolução de problemas. “Há situações em que a vítima não pode regressar para sua residência. Neste caso, contamos com a boa vontade de amigos para abrigar essas mulheres. Já temos uma Casa de Acolhimento em outra cidade que recebe nossas assistidas”, relata a coordenadora.
O Judiciário também tem apoiado o trabalho do Crem. “O juiz Ronaldo Leite Pedrosa (Juizado Especial Criminal) e o promotor Frederico Rangel Albernaz (Promotoria do Juizado Especial Criminal e Violência contra a Mulher) são parceiros importantes. Através da atuação deles nós conseguimos as medidas protetoras, permitindo à mulher conquistar seus direitos e garantindo sua integridade física e moral”, relatou Rosângela Cassano.
Os casos envolvem mulheres de todas as idades e classes sociais. Quando chegam ao Crem todas são iguais, pois precisam da mesma coisa, serem acolhidas. Mas há questões que dificultam o bom andamento do trabalho. A cultura machista, implantada ao longo dos séculos e que ainda persiste, a religião, que através de seu líder impõe a submissão total, mesmo que sofrendo violência, e o despreparo de funcionários públicos de diversos setores ajudam no alto índice de pessoas que desistem de buscar auxílio.
Dentro da visão implantada pelo Crem, um programa educativo para os agressores também vem se tornando uma ferramenta de grande valia para os bons resultados obtidos. As penas alternativas muitas vezes se transformam em tratamento psicológico para os agressores, proporcionando aos homens a possibilidade de mudar de atitude. O Crem tem ainda projetos para angariar recursos visando à implantação de trabalhos de prevenção e orientação em comunidades onde possa apoiar vítimas de discriminação e difundir o conhecimento sobre as questões que envolvem violência contra a mulher.
Projetos ajudam no resgate da dignidade
Dois projetos elaborados pela coordenadora do Crem, Eliana Pólo, vêm sendo preparados para implantação. Os programas funcionarão com recursos do governo federal e pretendem alcançar moradores da Janela das Andorinhas e educadores das escolas da rede municipal.
O primeiro projeto é o Cozinha-Escola da Janela das Andorinhas. O objetivo é promover a autonomia econômica e financeira das mulheres agricultoras, ensinando-lhes gerenciar os recursos provenientes de seu trabalho, com reaproveitamento de sementes e cascas, panificação, fabrico de multimistura (aproveitando folhas e semente da abóbora e da batata-doce, arroz integral, girassol, linhaça e gergelim), compotas e geleias.
O projeto prevê a reforma e restauração do prédio e salão onde já funcionou uma cozinha-escola; a compra de uma Van para o transporte das mulheres rurais, professores e produtos; compra de um computador e de utensílios para a cozinha, elaboração de cartilhas e capacitação de profissionais para a instrução.
O outro projeto - Pensando nas Escolas - estimulará os educadores da rede municipal de ensino a discutir e difundir o conhecimento sobre as questões de gênero e violência contra a mulher nas salas de aula. “Este projeto desenvolverá junto aos educadores, responsáveis que são pela formação das crianças, a consciência da mudança urgente de padrões arcaicos e injustos para com as mulheres e meninas”, explicou Eliana Pólo.
O projeto prevê ainda a divulgação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Cerca de 150 educadores (diretores e dirigentes) ligados à educação dos níveis infantil e fundamental serão orientados a serem multiplicadores para os demais educadores.
O que toda mulher deve saber para se proteger de uma situação violenta
Mesmo com garantia expressa na Constituição Federal de que homens e mulheres são iguais perante a lei, esta não é a realidade no país. Em um de seus artigos, a Carta Magna prevê o direito a não ser submetido a torturas e maus-tratos. Neste caso, para ambos os sexos, mas são as mulheres sempre as principais vítimas do desrespeito à lei.
O livreto contando a história da personagem Marlene, criado em 2007, expõe a triste realidade de milhares de mulheres em todo o país. Com pouca instrução, quatro filhos, um marido ciumento, alcoólatra e agressivo, a personagem é vítima de espancamentos do companheiro e só consegue se libertar do problema após procurar ajuda. Como forma de orientação, o Crem disponibiliza um prospecto como suporte para as vítimas e tem ainda o telefone 2525-9226 para atendimento e difusão do seguinte plano de proteção:
· Guarde sempre com você números de telefones de urgência;
· Na hora da agressão evite locais como cozinha e banheiro (onde haja facas, objetos perigosos, superfícies cortantes e espaços reduzidos);
· Evite locais onde haja armas;
· Nunca use uma arma para ameaçar o agressor, ele pode se voltar contra você;
· Identifique as saídas de emergência da casa. Se pressentir os ataques, saia antes que eles aconteçam;
· Se precisar fugir, leve as crianças;
· Cheque os locais próximos que ofereçam segurança;
· Se tiver carro, mantenha cópias das chaves em locais seguros;
· Mantenha algum dinheiro extra escondido;
· Guarde cópias de seus documentos e das crianças em local seguro;
· Fale sobre a situação para pessoas em que você confie e combine com elas algum esquema de proteção em caso de emergência;
· Procure ajuda: não deixe a vergonha e o medo impedirem você de denunciar o crime.
Dignidade resgatada e alma restaurada
A baixa estima das vítimas de violência é um dos grandes desafios da equipe interdisciplinar do Centro de Referência da Mulher. Acolhedoras, assistente social, psicóloga, advogada e a coordenadora, trabalham com afinco para devolver a essas mulheres a dignidade e a vontade de viver feliz.
A advogada Rosângela Cassano definiu a atividade do Crem com a palavra compromisso. “O Crem tem a mesma cara, mas com maquiagem e roupa diferentes. Buscamos a restauração da alma e o resgate da dignidade”, ressalta a advogada, que doa boa parte de seu tempo profissional para acompanhar as vítimas nas audiências, gratuitamente.
O trabalho vem rendendo bons frutos. São diversos processos encaminhados ao Juizado Especial Criminal, o que foi testemunhado por duas das assistidas que estiveram diante do juiz com a advogada do Crem para a realização de audiências.
No Fórum Rivaldo Pereira Santos encontramos duas das mulheres atendidas pelo Crem. As histórias são parecidas e, nos dois casos, as vítimas concordam que o trabalho desempenhado pela equipe do Crem foi importante para que tomassem a decisão de levar seus agressores à Justiça.
Casada há 43 anos e mãe de três filhos, Alínea Mendes dos Santos, 63 anos, decidiu pedir o divórcio. O motivo: os anos que sofreu com as ofensas, difamação e prejuízos causados pelo marido alcoólatra. O dinheiro de seu comércio era usado para a bebida e sempre que reclamava ele ameaçava tocar fogo em todo o patrimônio da família.
O problema, segundo Alínea, aumentava todas as vezes que ela falava de separação. “Ele dizia que, se eu o deixasse, compraria uma arma para me matar. Em abril de 2008 ele tentou me matar com uma pedra e no mês seguinte comecei a buscar apoio, em primeiro lugar de Deus, depois do Crem”, relatou.
“Já dormimos separados há quatro anos e não desejo mais ver o quebra-quebra dentro de minha casa quando ele é contrariado em alguma coisa. Sei que ele tem outras mulheres e não quero mais viver essa situação”, concluiu Alínea, que está aguardando que ele cumpra a determinação do juiz Ronaldo Leite Pedrosa e dê entrada no divórcio.
Outro caso é o da auxiliar de serviços gerais Ana Lúcia Cirino, 22 anos. Ela foi casada por oito anos e viveu bem somente os três primeiros meses. “Tinha 15 anos quando começaram as agressões. Ele cortou minhas amizades e me impedia de ir à casa de minha mãe. Saí de casa três vezes e ele foi me buscar com uma arma de fogo”, contou.
A falta de um lugar para ir fez com que a então adolescente demorasse a tomar uma providência quanto às agressões do marido ciumento. O uso de drogas e bebida fez com que o dinheiro que a jovem ganhava no trabalho fosse usado por ele para sustentar seus vícios. Mesmo com uma filha, o casamento foi perdendo sua razão de continuar e a coragem de dar a volta por cima aconteceu depois que a patroa de Ana Lúcia encorajou-a a procurar a polícia e o Crem. “Não tinha para onde ir e o Crem me encaminhou para uma casa-abrigo, onde morei por seis meses. Fiz curso de garçonete e minha filha foi para o colégio. Lá recebemos assistência psicológica, social e consegui emprego. Recuperei minha autoestima e aluguei uma casa para mim e minha filha (hoje com 7 anos) e uma amiga, também vítima de violência. Hoje trabalho, saí da depressão e tive minha dignidade restaurada”, diz a jovem, que conseguiu a medida protetiva impedindo o agressor de ter contato com ela, estabelecendo que a filha pode estar com ele de 15 em 15 dias, mas tem que buscá-la no Conselho Tutelar do Rio de Janeiro.
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