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A broa de milho com legumes crus se torna um patrimônio friburguense
No passado, não faltavam nas propriedades rurais e nos quintais das residências de nossos ancestrais, roças de mandioca e de milho. Este último alimentava homens e animais. Cavalos, mulas, vacas, bois, suínos, ovelhas, patos, gansos, galinhas e perus todos eram alimentados com milho. O gado ganhava “mãos de milho” duas vezes ao dia de seu dono. Os colonos suíços se dedicaram às culturas de batata, feijão, arroz, mamona e notadamente de milho em Nova Friburgo. Havia compradores certos, as tropas de mula pejadas de café que saíam de Cantagalo e seguiam rumo a Porto das Caixas.
Transitando por Nova Friburgo adquiriam o excedente do milho produzido na colônia. Com a proibição do tráfico intercontinental de escravos em 1850, os fazendeiros de Cantagalo limitaram sua força produtiva, ou seja, os seus escravos, ao plantio do café. Consequentemente, passaram a consumir mais milho para a alimentação de suas tropas contribuindo com o desenvolvimento do produto cultivado pelos colonos suíços, o milho.
A alimentação quotidiana dos colonos consistia em carne de porco, feijão, batata, pão de milho, leite, ovos, hortaliças e quase todos faziam uso do café mais de uma vez ao dia, nos informa o juiz de direito Cansanção de Sinimbu, em meados do século 19. Teria sido o pão de milho a que se refere Sinimbu, a broa de milho que os seus descendentes fazem nos dias de hoje? Existe um tipo de broa de milho feita pela comunidade rural de Nova Friburgo que leva na sua composição legumes crus.
Verifiquei a sua existência nos distritos do Campo do Coelho, Amparo e Lumiar entre as famílias descendentes de colonos suíços, como os Mozer e alemães como os Schuenck e os Eltz. Além da farinha de milho adicionam legumes como batata doce, chuchu, inhame, cabeça de inhame, cará, abóbora e mandioca, todos ralados crus. O ingrediente básico é a farinha de milho, o fubá, que pode ser branco ou amarelo, ou mesmo ambos. Entra igualmente na composição da broa açúcar, banha de porco, óleo, margarina, farinha de trigo, leite, ovos e fermento.
A massa da broa de milho pode ser envolvida em folhas de bananeira ou de caeté. São assadas em um forno de barro que fica no quintal da residência. Tudo indica que os legumes crus adicionados era uma forma de dar mais rendimento a massa. A broa de milho com legumes crus é uma tradição passada de geração em geração pela comunidade rural de Nova Friburgo, um precioso saber local. Além da singularidade de seus ingredientes e modo de fazer, a exemplo da massa ser envolvida em folhas de bananeira ou caeté e assada em forno de barro, a sociabilidade no momento de sua elaboração é outra importante característica.
Por iniciativa do vereador Joelson José de Almeida Martins, conhecido como Joelson do Pote, a broa de milho com legumes crus foi reconhecida através de lei municipal como patrimônio cultural de Nova Friburgo. Nesse caso, a municipalidade garante a continuidade de expressões culturais referentes à memória e à identidade para o conhecimento das gerações presentes e futuras. Essa guloseima reconhecida como patrimônio cultural ganha um registro no Livro dos Saberes, em razão do conhecimento e modo de fazer enraizados no cotidiano das comunidades rurais de Nova Friburgo.
Existe ainda outro aspecto interessante. Tanto os Mozer como os Schuenck comem a broa com chimirra. Mas o que é chimirra? Trata-se de um queijo resultado do aproveitamento do leite que azedava facilmente no passado. Atualmente com a geladeira, dificilmente o leite azeda e então recorre-se ao vinagre de maçã ou ao limão para que o leite coalhe para a elaboração da chimirra. Três colheres de vinagre ou de suco de limão em um litro de leite realizam o processo e em meia hora já se pode usar o leite talhado para fazer a chimirra. Pode-se escorrer o produto em um pano ou em um escorredor para tirar o soro da “massa”. A essa fase se denomina “colocar a chimirra pra quará.” Acrescenta-se somente sal. Assemelha-se muito ao queijo do tipo cottage.
Quando estive no Cantão de Fribourg em um chalé nos pré alpes, os denominados “chalets d’alpage”, para assistir a elaboração do queijo “gruyère”, os queijeiros fizeram ao final o “sérac” com o leite ralo que sobrou do “gruyère. É um queijo branco e fresco a partir do “petit-lait” e que chamaríamos de leite magro, pois toda a gordura se concentrou no “gruyère”. Quando vi a chimirra na região rural de Nova Friburgo fiz imediatamente a associação com o “sérac” que conheci no Cantão de Fribourg. Seria uma tradição dos colonos suíços? O nome chimirra seria uma corruptela do “sérac” levando ainda um toque do patoá, dialeto no qual falavam alguns colonos suíços? Quem sabe não teremos mais uma manifestação cultural tombada como patrimônio cultural e histórico em Nova Friburgo.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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