Graças a seu talento e tenacidade, o friburguense Ulisses Coutinho Amaral, de 29 anos, acaba de viajar para Sydney, na Austrália, para fazer mestrado em regência no Conservatório de Sydney, na Austrália. Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ulisses passou por uma seleção rigorosíssima, disputando uma vaga com 135 jovens maestros do mundo todo.
Serão dois anos de muito estudo, porque além da parte teórica de pesquisa, da elaboração da tese, ele terá de enfrentar uma carga enorme de disciplinas práticas, inclusive a preparação de quatro concertos durante este período.
Ulisses embarcou na semana passada junto com sua mulher, a advogada Iriana , e já está se preparando para iniciar suas aulas com o renomado maestro Imre Palló. Uma honra e tanto. Palló foi aluno do grande Hans Swarowsky, que foi professor, entre outros, dos regentes Claudio Abbado, da Filarmônica de Berlin e Zubin Metta, da Filarmônica de Israel.
O maestro friburguense conheceu o maestro que lhe abriu as portas durante um dos inúmeros festivais de Campos de Jordão do qual participou. Palló gostou de sua técnica de regência e o convidou para fazer o processo seletivo. Ao receber o portfólio e as gravações, Palló respondeu prontamente, afirmando que se as credenciais de Ulisses fossem aceitas, teria prazer em tê-lo como aluno. “Na verdade, tudo dependia dele. Se o maestro bloqueasse meu ingresso de nada adiantaria passar pela seleção que meu ingresso seria negado”, conta.
Ele achava que tinha chances de ser aceito, pois teve um contato muito bom com Palló quando de sua estadia no Brasil, mas confessa que ficou surpreso, pois a vaga foi muito, muito concorrida. Além do mais, além da vaga no mestrado em si, precisava conquistar também uma bolsa, pois não teria condições de bancar sua estadia naquele país. O fato de Ulisses morar no Brasil e a seleção ter sido toda feita on- line, com exceção da entrevista, que aconteceu pelo telefone, também poderia, teoricamente, tê-lo prejudicado.
Mas o fato é que seu projeto de pesquisa empolgou todo o Departamento de Musicologia e Antropologia Musical da Universidade de Sydney. E não sem razão. O músico se propôs a trabalhar com um material inédito até então, abordando um compositor brasileiro que é praticamente desconhecido entre nós, Henrique Oswald. “Ele é considerado, junto com Villa-Lobos, um dos maiores compositores brasileiros, mas tem pouquíssima coisa dele aqui”, explica.
Filho de europeus, Oswald saiu do país com 15 anos e só voltou na década de 20, com o modernismo entronizando o folclore, a cultura nacional e Villa-Lobos tornando-se o maior ícone musical do país. Mas Henrique Oswald não fazia aquele tipo de música. Portanto, suas composições quase não eram executadas, salvo na Escola de Música da UFRJ, onde chegou a ser, inclusive, diretor.
De ministro de música até, quem sabe, a regente de uma grande orquestra
Antes de se decidir pela música, Ulisses pensou em fazer alguma coisa na área de exatas, pois era muito bom em física, química, matemática. Mas, aos 16, 17 anos, acabou se decidindo pela carreira musical. A opção pela regência aconteceu naturalmente, logo que entrou na universidade. Claro que lá dentro estudou todos os instrumentos, com um carinho especial pela flauta, pelo violino e pelo piano, mas seu instrumento sempre foi a batuta.
E também neste particular deu uma sorte danada, pois das universidades brasileiras, a melhor para o regente, diz, é mesmo a UFRJ. “As outras universidades, seja a USP, seja a Unesp, até mesmo a de Brasília, geralmente o aluno não pega na orquestra”, conta. “Já na UFRJ os alunos estão sempre regendo a orquestra, ensaiando um trecho, isso tudo acaba nos dando uma certa tarimba”, continua.
Ulisses cansou de ouvir insinuações se não teria se arrependido de sua escolha. Estudar música num país como o Brasil já representa, por si só, um enorme desafio. Regência, então, só se for maluco. Afinal, cada orquestra só tem um maestro. Já violinistas, por exemplo, tem pelo menos uns 40.
E então? Onde e como um maestro pode ganhar a vida? Ulisses nunca se preocupou muito com isso, não. Longe de ter vida mansa e família rica, o que sempre o moveu foi uma fé inabalável. Primeiro em Deus, “que tudo provê” e, por que não, em si mesmo, no seu taco.
E, assim como estas questões não influenciaram na hora em que escolheu a regência, ele também jamais se arrependeu dela. “Nunca tive dúvidas, apesar de ter ralado muito aqui. Ganhar dinheiro é uma questão crucial, mas um dos males da sociedade contemporânea é que as pessoas deixam de fazer aquilo que elas realmente gostam em função do dinheiro”, diz.
Claro que periodicamente ele tinha suas crises, “mas Deus estava sempre ali me sustentando e me dando forças para persistir e conquistar meu espaço”. Evangélico convicto, Ulisses é membro atuante da Igreja Batista Central e desde que entrou na faculdade vem ganhando seu sustento como ministro de música.
Sem querer menosprezar esta profissão, o fato é que agora Ulisses vai ter a oportunidade de ir muito além dos cultos. Está realizando um de seus sonhos, o de estudar fora do país e, certamente, vai voltar com muito mais tarimba e reconhecimento. Afinal, diz ele, o Brasil tem maestros importantes, como Isaac Karabichewsky, Roberto Minczuk e tantos outros, mas infelizmente, temos pouquíssimas orquestras. Tomara que daqui a algum tempo, já de volta ao país, Nova Friburgo possa ver um filho da terra, Ulisses Amaral, regendo uma delas.
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