Professor de História analisa os 131 anos da Lei Áurea, completados nesta segunda

“O racismo é algo presente na sociedade e deve ser combatido o tempo todo”, diz Rodrigo Marreto
segunda-feira, 13 de maio de 2019
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
Professor de História analisa os 131 anos da Lei Áurea, completados nesta segunda

Há 131 anos, era extinta a escravidão no Brasil através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel. O processo abolicionista foi também resultado de uma luta política, que mobilizou alguns políticos da época que se empenharam em ajudar a Princesa a aprovar a Lei Abolicionista.

A escravidão chegou ao fim, o ex-escravo tornou-se igual perante a lei, mas isso não lhe deu garantias de que ele seria aceito na sociedade, por isso os recém-libertos passaram dias difíceis mesmo com o fim da escravidão. Diferente do que aconteceu nos Estados Unidos, no Brasil, após o fim da escravidão, os ex-escravos foram abandonados à própria sorte.

Sem acesso à terra e sem qualquer tipo de indenização por tanto tempo de trabalhos forçados, geralmente analfabetos, vítimas de todo tipo de preconceito, muitos ex-escravos permaneceram nas fazendas em que trabalhavam, vendendo seu trabalho em troca da sobrevivência. Aos negros que migraram para as cidades, só restaram os subempregos, a economia informal e o artesanato. Com isso, aumentou de modo significativo o número de ambulantes, empregadas domésticas, quitandeiras sem qualquer tipo de assistência e garantia; muitas ex-escravas eram tratadas como prostitutas. Os negros que não moravam nas ruas passaram a morar, quando muito, em míseros cortiços.  O preconceito e a discriminação e a ideia permanente de que o negro só servia para trabalhos duros, ou seja, serviços pesados, deixaram sequelas desde a abolição da escravatura até os dias atuais.

Os mais de 300 anos do sistema que matou, maltratou e marginalizou milhões de negros no Brasil ainda hoje tem reflexos bem vivos na nossa sociedade. O professor de História Rodrigo Marreto falou um pouco sobre as consequências do 13 de maio de 1888.

AVS: 131 anos depois, a escravidão foi abolida mesmo?

Rodrigo Marreto:  O grande problema é que só a escravidão foi abolida, as propostas dos principais abolicionistas não entraram pauta, como reforma agrária, inserção educacional, cidadania plena. Tudo isso poderia ter produzido um país muito diferente do que temos hoje e grande parte da desigualdade social de hoje vem desse período da escravidão.

Que Brasil surgiu a partir da Lei Áurea?

É um Brasil que se concentra apenas na liberdade do cativeiro, mas sem a integração dos indivíduos na sociedade brasileira. Portanto ela esvazia os conteúdos sociais do abolicionismo e garante a manutenção no poder dos mega fazendeiros, concentração da terra, entre outras coisas. O Brasil que emerge é um Brasil com racismo estrutural, relações étnico-raciais que privilegiam o branqueamento por uma lógica eurocêntrica. E aí vem uma sequência histórica como o racismo científico, dos grandes casarões admirados, que foram reformados e as senzalas esquecidas. Temos grandes escravistas homenageados na região com nome de praças, ruas, comendas, como temos na cidade a Comenda do Barão de Nova Friburgo – o maior escravista da região talvez um dos maiores do império, junto com a família Breves.

A data é um símbolo de resistência e resgate dessa memória?

O 13 de maio é um ponto de partida e não um ponto de chegada. Essa data não resolveu os problemas e é uma fresta para as resistências negras, de ex-escravos, que resgatam essas memórias. Um grupo de historiadores da UFF e da Unicamp vem resgatando essas memórias do cativeiro.

Em entrevista para a apresentadora Luciana Gimenez, o presidente Jair Bolsonaro disse que "Racismo é coisa rara no Brasil”. O quão grave é essa afirmação, vindo principalmente de alguém que ocupa esse cargo? E que reflexo e consequências surgem a partir de uma declaração como essa?

Não da para medir o quão grave é essa afirmação. Da pra medir o desconhecimento do presidente em relação a sociedade brasileira e à história do Brasil. Esse baixo nível de conhecimento era latente antes mesmo das eleições. Não sei se essa declaração vai impactar na ação de pessoas racistas ou se vai legitimar ações racistas, mas é tenebroso ver um presidente que desconhece a história brasileira e a sociedade que a gente vive, onde o racismo é algo tão presente.

O quão entranhado está na cultura brasileira a figura do negro e da cor preta como algo ruim?

Esse é o racismo estrutural, colocar o negro ou a cor preta como algo ruim. Em expressões, ditados, ela faz parte desse racismo estrutural. As pessoas nem percebem que usam expressões que acabam por rebaixar os negros. Esses mais de 300 anos em que tivemos a escravidão ele não é apagado de uma hora pra outra. Vai demorar muito tempo para que a sociedade volte a equilibras as relações e colocar no devido lugar as pessoas com origens negras e da escravidão. São problemas muito graves porque como eles permeiam na sociedade até de forma imperceptível. A Lei Áurea mudou a situação jurídica do escravo, mas as condições de trabalho, inserção na sociedade, nada foi feito quanto a isso.

É possível erradicar o racismo?

Não sei se é possível, mas o Estado pode tomar medidas para diminuir as diferenças sociais e socioeconômicas entre os indivíduos e com isso inserir grande parte dos negros nessa sociedade com postos diferentes daqueles que costumeiramente tem. É complicado falar em “erradicar o racismo”, mas o papel do professor e do Estado é exatamente alertar para esse problema e mostrar que o racismo é algo presente na nossa sociedade e que deve ser combatido o tempo todo.

 

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