A VOZ DA SERRA: Ao explicar as razões de seu pedido de exoneração, o senhor tem mencionado a frustração de não dispor dos meios necessários para prestar melhor atendimento à população. Tendo sido diretor médico do Hospital Municipal Raul Sertã (HMRS) por seis meses, diria que ele está operando no limite de suas capacidades? O caminho seria proteger o HMRS? Como gostaria de ver a gestão da Saúde em Nova Friburgo?
Arthur Gremion: A gestão precisa ser técnica. A minha opinião é de que a secretaria deveria ser comandada por um médico ou alguém da área de saúde, enfermeiro, técnico… Alguém com competência, que tenha feito algum curso ou aprimoramento relacionado a gestão de Saúde. O Raul Sertã vai completar cem anos em 2020, e sua estrutura é quase centenária. Toda a cidade desafoga lá, porque os postos de saúde não funcionam como deveriam. Esse é um erro grave, não estão funcionando. Alguns deveriam funcionar 24 horas. Os pacientes acabam indo para o pronto-socorro, a UPA e o HMRS, atrás de coisas que não deveriam se resolver ali. Por exemplo, atrás de uma receita azul, da renovação de uma receita de um anti-hipertensivo, um diabetes, e então um paciente chega com a pressão 20x10, infartando… Ou chega um paciente que é hipertenso e diabético e não teve atendimento no posto, com uma perna já quase num nível de amputação. Toda a engrenagem básica não está funcionando. Acredito que seja necessário focar na atenção básica, manter os postos de saúde funcionando, alguns em regime de 24 horas, sob a coordenação de gestores da Saúde, pessoas que entendam de saúde. Lógico que existem muitas pessoas competentes também, eu não posso falar que está tudo errado. Mas entendo que a pasta da Saúde precisa ser técnica, isso é o principal. Não estou falando mal da pessoa que está à frente da secretaria, até mesmo porque já passou por outras pastas no município, mas acredito que a pasta da Saúde precisa ser gerida por alguém que entenda a realidade, alguém que já passou por todo esse processo. Um médico, um enfermeiro, alguém com entendimento de gestão.
Está dizendo que existe uma certa desconexão entre as demandas da Saúde e a gestão da Saúde, é isso? Que a falta de conhecimento técnico se faz sentir no processo de determinação de prioridades?
Isso. Um bom exemplo, na minha opinião, é a obra no CTI. Óbvio que ter um novo CTI, com mais leitos, é excelente. Mas antes seria necessário ter pessoal para trabalhar, reduzir a falta de médicos e de insumos básicos… Não vai adiantar se não resolver essa engrenagem. Aí a gente olha para a estrutura existente e encontramos funcionários antigos, principalmente técnicos e enfermeiros, que recebem um salário muito baixo, que nunca chegou ao piso. Essa é uma luta da enfermagem, existe uma questão complexa de dobra, de folha. Então, são poucos funcionários, sobrecarregados, tentando, no extremo de suas forças, lutar, prestar um bom atendimento. Uma carência muito forte hoje no hospital, é que só há um vascular e um angiologista, que atende no ambulatório. Como diretor, a ideia que eu dei foi colocar clínicos passando visita, para ajudar. Como o vascular iria ver todos os pacientes e ainda operar? Não tinha como… A gente tinha, por exemplo, como trazer alguns vasculares do Rio, tem uma médica muito boa em Friburgo também que a gente queria trazer. Mas atualmente, com o TAC, para que seja possível trazer esses profissionais para o hospital, não pode ser por RPA, não pode nomear, então a gente precisa de um processo seletivo, ou de um concurso público. E durante os seis meses em que eu estive lá, esse processo não saiu.
Uma demanda que já é bem antiga…
Sim, é antiga. Então a gente vai pensar em fazer um CTI... Como eu disse, é importante ter um novo CTI. Mas estamos com falta de profissionais, falta de médicos... Pediatra, tem dia em que a gente só tem um. Como a gente fica se ele faltar, se der atestado? A gente fica sem pediatra. E sabemos que todos os casos graves da UPA vão para o Raul Sertã. A gente não pode deixar um profissional sozinho, a escala está incompleta. Existem RPAs que não recebem, tem um guarda que está há sete meses sem receber.
Seria possível estimar o tamanho desse déficit de pessoal?
Numericamente, é muito complicado eu falar, mas eu diria que está entre 30 e 40%. Houve uma grande saída de RPAs antes da minha entrada, excelentes profissionais. Então, quando a gente junta tudo isso, se depara com uma engrenagem falida. Sem mão de obra, sem insumos, e aí a gente entra na questão das licitações que não eram de minha competência, como diretor-médico.
Mas estão fazendo falta?
Sim, estão fazendo falta. Sentimos falta de insumos, falta de seringas, de medicamentos básicos, catéteres duplo jota… Em procedimentos eletivos, por exemplo. Às vezes você não tem uma tela, aí tenta conseguir noutro hospital, porque troca é possível fazer. Tudo muito complicado, os emergenciais deram muitos problemas, mas essa é uma coisa bastante complexa.
Podemos então dizer que no Raul Sertã existe uma grande carência de pessoal, que há discrepâncias salariais…
Discrepâncias salariais que vão dos médicos aos maqueiros.
E o fluxo de insumos também não está funcionando perfeitamente, ou seja, as necessidades do hospital não estão sendo antecipadas corretamente, para que os insumos cheguem antes que comecem a faltar. É isso?
É, a gente está pulando do primário para o terciário. Está dando um CTI, mas não temos médicos, não temos técnicos. A CTI vai abrir lá na frente, fim de governo, mas não estão resolvendo a estrutura. Então, na minha opinião, a estratégia está totalmente errada. Não adianta fazer um CTI se não melhora a atenção básica, se não aumenta o quantitativo de pessoal. Estamos apenas pulando todo o processo, e queimando as etapas.
Em outros termos, a decisão sobre onde deveria ser feito o investimento não foi tomada a partir de uma consulta aos profissionais da área...
Sim. Posso dar outro exemplo de frente que poderia ter sido trabalhada antes do novo CTI, que é o cuidado paliativo. Este é o futuro da medicina. Alguns pacientes dão entrada no CTI com um quadro agudo, insuficiência respiratória, doenças crônicas, um quadro de sepse. Então, esses pacientes vão ser entubados, vão ter a pressão controlada por drogas, sofrer uma traqueostomia. Alguns vão evoluir, vão sair do respirador, vão para o quarto. Mas existem situações nas quais o quadro é irreversível...
Uma situação de morte iminente...
Sim, morte iminente, mas não se pode retirar esse paciente. Então, às vezes, em dez leitos de CTI – seis no CTI 1, que é o principal, e quatro no CTI 2, onde só não tem um quinto leito em razão de um problema elétrico – e seis leitos de coronária, nós temos oito pacientes paliativos. Se tivéssemos uma área específica para este tipo de tratamento, seriam oito leitos disponíveis a mais. Porque em um único mandado judicial em que o paciente vai para um hospital particular, o município acaba sendo onerado em uma diária que pode custar R$ 20 ou R$ 25 mil, a depender do grau de complexidade do paciente. Então, existem muitas coisas menores que poderiam e deveriam ser vistas com atenção antes de fazer certas obras.
O senhor destacou que o hospital tem quase cem anos. O senhor sente que a estrutura do Raul Sertã está defasada? Investimentos como este que o senhor citou poderiam de alguma forma ajudar a modernizar o hospital?
Sim, defasada. O hospital foi virando um puxadinho, não é? Foram sendo feitas uma obrinha aqui, uma obrinha ali, mas não resolveram todas as partes. Caixas d’água, eletricidade, fiação, lavanderia... Além da parte funcional, existe toda uma base estrutural que precisa ser atualizada. Claro que o novo CTI vai ser importante, mas pela quantidade de habitantes, somando os municípios vizinhos, se fizermos mais 20 leitos de CTI já dá para dizer que esses leitos vão lotar. E não vai resolver o problema, porque não adianta ter 20 leitos de CTI se você não tiver seringa. Se não tratarmos da atenção básica, vai chegar uma hora em que vamos precisar ter 50 ou 70 leitos.
A se manter este cenário, qual o futuro para a Saúde em Friburgo?
Olha, no meu entendimento, se a gente não mudar o quadro atual, se não houver uma mudança de pensamento, a Saúde de Nova Friburgo vai falir. Vamos chegar ao caos, à falência da gestão. É uma situação que demanda união, é um coletivo. É preciso saber o que está acontecendo em São Geraldo, em todos os postos de saúde, e não focar só em obras. As obras são boas, mas, sozinhas, não vão resolver.
Deixe o seu comentário