Carro de boi: o velho e fiel companheiro de trabalho

quinta-feira, 07 de fevereiro de 2019

Na história da humanidade, desde as primeiras civilizações, o carro de bois era indispensável na lavoura, na lavragem da terra atrelado à charrua, bem como no transporte de materiais pesados. Na Grécia Antiga não se admitia matar o boi de lavoura e as leis atenienses puniam o bovicídio duramente.

O vetusto carro de bois foi trazido pelos portugueses sendo o primeiro veículo que rodou no Brasil Colônia. Carreava materiais de construção para o levantamento das primeiras vilas, para edificação de moradias, capelas e fazendas. Transportava madeiras longas e pesadas e grandes blocos de pedra. Conduzia do litoral para os povoados as mercadorias que vinham de além-mar e igualmente carregavam para os portos de embarque toras de pau brasil e caixas de açúcar.

Não se pode pensar em cultura canavieira ou na indústria do açúcar no Brasil sem associar a presença dos rudes veículos tirados por bois. Traziam a cana dos canaviais para os picadeiros dos engenhos e para as moendas. Transportavam a lenha das florestas para as suas fornalhas e igualmente levavam as caixas de açúcar dos tendais para os mercados ou portos de embarque.

O carro de duas rodas, tirado por bois, abriria com suas rodas maciças os primeiros caminhos, desde as matas litorâneas até o sertão. Na paisagem rural, ouvia-se a cantiga dolente do ranger do carro, o apeiramento da boiada mansa e resignada, o velho e fiel companheiro de trabalho. Rústico, pesado, vagaroso, mas seguro e resistente, o carro de bois ocupa lugar preeminente entre os instrumentos de trabalho no Brasil, transportando, ligando, aproximando e servindo ao progresso da colônia.

Missas, novenas, romarias, casamentos, batizados, crismas, enterramentos, folguedos populares, em tudo esteve presente o carro de bois, servindo no transporte de pessoas. Foi utilizado na Guerra do Paraguai transportando armas, petrechos, munições, alimentos e transformando-se às vezes em ambulâncias improvisadas para doentes e feridos nas batalhas.

No Brasil aparecem vários tipos de carros de bois, distintos entre si por certas peculiaridades regionais de construção, como os carros do tipo mineiro, paulista e nordestino. Quanto à rodagem, podem ser classificados pelo número de rodas, pela sua estrutura e pelo eixo. Os carros de duas rodas são os mais comuns. Quanto ao tiro, ou seja, quanto ao número de animais que puxam os carros, há no Brasil carros puxados por um só boi, chamados de carroça de bois; carros puxados por dois bois, formando uma junta ou parelha; e finalmente carros puxados por quatro ou mais bois, formando duas, três, quatro e mais juntas.

No Estado do Rio de Janeiro a boiada do carro compõe-se normalmente de três e quatro juntas. O canto dos carros, carro-gemente, carro-cantante é uma de suas particularidades. Os carros cantam, chiam, gemem, estridulam, guincham, rangem, rechinam, retinem, rincham e zunem. O boi de carro é o touro castrado. Na paisagem do Brasil Colonial, trotando à frente dos bois, era comum avistar o carreiro de pés no chão, calças de algodão regaçadas pelas canelas, a camisa entreaberta, o chapéu de palha ou couro e vez em quando ferretoando com a ponta de ferro das aguilhadas as juntas de boi.

Amansar bois de carro é uma das tarefas mais árduas dos carreiros, exigindo perícia e paciência. O trabalho de dirigir, guiar e manobrar o carro de bois é executado pelo carreiro. Já o ajudante, geralmente um menino é chamado de candeeiro. Na lida com os animais é importante destacar a maneira pela qual os carreiros se comunicam com as juntas de bois para obter obediência. Para tanto, usam uma linguagem ou gestos típicos que os animais entendem como que por encanto.

O carreiro precisa ser permanente para conhecer os bois e estes a ele. Não se pode lidar com bois tendo cada mês um carreiro diferente. Basta a voz do carreiro chamando os bois pelos nomes e a junta obedece. Apesar do progresso no campo dos transportes e da campanha contra o velho e moroso carro puxado por bovinos, representante de uma época atrasada, do passado colonial, as juntas de bois ainda são utilizadas nas atividades agrícolas de pequenos produtores rurais na aração da terra, principalmente nos morros onde os tratores são proibidos.

Na segunda metade do século 18, passou a ter a concorrência das tropas de mulas que seria o principal meio de transporte de mercadorias nos séculos seguintes. Em algumas partes do país, em razão da falta ou precariedade dos caminhos, notadamente nas serras, adotou-se o transporte por mulas, burros e jumentos. E assim, os carreiros foram sendo substituídos pela figura estoica do tropeiro.

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    O canto dos carros, carro-gemente, carro-cantante é uma de suas particularidades

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    Carros puxados por dois bois formam uma junta ou parelha

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    O trabalho de dirigir, guiar e manobrar o carro de bois é executado pelo carreiro

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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