Localizado a cerca de cinco quilômetros do centro de Nova Friburgo, o Córrego Dantas possui cerca de dois mil moradores. A rodovia RJ-130 (Nova Friburgo-Teresópolis) é a principal via de acesso ao bairro que possui diversas empresas de logística, distribuidores de gás e rede hoteleira. O Córrego Dantas, no entanto, infelizmente, é muito lembrado até hoje pelos muitos estragos causados pela tragédia da tempestade de janeiro de 2011. Mas esta reportagem não objetiva relacionar o bairro ao dramático episódio de sete anos atrás. Tal qual a mitologia de uma fênix, o Córrego Dantas renasceu dos escombros graças ao espírito de união que ajudou a reconstruir o bairro.
Novas lideranças se formaram. Um pensamento moderno, inclusivo e agregador recolocou um tijolo em cima do outro. Aqueles que por lá resistiram, viram o bairro voltar ao mapa da cidade e encher de orgulho seus moradores da região.
A origem do bairro é muito antiga e a chegada dos primeiros moradores remonta às fábricas e indústrias que por lá se fixaram. As primeiras famílias abriram caminho. Com a instalação de um matadouro muitas pessoas que viviam em função da fábrica foram estabelecendo moradia por perto. Depois da década de 70, com o asfaltamento da RJ-130, o bairro começou a ter mais movimento. Muitas empresas preferiram se instalar às margens da rodovia, o que beneficiou demais setores, como os hotelaria, logística e comércio. Córrego Dantas virou um misto residencial-empresarial. E daí surgiu a união social do bairro.
O presidente da Associação de Moradores do Córrego Dantas, o bombeiro militar Sandro Schottz, explica que “o movimento social do bairro está muito atrelado ao crescimento populacional. Foi a partir da organização de antigas lideranças que o bairro foi se constituindo. Foram conseguidas a pavimentação de várias ruas, iluminação, transporte público e um aterro sanitário. Através de muito esforço e muita união conseguimos formar o bairro como ele é hoje. O movimento comunitário se concentra no trabalho de algumas lideranças do grupo gestor da associação de moradores. Fazer com que a comunidade se mobilize e se envolva é o nosso desafio. Buscamos levar consciência às pessoas para que estejam presentes nas ações da associação de moradores”, contou.Centro Sóciocultural
A convite de Sandro, nossa equipe conheceu a sede da associação de moradores. Lá também funciona o Centro Sóciocultural de Córrego Dantas que oferece diversas atividades de esporte, lazer, educação, atendimento médico e é palco de reuniões, comemorações e palestras. Com uma área construída de 300 metros quadrados, o centro sócio-cultural atende a cerca de 200 famílias associadas, 1.500 pacientes cadastrados para atendimento médico, 50 crianças, adolescentes e adultos matriculados nas aulas de artes marciais e 20 voluntários.
“A tragédia de 2011, sem dúvida, foi um marco no bairro. A partir desse episódio tão negativo surgiram novas lideranças, que se somaram às lideranças antigas para reconstruir o Córrego Dantas. Conseguimos construir a sede da associação de moradores e aqui ela extrapola o seu objetivo. A sede também se tornou um centro sóciocultural e é uma referência para bairros vizinhos. É uma área construída bem grande, com dois pavimentos onde desenvolvemos também várias atividades como aulas de jiu-jitsu, capoeira, muay thai e até pouco tempo artesanato, tudo ministrado por voluntários. Temos também um atendimento médico clínico que é uma extensão do posto de saúde de São Geraldo, entre outros projetos e as reuniões do grupo gestor”, explicou Sandro.
Ainda de acordo com o presidente da associação de moradores, o centro sóciocultural atrai as pessoas. No local são oferecidas aulas de muay thai, capoeira e, até pouco tempo, artesanato. “Às terças e quintas-feiras temos atendimento médico e muay thai; quartas-feiras, capoeira. E pelo menos sete vezes ao mês nos reunimos para discutir projetos que estamos desenvolvendo, como a gestão da Bacia de Córrego Dantas. Uma vez reunindo pessoas do bairro e adjacências, através desses atrativos surge a política social e delas saem ideias e demandas”, observa Sandro Schottz.
“Existe uma gratidão muito grande das pessoas de ver que o bairro oferece atividades de fácil acesso aos moradores e aos professores (moradores de Córrego Dantas) que são voluntários “, completa.
Através de uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), poder público, ONGs e outras instituições, a associação de moradores do bairro está montando um atlas com foco na bacia do Córrego Dantas. A Rede para Gestão de Riscos da Bacia do Córrego Dantas (Reger) abrange todos os bairros a margem do Rio Córrego Dantas, que nasce no Cardinot e deságua no Bengalas, na altura do Prado, em Conselheiro Paulino. “Os alunos da UFRJ pesquisaram a bacia nas áreas de geotecnia e hidrologia, para entender os efeitos da tragédia, enquanto nós fazíamos os trabalhos sociais. Houve esse encontro entre as partes e daí surgiu o Reger. Descobríamos que com essa união, incluindo outras instituições, nós nos fortaleceríamos e diminuiríamos os riscos, além de fazer um censo delimitando cada região”, disse Sandro.
Para diminuir os riscos de uma nova catástrofe, muito foi pensado. A Defesa Civil realizar exercícios de simulação periodicamente, além de testes mensais com as sirenes. Sandro afirma que os moradores precisam ter um comprometimento maior, mas que eles mesmos estão buscando meios de aumentar a proteção, em caso de necessidade. “Em relação aos exercícios de simulação observamos que a comunidade ainda não está aderindo como deveria, mas desenvolvemos outros trabalhos aqui no sentido da redução de riscos e desastres dentro da Reger e vemos a presença da comunidade. Um dos projetos que temos, é a rede de comunicação de emergência por rádio amador. Foi o único meio de comunicação que funcionou no auge da tragédia. Adquirimos 20 rádios portáteis e duas bases fixas de maior alcance, que estão espalhados pelas oito comunidades que fazem parte da bacia”, reforçou.
Enquanto conhecíamos as instalações, Sandro agradeceu ao jornal A VOZ DA SERRA que, segundo ele, foi um “grande parceiro” no período de reconstrução. “Após 2011, um tripé ideológico foi criado. Através do diálogo com o poder público, da mobilização da opinião pública e, quando necessário, a participação jurídica, foram importantes pilares para a nossa reconstrução”, atesta Sandro.
Apesar da união fazer a força, o Córrego Dantas ainda carece de melhorias estruturais. Muito se fez e muito ainda está por fazer. Das promessas e dos planos de reconstrução, alguns serviços básicos estão “abandonados”. Além disso, de acordo com Sandro, muitos moradores que tiveram de deixar suas casas em 2011 e foram remanejados para o condomínio Terra Nova, no distrito de Conselheiro Paulino, manifestam constantemente o desejo de voltar.
“Estava prevista a construção de um parque fluvial, com tratamento do rio, além de um área de lazer, mas isso não saiu do papel. Hoje o mato tomou conta da margem do córrego, falta um serviço de capina adequado. Muitas casas interditadas não foram demolidas ainda, o que gera problemas de acúmulo de entulho, lixo e proliferação de animais que trazem doença. Existem pessoas morando em locais de risco ainda e muitas que saíram daqui e estão no Terra Nova, querem voltar. Antes elas moravam em uma casa grande confortável, hoje moram em um apartamento apertado”, listou.
Sandro faz um apelo não só ao poder público, mas também aos empresários de Nova Friburgo para que ajudem o Córrego Dantas neste processo de reconstrução. “Batalhamos por uma praça, por uma área de lazer com espaço para práticas esportivas. Felizmente temos o espaço da associação, mas carecemos de um espaço externo que comporte uma estrutura que beneficie a todos. Estamos na luta por uma conscientização dos moradores em relação aos acidentes na RJ-130, precisamos de um quebra-molas eletrônico. Quem quiser ajudar com serviço voluntário, trabalho ou recursos pode acessar o Facebook da associação e marcar um encontro para discutir a melhor forma de ajudar”, finalizou.
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