Aos 68 anos, 50 de carreira e com uma filmografia que soma 80 curtas, médias e longas-metragens, Silvio Tendler continua em seu ritmo frenético. Mesmo limitado por uma paraplegia que o acometeu em 2011, ele continua criando, filmando e lecionando na PUC-Rio. Incansavelmente.
Sua mais nova produção “Dedo na Ferida” (foto) foi eleito o melhor documentário no Festival do Rio 2017 e lançado em maio deste ano. No momento, ele finaliza dois longas, um baseado em livro do rabino Nilton Bonder e outro sobre o poeta Ferreira Gullar. Quando encontra uma brecha em sua concorrida agenda, “inventa” novos projetos. Afinal, como gosta de enfatizar, “só vou parar de trabalhar quando morrer”.
Neste novo documentário, o cineasta aborda o sistema financeiro e suas contradições, aprofundando questionamentos a respeito do discurso das autoridades financeiras de que não podemos gastar mais do que arrecadamos. Através de entrevistas, Tendler traça um panorama de como o capital pode influenciar a política, os governos e a vida cotidiana de qualquer pessoa.
É conhecido como "o cineasta dos vencidos" ou "o cineasta dos sonhos interrompidos" por retratar em seus filmes personalidades como Jango, JK, Carlos Marighella, entre outros, como Os Trapalhões. Em 2009 lançou “Utopia e Barbárie”, produção que levou 19 anos para ser concluída. Gravado em 25 países, foi considerada uma obra-prima pelo jornalista Mauro Santayana. “Sua visão pessoal do que foram o mundo e o Brasil neste período é antológica, para dizer o mínimo, e representa o clímax de uma carreira”, elogiou.
Tendler é formado em História pela Universidade de Paris VII, com mestrado em Cinema e História pela École des Hautes-Études/Sorbonne e especialização em Cinema Documental aplicado às Ciências Sociais, também na Sorbonne. Em 1981 fundou a Caliban Produções, produtora direcionada para biografias históricas de cunho social. Seu acervo particular de imagens conta com mais de 10 mil títulos sobre a História do Brasil e do mundo dos últimos 50 anos. Três das maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro, são dele: "O Mundo Mágico dos Trapalhões" (1 milhão e 800 mil espectadores), "Jango" (1 milhão de espectadores) e "Anos JK" (800 mil espectadores).
A resistência dos artistas
Em visita à cidade, em novembro do ano passado, para abrir o Festival Internacional de Cinema Socioambiental de Nova Friburgo - FriCine - Tendler bateu um papo com a equipe de A VOZ DA SERRA sobre arte, cultura, censura, resistência, Brasil. Nesse sentido, os cinco itens acima relacionados cabem, resumidamente, nesta fala:
“Depois do golpe de 1964, eu percebi que o primeiro grupo de pessoas a reagir, foi o dos artistas. Eles foram os primeiros a resistir à ditadura: o pessoal do Teatro Opinião, o Vianninha (autor teatral e ator Oduvaldo Vianna Filho), Zé Celso (Martinez Corrêa, Teatro Oficina, SP), Millôr Fernandes, Ferreira Gullar, Amir Haddad, Sérgio Cabral (pai), Stanislau Ponte Preta (jornalista Sérgio Porto). E eu quis ser igual a eles”, Tendler lembrou. Ao se dar conta dessa afinidade, aos 14, 15 anos, decidiu: “Vou seguir a trilha desses caras, porque senti firmeza. E fui atrás. E tô nessa até hoje”, disse, sorrindo.
E continuou: “Hoje, vemos parte daquela turma de 1967/68 resistindo e fazendo arte, como antes, com a mesma coragem e determinação. O Amir Haddad, o Zé Celso, a Fernanda Montenegro e muitos outros, enfim, quem não morreu, está ativo e forte, aos 70, 80, aos 90 anos. A arte muda o mundo e é fundamental que a gente continue atento, se posicionando, falando, sacolejando, evitando que as pessoas, de modo geral, principalmente, a juventude, se entendiem com a mesmice”, alertou. Afinal…
“Documentar é fazer história, é registrar para a posteridade, é botar o seu ponto de vista, se expor expondo ideias, situações, períodos, o país, seu povo, o momento. Fica guardado, memorizado. É real, não é ficção”.
Sobre a data
Para dar visibilidade ao gênero documentário e fortalecer a entidade que foi criada em 1973 para defesa de seus realizadores e dos cineastas brasileiros, a partir de 2011 todas as ABDs instituíram, juntamente com a ABD (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas) nacional, a criação do Dia do Documentário: 07 de agosto.
Diante da histórica resistência da ABD durante a ditadura militar, mesmo reconhecendo outros grandes nomes da história do documentário brasileiro, o nome mais votado pelas ABDs e pelos cineastas que se manifestaram foi o do diretor Olney São Paulo. Nascido em 7 de agosto de 1936, em Feira de Santana, Bahia, Olney dirigiu vários filmes, dentre eles “O Grito da Terra” (1964), e “Manhã Cinzenta” (1968/69), este último, pivô de um incidente que lhe custaria a própria vida.
Em 1969, um avião brasileiro foi sequestrado por membros da organização MR-8 e desviado para Cuba. Um dos sequestradores levava consigo uma cópia de “Manhã Cinzenta”, um libelo contra a ditadura. O filme foi exibido durante o voo, o que levou os órgãos da repressão a associar o nome de Olney ao sequestro. O cineasta foi detido, torturado e finalmente liberado com suspeita de pneumonia dupla. Internado várias vezes, debilitado física e psicologicamente, Olney jamais recuperou plenamente a saúde, vindo a morrer em 1978. Proibido no Brasil, “Manhã Cinzenta” foi exibido e premiado em vários festivais internacionais, como os de Mannheim e Oberhausen (Alemanha).
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