As verdades e emoções do jornalismo investigativo

quinta-feira, 04 de junho de 2009
por Jornal A Voz da Serra

A jornalista Elaine Duim já ocupou todas as funções numa redação de jornal impresso. Mas foi como repórter que viveu suas maiores emoções na profissão. Depois de passar pelas redações dos jornais O Fluminense, onde entrou como estagiária e saiu como editora, e o Extra, ela resolveu se dedicar mais à área acadêmica e montou um curso de jornalismo investigativo, que está com inscrições abertas na Universidade Candido Mendes. Nesta entrevista, Elaine Duim explica melhor o que é, na prática, o jornalismo investigativo, e o que os alunos podem esperar do curso, que será oferecido nos fins de semana, no campus Friburgo. Além de graduada em Comunicação Social, a professora é formada em história, tem pós-graduação em língua portuguesa pela Uerj e mestrado em saúde pública pela Fiocruz.

A VOZ DA SERRA - Hoje em dia o jornalismo investigativo é um dos segmentos mais importantes que temos na imprensa como um todo, não?

Elaine Duim - Eu não gosto deste tipo de classificação, que parece menosprezar quem faz outro tipo de jornalismo. Seria o mesmo que dizer que, numa sociedade, o médico é o profissional mais importante. Ele é, sim, muito importante, mas você não vive numa cidade sem o gari, sem o motorista de ônibus... Todos são primordiais no funcionamento de uma sociedade, porque têm seus papéis específicos. Da mesma forma, as editorias de cidade, cultura, TV, esportes, veículos, celebridades têm seu público e seu papel num contexto mais amplo da mídia. O que nós podemos afirmar, sem cometermos uma injustiça com o repórter que passa a vida correndo atrás de artistas para atender aos anseios do seu público, é que num país democrático, o jornalista investigativo tem um papel primordial na fiscalização dos poderes públicos contra a corrupção, as injustiças e pelo bem-estar da população.

AVS - Você falou em investigar os poderes públicos, mas e quanto aos crimes comuns?

Elaine - Vamos esclarecer uma coisa: o termo jornalismo investigativo pode soar até redundante, porque, afinal de contas, o papel do repórter é justamente levantar informações para escrever sua matéria, seja ela qual for. Desta forma, todo jornalismo é investigativo. Quando falamos de jornalismo investigativo, nos referimos a uma apuração mais intensificada, que vai fuçar e buscar, em diferentes fontes, informações mais precisas que outros organismos, a princípio, não estão vendo. A investigação pode se voltar ao administrador público ou legislador que está, de alguma forma, usando dinheiro público em benefício próprio. E aí temos o exemplo atual do escândalo do mau uso da cota de passagens aéreas pelos deputados federais. Os jornais têm investigado e, a cada dia, publicam novos absurdos. Da mesma forma, a investigação do jornalista pode se voltar a homicídios, tráfico, sequestro, crimes que estão acontecendo, mas que a polícia ainda não está investigando ou a Justiça não está condenando. E aí, da mesma forma, o questionamento é sobre o poder público: se o jornalista investigou e chegou àquelas provas, porque a polícia não o fez antes? Mas a matéria investigativa pode não ter nada a ver com poderes públicos. Você pode investigar fatos obscuros da vida de uma celebridade, porque não? Se a reportagem for rica de informações, também pode ser considerada jornalismo investigativo.

AVS - O que é preciso para se tornar um jornalista investigativo?

Elaine - Há quem diga que o maior dom o jornalista investigativo é a curiosidade, mas aí a gente volta àquela questão da redundância. A curiosidade é fundamental para qualquer jornalista. Eu diria que é a dedicação em reunir fontes e informações desde muito cedo e a perseverança. Se você quer ser um jornalista de cultura ou celebridades, pode sair da faculdade e bater à porta de uma publicação especializada ou na editoria específica de um jornal ou TV. Se der sorte de encontrar um emprego de cara, você já está ali, fazendo o tipo de jornalismo que quer. O tempo e a experiência farão você melhorar naquele nicho. Mas você não sai de uma faculdade e bate à porta de um jornal dizendo que quer ser repórter investigativo. Isso só vai acontecer lá pra frente, depois de anos de trabalho, quando você já tiver credibilidade, fontes e principalmente uma boa bagagem de informação. Não que no primeiro ou no segundo ano de profissão você não possa dar a sorte de se deparar com um caso fantástico, investigá-lo a fundo e fazer uma matéria maravilhosa. O melhor exemplo disso foi Bob Woodward, um dos repórteres do caso Watergate, que tinha pouco tempo de profissão. Mas para se consolidar como jornalista investigativo, o cara precisa de mais, precisa se preparar para isso. É bom que já comece a reunir bagagem ainda na faculdade.

AVS - Como?

Elaine - Como eu disse, o profissional tem que se dedicar desde cedo e perseverar. O estudante pode até não ter condições ou confiabilidade para começar a conquistar fontes, mas já pode começar a formar seu próprio banco de dados, seu arquivo pessoal, para ter em mãos, lá na frente, informações que poderão ser fundamentais na confecção de boas matérias investigativas. Essa bagagem inicial é fundamental para quem quer enveredar pelo caminho do jornalismo investigativo.

AVS - Dá para fazer jornalismo investigativo em jornal pequeno?

Elaine - Sim, mas o profissional precisa conhecer o jornal onde trabalha e o posicionamento político e social da empresa. Não adianta o repórter se expor fazendo uma matéria de alto risco, envolvendo criminosos, políticos, policiais corruptos, se sabe que o jornal para onde trabalha não vai sustentar uma matéria como essa. Mas você pode fazer jornalismo investigativo voltado para outros temas. Em 2004, por exemplo, o Esso de Reportagem, a segunda categoria mais importante do prêmio, saiu para uma matéria publicada no jornal Já, de Porto Alegre, um jornal mensal com tiragem de dois mil exemplares. A matéria contava a impressionante história do filho mais novo de Odacir Klein, que tinha sido ministro de Fernando Henrique Cardoso. O garoto tinha se suicidado no início de 2004 e os jornais mal falaram sobre o caso, seguindo uma tendência de não se noticiar suicídios. Renan Antunes de Oliveira, um jornalista veterano, mas que nunca havia conseguido se firmar na grande imprensa, se interessou pelo caso e o investigou a fundo. Em dezembro publicou no Já um texto fabuloso, recontando toda a história do garoto, que quando morreu, parecia um ser mutante, devido às muitas tatuagens, implantes e cirurgias que havia feito ao longo da vida. A história dessa matéria é uma lição de jornalismo investigativo, simplicidade, e contra a arrogância de alguns segmentos da imprensa, e eu vou contá-la para os alunos do curso.

AVS - O que mais os alunos podem esperar do curso de jornalismo investigativo?

Elaine - Nosso curso pretende ser, sobretudo, um curso de jornalismo, e não de investigação. Vou procurar passar para os alunos como tratar as histórias, as fontes e as informações para que possam produzir matérias investigativas sérias, corretas, responsáveis. Apresentarei bons e maus exemplos do jornalismo investigativo que vêm sendo praticado no Brasil. Vou também passar dicas importantes de como se preparar para poder se consolidar como um jornalista investigativo de fato, depois de alguns anos de experiência. Da mesma forma, quero mostrar onde conseguir informações importantes para o aluno ir preparando seu banco de dados pessoal. Muitas vezes essas informações estão se exibindo na nossa frente, implorando para que nós a apanhemos, mas as perdemos por falta de percepção do quão importantes elas são para o nosso futuro. Vou introduzir também técnicas de RAC, que se constituem no uso do computador e de todas as suas possibilidades para a execução de matérias investigativas. Essas técnicas já são usadas há anos por repórteres americanos e foram introduzidas aqui no Brasil pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, uma instituição que tem tido um papel fundamental na preparação e reciclagem das redações brasileiras para um jornalismo investigativo moderno e responsável.

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