O presente artigo objetiva trazer à tona pontos relevantes a respeito do posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil – 9ª Subseção - na defesa intransigente da construção de uma nova e digna casa de custódia em Nova Friburgo. Nova sim, pois nós já temos uma casa de custódia, situada nos fundos do prédio da 151ª Delegacia de Polícia, no bairro da Vila Amélia, no centro da cidade. Entretanto, em condições absolutamente sub-humanas, degradantes, sem a mínima higiene básica.
Nos cubículos que servem para a custódia dos detentos existe tão somente, um local destinado ao banho e o chamado “boi”, usado no lugar do vaso sanitário. São corriqueiras as crises de sarna e doenças respiratórias, frutos da absoluta ausência de ventilação, haja vista que o único local pelo qual entra claridade é a porta da cela, com apenas 60 cm.
Esses aspectos absurdos se agravam com os problemas de umidade e infiltração, que causam um odor fortíssimo e insuportável, além de doenças diversas. No calor não há ventilação e no inverno o frio é insuportável durante a noite. Atônitos, os custodiados tentam conter a água que cai do teto com baldes, de modo que o chão não seja molhado, pois muitos dormem no piso.
Trata-se de um cenário apavorante e deprimente que afronta, de forma lapidar, o superprincípio da dignidade da pessoa humana, pedra angular de nossa Constituição Federal.
Em recente levantamento realizado no setor de custódia da proclamada “Suíça brasileira”, constatou-se a presença de 174 custodiados distribuídos em 10 celas, que medem, em média, 11m2 cada, enquanto a capacidade máxima é de 65 detentos, pasmem.
O local é cercado por um muro que mede aproximadamente 8m, representando um constante perigo para a segurança dos funcionários e da população, inclusive risco de fugas.
É bom que fique patenteado de uma vez por todas que casa de custódia não é presídio. A bem da verdade, o réu se encontra detido na Casa de Custódia à disposição da Justiça, aguardando julgamento, devendo comparecer às audiências quando convocado pelo juiz.
Prolatada a sentença, dois caminhos restariam ao custodiado: ou sua liberdade, ante sua absolvição, ou o seu encaminhamento ao presídio, no Rio de Janeiro, em caso de condenação, ingressando aí sim no chamado sistema carcerário.
Nesse passo, é necessário realçar que a OAB – 9ª Subseção também não deseja a construção de um presídio em Nova Friburgo. Contudo, considerando que nós já temos em Nova Friburgo uma Casa de Custódia que, sem exagero, tem condição e estrutura bem pior que a de alguns canis existentes em muitas residências, é imperioso, emergencial, que a sociedade civil e as autoridades se posicionem e não assistam pacificamente ao caos, à barbárie, ao desrespeito às condições humanas daqueles detentos.
A verdade é que somente por um milagre, somado ao trabalho dos servidores, que não assistimos, ainda, a uma rebelião no centro de nossa cidade. Estamos bem próximos de uma bomba relógio prestes a explodir, contando com a inércia das autoridades responsáveis pela Segurança Pública.
Aquele que porventura já adentrou naquele medonho quadro existente na Custódia da Vila Amélia, que respirou aquele forte odor, que constatou a veracidade dos fatos acima narrados, e que tenha espírito cristão e de fraternidade, imbuído de sentimentos humanistas, certamente não deve dormir em paz e deve se indignar e exigir providências concretas e imediatas do Estado.
Vale comentar que diante da superpopulação carcerária existente na carceragem anexa à 151ª D.P, para uns custodiados dormirem, outros necessariamente têm que permanecer em pé e manter-se com seus corpos encostados uns nos outros. Se não bastasse isso, os custodiados passam os dias no completo ócio, totalmente improdutivos, sem qualquer perspectiva de ressocialização.
Muitos ponderarão: “ora, isso não é um problema meu... dane-se o criminoso... se eventualmente praticou um crime, tem que pagar por isso...”
Mas cabe aqui uma reflexão: uma eventual detenção pode acontecer, sim, com qualquer um de nós e não apenas com aqueles chamados de criminosos ou na linguagem popular, de bandidos. O que dizer daqueles que diante da roda gigante da vida passam a enfrentar dificuldades econômicas e deixam de pagar pensão alimentícia de seus filhos e por conta disso são presos e levados à custódia da Vila Amélia? Ou, então, daqueles que, depois de ingerirem bebida alcoólica, dirigem alcoolizados e acabam praticando um delito ou daqueles que, numa situação eventual, acabam participando de uma confusão, de uma briga, agredindo fisicamente a outrem, cometendo lesão corporal?
Tais cidadãos também poderão ser detidos e encaminhados à nossa casa de custódia da Vila Amélia e também suportar o flagelo que os demais detentos sofrem dia após dia.
Contudo, para esses cidadãos aqueles cubículos superpovoados, degradantes e sem a mínima condição de higiene não serviriam. Mas a lei não deve ser igual para todos? A situação caótica na qual vivem os custodiados não reflete a natureza deles, como muitos pensam, mas a indignidade de uma sociedade que consente em tratar dessa forma seres humanos.
Não desejamos a vinda de um presídio para Friburgo. Essa não é a proposta da OAB. Mas a construção de uma nova e decente casa de custódia, com o devido aparato de segurança, capacitada com opção de trabalho para o custodiado, uma capela, atendimento constante da defensoria pública, com capacidade máxima especificada previamente no projeto, com controle da sociedade civil, e um quadro de agentes penitenciários concursados e capacitados. Isso é medida urgente e de justiça.
Peço uma reflexão à comunidade cristã. Quantas foram as mensagens deixadas por Jesus Cristo? Como esta, por exemplo: “Eu estava com fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, tive frio e me vestiste, estava encarcerado e vocês foram me visitar.”. (Mateus 25, 35-37).
Nova Friburgo é aclamada por ser uma cidade polo na região, que atrai investimentos e empreendimentos. Porém, 65% dos custodiados da carceragem da Vila Amélia são filhos de nosso município e a grande maioria reflexo da desigualdade social, do pouco investimento em educação, saúde e emprego. A verdade é que numa simples visita à carceragem identificaremos um contingente de pobres e negros, com as portas da sociedade fechadas para uma segunda chance.
Convém expor que o cidadão que está detento na casa de custódia está sob a guarda da Justiça, na expectativa de seu julgamento. Como levar a casa de custódia, já existente em Friburgo, para Sumidouro ou Carmo, por exemplo, onde existem 2, 3, 4 custodiados? Seriam elevados os gastos suportados pelo Estado para o transporte dos detentos para o Fórum a fim de prestar depoimentos. E o que dizer dos familiares desses custodiados que têm o direito de visitá-los?
Casa de custódia não é presídio. Nova Friburgo precisa urgentemente de uma Delegacia Legal e de uma nova casa de custódia, nos moldes da de Itaperuna.
Por fim, partilho com os leitores uma interessante passagem que vivenciei no exercício da presidência da OAB. Um cidadão, contrário à construção de uma nova casa de custódia em Nova Friburgo e defensor do equivocado lema “presídio não”, sempre manifestou essa sua posição, sem fundamentos consistentes, muitos deles elitistas e preconceituosos ao meu sentir. Pois bem, a vida nos prega peças e certo dia esse cidadão, ao deixar de prestar alimentos aos seus filhos, teve decretada sua prisão. Apavorado e na iminência de ser detido na caótica carceragem da Vila Amélia, solicitou meu auxílio e intervenção para não ser detido naquele local, rogando ser mantido no batalhão da policia militar ou no Corpo de Bombeiros, por ser advogado.
Estranho, incoerente, por que não dizer hipócrita, tal postura, eis que a custódia de Nova Friburgo não serve para ele, mas serve para os outros.
A nova casa de custódia deverá sofrer o controle da sociedade civil e abrigar apenas custodiados de nossa região, dos 9 municípios sob a jurisdição do 11º. Batalhão de Polícia Militar, com espaço suficiente para propiciar atividades laboriais e educativas, assim como para atendimento médico e jurídico.
Assim, cumprimos nosso dever institucional de defender a Constituição Federal, lutar por segurança pública e pela dignidade humana, respaldados na posição da classe que referendou a posição de nossa diretoria no sentido de exigir do Governo do Estado a imediata construção da delegacia legal e de uma nova e digna casa de custódia. Estamos convencidos de que, como seres humanos e filhos de Deus, esses cidadãos poderão ser ressocializados e trazidos à sociedade como a ovelha perdida que se desgarrou das demais noventa e nove e foi perseguida por seu pastor até encontrá-la, à luz da bela parábola utilizada por Jesus Cristo, pregando aos fariseus e escribas que viviam a persegui-lo. “Digo-vos que, assim, haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” (Lucas, 15, 4-7).
Quem não pecou que atire a primeira pedra.
CARLOS ANDRÉ RODRIGUES PEDRAZZI
PRESIDENTE DA OAB NOVA FRIBURGO
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