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A Experiência do Cinema
Dia de estreia e expectativa alta. Sala vazia, olhos vidrados, projeção de boa qualidade, ar-condicionado barulhento, pessoas falando, som fraco e sem impacto, óculos chato 3D e, por fim, boa companhia. Dessa maneira foram às 2h 43min da exibição de Blade Runner 2049 no CineShow Nova Friburgo.
Blade Runner 2049 chega aos cinemas e não decepciona, esteticamente brilhante! O filme não é sobre máquinas, mas sim sobre o indivíduo que, enquanto identidade, entra em crise, seja replicante ou humano. A crise da identidade pode ser compreendida a partir de uma de suas características: a falta de alinhamento do sujeito com o mundo. O homem do ideal humanista começa a ruir quando suas fronteiras já não conseguem mais sustentar sua integridade. À crise individual das identidades singulares soma-se a crise coletiva das identidades nacionais. Deslocamento e descentramento constituem o universo pós-moderno.
O primeiro Blade Runner de 1982 teve recepção dúbia no seu lançamento e continua sendo para muitos de produção confusa e grande fracasso de bilheteria. Foram precisos quase dez anos para ser reconhecido como uma obra de arte a frente de seu tempo, consolidado no aguardado lançamento da versão do diretor Ridley Scott em 1992. A nova montagem reposiciona o foco do roteiro para a cidade e a crise de identidade dos replicantes, máquinas criadas a partir da imagem semelhança dos humanos para explorar outros planetas. A versão Nexus 6 de Rachael (Sean Young) transcende as possibilidades tecnológicas e faz com que Rick Deckard (Harrison Ford), o caçador de andróides, questione seu trabalho e seu mundo.
Os fãs e a comunidade cinematográfica sempre desejaram uma continuação, mas como fazer algo maior e melhor de um filme dos mais cultuados do cinema? Em 2013 foi escrito um roteiro, e a Sony Pictures Entertainment aprovou orçamento. Rapidamente foi anunciado que Scott estaria presente como diretor. Passaram alguns anos e nada do filme: Scott resolve sair da direção e se torna produtor, deixa a vaga para Denis Villeneuve, o cineasta de ficção científica do momento.
O filme mescla a nostalgia com novos rumos. Com intuito de compreender mais e melhor o filme, devido aos muitos signos e significados para destrinchar e a crise de identidade como tema central, retornei à sala de cinema. Desta vez levei a minha mãe como companheira de sessão, no período da tarde e dublada. Para minha mãe, uma diversão; para mim, uma decepção, pois a obra possui ligação direta com o primeiro e a dublagem faz com que somente na parte final façamos as ligações que já estão presentes desde o começo a partir do som e diálogo.
No momento em que a voz do ator Harrison Ford surge, os sentimentos vêm à tona - a sua imagem apenas aparece na parte final - mas na versão dublada perde total impacto. A trama se desenvolve de maneira diferente sem essa informação. A dublagem brasileira é muito boa, reconhecida como uma das melhores do mundo, mas um filme é concebido a partir de sua cultura e linguagem. Nesse caso fica claro a perda da dramaturgia que a obra sofre.
Blade Runner 2049 fez a minha nostalgia aflorar e refletir sobre as relações humanas e a nossa constante construção de identidade, mas a maior conquista da obra de Denis Villeneuve foi ter levado a minha mãe de volta ao cinema como fazíamos quando eu era criança.
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