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Gentileza no trânsito
Gentileza. A palavrinha mágica que o profeta afirma ter a propriedade de se multiplicar sempre que aplicada é tema do Caderno Z desta edição, e a coluna Sobre Rodas não poderia perder a oportunidade de se debruçar sobre um conceito tão simples, e ao mesmo tempo tão eficiente no combate à violência no trânsito.
Multas, radares, quebra-molas, tachões, faixas... Nada disso precisaria existir se todos adotassem a gentileza em sua plenitude como um mantra para o trânsito. Gentileza a ponto de compreender que realizar a manutenção preventiva de seu veículo não é apenas um ato de amor próprio, mas de responsabilidade social. De entender que é preciso conduzir guiado pela mente, e não por emoções, e que deixar o pedestre atravessar em segurança não vai afetar em nada a duração de seu percurso, uma vez que existem outras retenções logo à frente. Aliás, mesmo que afete, a gentileza certamente deixará o deslocamento menos penoso e ajudará o fluxo como um todo a escoar mais suavemente.
Por alguma razão alheia à minha compreensão, é fato que o trânsito tem esse estranho poder de aflorar o que existe de pior em diversas pessoas. Ansiedade, impaciência, egoísmo, reducionismos, preconceitos, irresponsabilidade, riscos desnecessários, provocações. O terrorismo internacional parece ter se dado conta há pouco tempo que, quando cruzadas as fronteiras do inconcebível, veículos podem ser convertidos em armas de grande poder de destruição. A combinação de fatores é explosiva, e só resta repetir, mais uma vez, que o incalculável custo social da agressividade em nossas ruas e estradas só poderá ser visto, daqui a muitos séculos, como o maior atestado do atraso de nossos dias.
Mas é claro que a gentileza se aplica também a pedestres. Afinal, quantas vezes estes se atiram à frente de carros em atitude desafiadora, prejudicando todo o sistema de locomoção na aposta de que a distância que separa xingamentos, “finos” e buzinadas de atropelamentos deliberados será sempre instransponível. Aliás, quantas vezes seria necessário recorrer à buzina, perturbando o silêncio de todos à nossa volta, se fôssemos todos gentis? Quantos carros poderíamos tirar das ruas, e a que ponto poderíamos aliviar os custos de quem dirige se, gentis, não tornássemos inviáveis os riscos de dar carona a desconhecidos?
E o que dizer dos animais, vítimas inocentes, históricas e silenciosas de nosso egoísmo? Quantas dessas vidas poderiam ser preservadas se cada nova estrada aberta ou reformada incluísse em seu projeto baratos pontos de travessia segura? Certamente, com valores muito menores do que aqueles desviados esta negligenciada responsabilidade social poderia ser satisfeita.
Por tudo isso, focar em tecnicismos e conhecimentos de natureza física, no fim das contas, acaba não passando de uma bem intencionada rotina de enxugar gelo. Quer resumir tudo num único conceito? Pois então seja gentil, abrace e viva a gentileza. Afinal no trânsito, como na vida, nada vale a pena quando a alma é pequena.
Uma semana de muita gentileza a todos.
Márcio Madeira da Cunha
Sobre Rodas
O versátil jornalista Márcio Madeira, especialista em automobilismo, assina a coluna semanal com as melhores dicas e insights do mundo sobre as rodas
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
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