Esta tinha tudo para ser uma história triste. Eu poderia começar o texto com o trecho de um poema qualquer sobre ser mãe, uma música bonita ou cena de novela. Poderia dramatizar o caso, através de levantamentos sobre o número de mulheres que têm dificuldades para engravidar. Uma frase de efeito, talvez. Mas, decidi dar destaque à parte mais bonita: o amor.
Ana Paula Storck Silva Ayres, 35, e Wanderson Ayres, 38, completam em dezembro deste ano 15 anos de casados; e duas décadas desde o início da história. Eles se conheceram em 1997, ela tinha apenas 16 e, ele, 18 anos. Com ajuda ou não do cupido, foi amor à primeira vista. Um mês depois já estavam namorando, três anos para ficarem noivos e mais três para selarem a união com a troca das alianças.
O casal, que é friburguense, se mudou para Rio das Ostras em 2011, onde Ana Paula havia recebido uma proposta de emprego como professora. Moraram lá por cinco anos. Nesta época, aos 28 anos, ela começou a sentir fortes cólicas, deu início a uma bateria de exames e suspendeu o uso do anticoncepcional. “Estavamos desconfiando de endometriose. Não tinha objetivo de engravidar. Mas, às vezes eu me pegava pensando que já estava ficando velha e que mais cedo ou mais tarde teria que pensar sobre o assunto. O tempo foi passando, passando e, em 2015, veio a maior surpresa que eu poderia ter...!”
O diagnóstico
Ana descobriu a gravidez no dia 11 de março. “Estava dando aula e comecei a passar muito mal. Senti uma enorme dor de cabeça e fui para o hospital, onde recebi a notícia. Estava grávida! Naquela época eu não pensava nisso pois estava concentrada no meu trabalho mas, assim como meu marido e família fiquei, claro, muito feliz”.
A gestação, no entanto, durou apenas oito semanas, o suficiente para despertar nela e em Wanderson o desejo de aumentar a família. Ana Paula sofreu um aborto espontâneo e descobriu que, além de estar com pólipo uterino, um crescimento excessivo de células na parede interna do útero, que forma corpos semelhantes a cistos -- ela possui o útero invertido. “Foi tudo tão intenso e rápido. Perder o bebê não foi nada fácil. Passei por três médicos diferentes e todos me explicaram que as duas condições não me impedem de engravidar, mas dificultam, e muito, que eu realize este sonho”, disse Ana, acrescentando: “A única esperança é a fertilização in vitro.”
Cegonha fora do orçamento
Sem deixar de lado o desejo da gestação, o casal foi atrás de informação e chegou ao valor de R$ 15 mil reais para a realização dos procedimentos de fertilização in vitro, verba que o casal não tem. “No início ficamos desacreditados, pois sabíamos que não teríamos o dinheiro. Estou desempregada e meu marido não teria como arcar com todos os nossos gastos mensais e mais as despesas do tratamento. Foi quando uma amiga sugeriu a vaquinha online. Ela pediu que eu escrevesse a minha história e postou no site”, conta Ana.
“Somos muito reservados e ficamos com medo da exposição e de como as pessoas iriam receber nossa história. O dinheiro é importante, mas o que nos conforta são os abraços, o carinho e os recados de gente que nem conhecemos, nos dando força e confiança de que vai dar certo”, explica Wanderson.
A meta do casal é juntar R$ 20 mil. No valor estão incluídas as viagens para o Rio de Janeiro, onde é feito todo o tratamento, despesas com medicamentos e alimentação. Entre o que já foi doado o casal tem apenas R$ 500, mas não perde as esperanças. “Apesar de estar desempregada, venho fazendo tudo o que posso para juntar um pouco. Faço unha, vendo cosméticos, faço rifas, bolo para vender e por aí vai”, diz Ana Paula, acrescentando que “mesmo que eu tenha que trabalhar dia e noite, eu não vou desistir desse sonho. Somos um casal muito apaixonado e queremos transbordar esse amor a três.”
Financiamento coletivo
Pedir ajuda financeira para aumentar a família vem se tornando um mecanismo popular entre casais do mundo inteiro. No Brasil, somente no mesmo site onde Ana Paula e Wanderson publicaram a sua história, pelo menos outros 20 casais tentam a doação de estranhos para a realização de tratamentos que envolvem o desejo da maternidade/paternidade. Os valores variam de R$ 2 mil até R$ 30 mil.
Depois de três abortos, Juliana Moura e Paulo Vieira Moura*, de 30 e 36 anos, são um desses casais. “Mesmo diante da dor, ainda tenho esperanças de sair com um filho vivo da maternidade. Não para substituir as perdas, mas pelo desejo de me tornar mãe”, conta ela, explicando que foi diagnosticada com insuficiência (ou incompetência) istmo-cervical (IIC), isto é, seu colo do útero é mais fraco ou curto que o normal. Ele tende a dilatar e afinar sem que haja contrações ou dor, só pelo peso do bebê. Com isso, a dilatação pode acontecer rápido demais e o bebê nascer muito antes do tempo.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados.
Dados no Brasil
De acordo com dados do Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a procura por técnicas de Fertilização In Vitro tem crescido no Brasil. O total de procedimentos saltou de 13.527, em 2011, para 27.871, em 2014, e para 33.790 em 2016.
O levantamento mostra ainda que, somente em 2016, o total de embriões congelados em bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG) no país chegou a 66.597, uma alta de 39% em relação a 2014.
O número de clínicas que repassam informações à agência também cresceu no período: em 2011, elas eram 77; em 2014, 106 e, agora, são 141. A maior parte delas está situada na Região Sudeste. São 43 centros especializados em fertilização no estado de São Paulo e 12 no Rio de Janeiro.
Entrevista
A VOZ DA SERRA entrevistou o ginecologista e obstetra Alexandre Vieiralves para tirar as principais dúvidas sobre a FIV.
O que é a FIV?
A Fertilização in Vitro é um processo em que a fecundação (encontro do óvulo com o espermatozoide) ocorre fora do corpo feminino por qualquer tipo de impossibilidade. Depois, o médico transfere o embrião para o útero da mulher.
Porque ela é necessária?
As impossibilidades podem ser de causa masculina, tipo uma redução da motilidade (movimento) dos espermatozoides ou, no caso feminino, a obstrução das trompas ou a anovulação (mulher que não ovula), por exemplo.
Quais são as etapas?
Primeiro são feitos tratamentos com injeções de hormônio na barriga, para estimular a produção de vários óvulos ao mesmo tempo. Quando se chega a um número de possíveis óvulos, em torno de sete, se faz a captação com uma punção (uma espécie de agulha) dirigida por ultrassonografia. No laboratório os óvulos são fecundados com os espermatozoides e depois é feita a transferência dos embriões para o útero.
Qual o preço médio?
Este processo deve ser feito em centros especializados e tem um custo médio de R$ 15 mil a R$ 20 mil com as medicações, que são muito caras.
Qual a idade máxima para uma mulher se submeter a FIV?
Hoje a idade da fertilização está sendo cada vez mais ampliada. O que importa é que o óvulo não seja de uma mulher mais velha. No caso de mulheres mais maduras, elas podem optar por óvulos de doadoras jovens, inseminados com o espermatozoides do marido.
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