Jorge Luis Borges, o escritor argentino, dizia que um homem só morre depois que o último homem que o conheceu morre também. É o caso de Freud, eternizado não pelas pessoas vivas que o conheceram, mas pela dimensão cultural atribuída à sua obra, que eu diria se tratar da obra de toda uma vida.
Nascido a 6 de maio de 1856 numa cidade rural chamada Freiberg, na Morávia – hoje, Pribor, República Tcheca - o pequeno Sigi, como era chamado carinhosamente pela mãe, desde cedo ocupou um lugar de destaque no meio familiar, além de investimento.
Leitor assíduo de Dostoiévski, Goethe, Shakespeare, Schopenhauer, entre outros, Freud pôde estabelecer uma obra que se refere não apenas ao funcionamento dos processos inconscientes (sua mais conhecida descoberta), mas também pôde teorizar sobre a forma de funcionamento subjetivo do sujeito moderno.
Fruto da burguesia de Viena (Áustria), num contexto moralista e machista, ele lança e provoca questionamentos fundamentais que renderam uma favorável desconstrução de regras -- além de críticas ferrenhas à sua construção teórica.
Acredito que uma das genialidades de Freud se deveu a poder dar voz às mulheres, permitindo que fossem levadas a sério e conquistando um lugar para expressar seu sofrimento psíquico e, principalmente, podendo falar de seus desejos e de sua sexualidade, sem desqualificações ou julgamentos.
Naquele contexto, tomado pelas narrativas da sua clínica e envolvido com a construção teórica, Freud começa a dar-se conta de que existiam aspectos para além das assertividades científicas. Então, amplia seu campo de investigação e escreve o emblemático e simbólico livro “A interpretação dos sonhos”, de 1900, inaugurando um caminho sem volta, a saber: a problemática onírica e sua relação com o processo inconsciente.
O movimento realizado por Freud é uma aproximação de um discurso mais humano e voltado para o imaginário popular, distanciado, neste sentido, da objetividade e da frieza que por vezes a ciência pode se valer.
Fundador da psicanálise, descobridor do inconsciente, sujeito moderno moralista que rompeu paradigmas, pessimista em relação ao futuro, judeu sobrevivente aos horrores da guerra, escritor e pensador ímpar, morreu em Londres a 23 de setembro de 1939, quando finalmente sucumbiu a um câncer.
E afinal, o que poderíamos carregar deste inquieto e genial pensador da Modernidade? Em 1930, num texto denso chamado “O mal-estar na civilização”, Freud nos apresenta três fontes de sofrimento psíquico: o poder devastador e implacável das adversidades da natureza que com sua força pode destruir rapidamente grandes territórios; a natural decadência e deterioração do próprio corpo que, com o passar do tempo evidencia pelas suas marcas aquilo que poderia ser mais ameaçador às pessoas — a proximidade da morte e a ideia da finitude; e por fim, a terceira que se refere à problemática das relações humanas que invariavelmente se apresenta como fonte de sofrimento psíquico.
Bom, 87 anos se passaram desde a escrita freudiana sobre o mal-estar na civilização... Porém, nada mais contemporâneo do que estas considerações descritas acima! E é justamente pelas desconstruções, pela vivacidade e, sobretudo, pela atemporalidade do discurso que temos mais motivos para, hoje, brindarmos as contribuições freudianas.
Natalia Amendola é psicóloga clínica, mestre em Psicanálise e Cultura pela PUC-Rio, membro da Associação Psicanalítica de Nova Friburgo – APNF e do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos – EBEP. É professora da Universidade Estácio de Sá (Unesa).
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