Era o início de mais um dia de trabalho. Nossa equipe de reportagem chegou ao batalhão quando o relógio marcava 10h. Fomos prontamente recebidos por um militar que, em vez da farda, vestia um quimono. No rosto, a postura austera do profissional fora substituída por um largo sorriso.
Assim foi nosso primeiro encontro com o cabo Felipe Mello, de 35 anos. Desde 2015, Mello, como é chamado pelos colegas, se dedica exclusivamente ao projeto de artes marciais Guerreiros da Serra, que tem como objetivo melhorar o condicionamento físico dos policiais militares. O projeto fica instalado nas dependências do 11º Batalhão da Polícia Militar (Pmerj), no bairro Vila Nova, em Nova Friburgo.
Faixa-marrom em jiu-jitsu e azul-escuro em muay-thay — as duas modalidades que ensina — Mello é um dos idealizadores e responsáveis pelo sucesso do Guerreiros da Serra. “Sempre gostei de artes marciais e pratico desde criança. Minha relação com o jiu-jitsu teve início quando completei 14 anos; já o muay-thai conheci aos 25”, afirma. Ele conta também que a ação surgiu porque “na nossa profissão nos deparamos com situações adversas no dia a dia e, portanto, precisamos estar preparados. A prática de atividade físicas nesse sentido é fundamental, já que nos proporciona maior agilidade, flexibilidade, força, resistência aeróbica e anaeróbica, coordenação motora, entre muitos outros benefícios. As lutas marciais oferecem algumas dessas vantagens, além de serem uma ótima forma de perder peso e desenvolver a musculatura”, conta Felipe, ao nos direcionar para a sala onde acontecem os treinos.
O espaço é pequeno e improvisado. No canto direito há algumas carteiras (como as escolares, com apoio para escrever) e um bebedouro. Na parede central, onde estão duas janelas enormes de vidro, há um cartaz com o brasão do projeto, da Pmerj e de Nova Friburgo. O tatame, nas cores preto e vermelho, foi comprado pelo próprio professor e os equipamentos utilizados nos treinos de muay-thay doados por parceiros.
O projeto, gratuito, promovido pelos próprios policiais com a ajuda da sociedade, atualmente conta com um total de 80 integrantes. Além dos policiais militares e seus dependentes (esposas e filhos), o Guerreiros da Serra atende membros da guarda municipal, como o agente Tardim, de 37 anos.
“Nós lidamos com a população e não possuímos arma letal. Desta forma, as lutas marciais nos ajudam em caso de um confronto físico e da necessidade do uso de força”, disse ele, acrescentando que “o Guerreiros da Serra é uma iniciativa incrível, que só traz benefícios a todos nós. Há dois meses entrei para o projeto e fui muito bem acolhido”, afirma.
Entre uma orientação e outra do professor, o guarda municipal Albuquerque, de 38 anos — há nove atuando na instituição — conversou com nossa equipe. “Esse é o meu primeiro contato com as artes marciais e, embora já tenha praticado alguns esportes, estava há algum tempo parado. O projeto tem me ajudado muito no dia a dia, principalmente em relação à disposição. Estou muito mais animado”, conta ele.
Apesar da maior parte dos praticantes ser formada por homens, a PM Tatiane Ouverney, de 27 anos, única entre os rapazes presentes, garante que não há distinção. “O pessoal aqui é muito receptivo e ninguém faz qualquer diferenciamento; lutamos de igual para igual nos treinos”, fala. Questionada sobre como a atividade pode contribuir na vida profissional, ela explicou: “O policial precisa dominar uma arte marcial para saber se defender. Apesar de termos a arma de fogo, este deve ser o último recurso a ser utilizado”.
O comandante do 11º batalhão, judoca e professor de artes marciais, Carlos Eduardo Hespanha, um dos incentivadores da ação, explica que é dever dos comandantes das unidades apoiarem e encorajarem a prática de instrução aos policiais. “A realização de atividades físicas feita diariamente, que inclui as lutas do jiu-jitsu e muay-thay, é importantíssima para o profissional de segurança. Além de dar o conforto de uma saúde melhor, com o controle do peso corporal e o bem-estar físico, no caso das lutas, fornece uma maior segurança do profissional em se confrontar com elementos agressivos no trabalho diário. Isso tem sido um diferencial do 11ºBPM, que tem produzido um serviço de maior qualidade à população”, destaca.
Guerreiros em expansão
E não há nada tão bom que não possa melhorar. A poucos metros de onde atualmente acontecem as aulas, quatro policiais trabalham a todo vapor na construção de um dojô (local destinado à prática de artes marciais). “Serão 32 metros de comprimento por 8 de largura. Haverá uma sala com o tatame, outra de educação física, um banheiro feminino aqui e outro masculino ali”, aponta, empolgado, o Sargento Antunes.
No local da obra, Felipe diz que todo o material para a construção foi arrecadado com doações, sorteio de rifas e venda de doces e salgados nas festas da corporação. “Tudo aqui é feito graças ao esforços dos policiais. O governo não tem qualquer envolvimento com a iniciativa. Esta é uma ação da nossa corporação”, afirma ele.
Segundo o instrutor, além da expansão física — assim que o novo espaço estiver pronto — o projeto será ampliado para atender mais atletas e estudantes da rede pública de ensino. “Nós acreditamos que o dojô ficará pronto em junho deste ano. Com isso, passaremos a oferecer mais turmas e horários específicos para os jovens. A ideia é incentivar a prática de esportes e também promover a aproximação entre a polícia e a sociedade”, pontua.
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