Rio Bonito de Lumiar: um lugar esquecido

quinta-feira, 02 de março de 2017

Pertencente ao distrito de Lumiar, Rio Bonito é uma localidade com aproximadamente 600 moradores. Como se formou esse pequeno povoado de Nova Friburgo? Minha suposição é de que tenha sido rancho de tropeiros que saíam de Lumiar e de São Pedro para levar mercadorias à estação de trem em Mury ou ao centro de Nova Friburgo. Possivelmente algum posseiro de terras devolutas deu rancho aos tropeiros e daí surgiu um comércio de secos e molhados, um ferreiro, algumas casas foram sendo construídas, foi edificada uma igreja e surge o povoado. Ali encontramos muitas famílias Ouverney, Wenderosky e Araújo.

A atividade econômica inicial foi a agricultura seguida da extração e venda de madeira da Mata Atlântica. Quase todos os pequenos proprietários rurais vendiam madeira de suas terras, e de acordo com a memória oral, a empresa Spinelli comprava boa parte. Posteriormente, os pequenos proprietários de terra voltaram suas atividades para a agricultura, principalmente na plantação de inhame. Conforme algumas entrevistas que fiz, o problema dos agricultores era a dificuldade de chegar ao mercado, ou seja, ao centro de Nova Friburgo. Em determinado momento, um especulador do ramo imobiliário descobriu esse paraíso esquecido de Nova Friburgo e foi adquirindo propriedades agrícolas por preços bem baixos. Anunciava nos jornais do Rio de Janeiro e com o passar dos anos Rio Bonito de Lumiar transformou-se em local de sítios de lazer dos cariocas. De pequenas unidades de produção de alimentos, as propriedades agrícolas se transformaram em locais de descanso. O perfil dos sitiantes é de artistas de telenovelas, de produtores culturais, músicos, enfim, quem deseja isolamento. Os moradores de Rio Bonito de Lumiar passaram então a trabalhar nesses sítios em serviços domésticos, jardinagem, para ficar em alguns exemplos, e os que permaneceram na agricultura se dedicam ao plantio do inhame.

Há uma empresa de captação e engarrafamento de água na localidade, mas parece não gerar muitos empregos. A luz elétrica somente chegou a Rio Bonito de Lumiar há vinte anos atrás. Como em outros distritos, os moradores dizem que vão a Friburgo, como se não pertencessem a esse município. Mas parece não pertencerem mesmo! O último governo municipal desativou sua única escola e as crianças precisam se deslocar até um estabelecimento de ensino em Macaé de Cima, causando grande indignação à população local. Não existe um posto de saúde e os serviços públicos não chegam a essa localidade. O acesso a ela tem trechos muito ruins na maior parte do percurso. A companhia de transporte tem uma linha que serve a essa localidade, mas com poucos horários.

Fui conhecer o carnaval de Rio Bonito de Lumiar. Um dos eventos mais espetaculares que já presenciei em minha vida. No sábado e no domingo de carnaval os foliões da localidade saem por volta das nove horas da noite com fantasias utilizando materiais com elementos da natureza que são geralmente folhagens, ramos e galhos secos. É impressionante a criatividade delas. Os foliões vão ao mato nos arredores à cata desses materiais. Não criam as fantasias antes, mas as elaboram a partir do que encontram na natureza. A pilhéria é se vestir de tal forma que o folião não seja reconhecido. Usam voz em falsete em um tom tão fino que mal se entende o que falam. É possível que, em determinado momento, algum descendente de colono suíço tenha trazido essa prática cultural do homem selvagem, folclore suíço e europeu da Idade Média, para Rio Bonito de Lumiar. Provavelmente alguém da família Ouverney. Minha suposição é que a fantasia com elementos da natureza tenha tido início para celebrar a colheita, muito comum na Europa, e acabou sendo apropriada para o carnaval. Essa região era conhecida no século 19 como Terra dos Inhames e talvez tenha surgido a brincadeira na colheita desse tubérculo. Em Rio Bonito de Lumiar existe inclusive a Festa do Inhame que esse ano, no mês de agosto, vai para a décima sexta edição. Dois eventos, o carnaval e a Festa do Inhame, de significativo saber cultural, deveriam merecer mais atenção!     

  • Foto da galeria

    A pilhéria é se vestir de tal forma que o folião não seja reconhecido

  • Foto da galeria

    Uma suposição é que a fantasia com elementos da natureza tenha tido início para celebrar a colheita

  • Foto da galeria

    Pai e filho da família Ouverney preparam suas fantasias

  • Foto da galeria

    Usam voz em falsete para não serem reconhecidos pela comunidade

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.