Histórias de outros carnavais

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Foto de capa
Carro alegórico da Batalha das Flores, em Nova Friburgo (Fotos: Cortesia Janaína Botelho)

Em meados do século 19, já registramos o entrudo no folguedo carnavalesco da vila de Nova Friburgo. Os foliões lançavam água, farinha, pó de sapato, vermelhão da China ou amarelo do Japão uns contra os outros depositados, em alguns casos, dentro de bolas de cera ocas denominadas de limões-de-cheiro. As famílias muniam-se de latas, baldes, mangueiras e limão de cheiro, ficavam nos pontos centrais da cidade para o início do jogo do entrudo. Em fins daquele século, Nova Friburgo era uma cidade frequentada por cariocas, jornalistas e a classe política, como a família do jurista Rui Barbosa. A batalha das flores, como o carnaval de Nice, na França, era promovida pelos veranistas. Consistia em um desfile de carruagens adornadas por motivos alegóricos utilizando diversos tipos flores que eram fartas na bucólica vila. As carruagens percorriam animadamente as ruas contornando as três praças da cidade: Praça do Suspiro, Princesa Izabel (Getúlio Vargas) e Paissandu (Marcílio Dias). Terminado o desfile, os ocupantes das carruagens se divertiam numa acirrada batalha, jogando flores uns contra os outros.

A batalha das flores ocorrera em Nova Friburgo mais de uma década antes de ser instituída no Rio de Janeiro no calendário de eventos pelo prefeito Pereira Passos. No carnaval fin de siècle, os Zé-Pereiras percorriam as ruas fazendo barulho para arrebentar os tímpanos dos transeuntes. Os foliões dos grupos carnavalescos vestiam fantasias que lhes encobriam a identidade usando voz em falsete para não serem identificados. O divertimento nessa época era manter-se no anonimato sob as máscaras e disfarces, nos três dias de folia, formulando a pergunta aos transeuntes: “Você me conhece”? Os ditos espirituosos, a pilhéria e a sátira eram características do carnaval no passado. Ainda localizamos em um recanto do município um carnaval mantendo essa tradição. Em Rio Bonito de Lumiar, os foliões locais se internam nas matas, usam fantasias com elementos da natureza e circulam pelo centro da localidade provocando as pessoas com pilhérias. A fantasia é composta de folhagens, geralmente de bananeiras, galhos e tudo mais que possa dissimular a identidade do folião. A graça é não ser identificado! 

Outrora as soirées de carnaval ocorriam nos hotéis, nas residências privadas e nas sedes das sociedades musicais. Em meados do século vinte, os bailes migram dos hotéis para os clubes sociais, a exemplo do Clube do Xadrez, a SEF e do Country Clube e igualmente para a sede social de algumas indústrias. Surgem as escolas de samba na década de 40, com instrumentos musicais feitos com latões da fábrica de carbureto e até mesmo com couro de gato para confecção de instrumentos menores. O samba-enredo surgiria apenas em 1955, pois antes, os foliões desfilavam cantando músicas carnavalescas. Cordões e ranchos despontam pela cidade. Recebera o nome de cordões, pois outrora os foliões ficavam cercados por uma corda para evitar que o público se misturasse à eles. Em média, havia cerca de cem participantes em cada um desses cordões. Posteriormente foram sendo denominados de bloco.

Entrevistei o descendente de libaneses José Aucar, um dos mais divertidos foliões de Nova Friburgo. Em meados do século passado, o carnaval apenas iniciava quando Aucar, acompanhado de Renato Machado, abriam a folia se travestindo de mulher e desfilando pela Praça Getúlio Vargas. Aí sim, o carnaval começava! Numa conversa deliciosa, Aucar me contou muita coisa dos tempos de antanho. Inicialmente, que a alegria dos foliões não estava associada ao consumo de álcool como ocorre atualmente. Claro que se tomavam umas caninhas, mas a animação era espontânea e não provocada pelos líquidos espirituosos. Falou também sobre o lança-perfume. Literalmente um vidro de perfume, um desdobramento dos limões-de-cheiro como descrevi acima. A graça era jogar perfume uns nos outros. Em razão disso, as ruas ficavam perfumadas! O problema foi quando os foliões começaram a colocar perfume no lenço e cheirar compulsivamente provocando reações de náusea e torpor. Em razão disso, o lança-perfume passou a ser proibido. Quando se fala em carnaval logo vem o saudosismo dos tempos passados. Mas a sociedade é assim mesmo, as mudanças vêm, e ficam as boas lembranças dos outros carnavais.   

  • Foto da galeria

    O carnaval apenas iniciava quando José Aucar e Renato Machado abriam a folia

  • Foto da galeria

    Renato Machado e José Aucar travestidos de roupa saco

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.