Chuva tóxica: veneno que vem do céu ameaça reservas naturais

Dono da maior biodiversidade do planeta, Brasil é também o maior consumidor mundial de agrotóxicos
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
por Ana Borges
Chuva tóxica: veneno que vem do céu ameaça reservas naturais

A Serra da Mantiqueira é formada por uma cadeia montanhosa que se divide por três estados: Rio, São Paulo e Minas Gerais. Nela se encontram o Parque Nacional do Itatiaia (Minas e Rio); os parques estaduais Serra do Brigadeiro e Serra do Papagaio (Minas), e Campos do Jordão (São Paulo).

A Mantiqueira se destaca como um dos incontáveis caprichos da natureza, entre tantos espalhados por esse país de proporções continentais e de belezas inigualáveis. No entanto, esta região, ainda exemplarmente preservada, vem sofrendo agressões impensáveis até pouco tempo, perpetradas por chuvas e ventos contaminados.

De acordo com pesquisa recentemente divulgada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os campos de altitude do Parque Nacional do Itatiaia — uma das regiões naturais mais remotas e preservadas do estado — está sendo afetada por agrotóxicos. Como? Por substâncias que chegam através das nuvens, trazidas por ventos e chuvas.

A pesquisa foi realizada nos parques da Serra dos Órgãos e Itatiaia. Esse último despertou a atenção dos pesquisadores devido ao seu isolamento. Segundo biólogos, plantas de diversos parques dependem de insetos para se reproduzir e esses animais são justamente o alvo principal dos agrotóxicos.

“Devido à altitude, certas espécies são típicas do lugar, só existem ali, e muitas ainda são desconhecidas para a ciência. Caso desapareçam, o desequilíbrio será imenso”, revelam. “Essas substâncias tóxicas afetam o sistema nervoso, o sistema endócrino dos animais e do ser humano, também. É importante continuar investigando o impacto da contaminação nos campos de altitude”, alertaram.

O secretário municipal de Agricultura de Nova Friburgo, Selmo de Oliveira Santos, zootecnista e especialista em manejo de solos, ressaltou que ainda há produtores agrícolas, em alguns lugares do Brasil, que ignoram o fato, apesar de amplamente divulgado, de que, ao matar os insetos indiscriminadamente com o uso intensivo de agrotóxicos, esses produtores acabam por destruir outros insetos que são predadores naturais das pragas que queriam combater.

“Não nos faltam tecnologia nem conhecimento, mas por deficiência nacional dos órgãos oficiais de assistência técnica e fiscalização, de maneira geral, a luta pode ficar prejudicada. Nossos agricultores são conscientes e através do associativismo rural, passamos alertas e informações importantes. Inclusive, estamos elaborando uma campanha sobre o uso racional de agrotóxicos”, adiantou.

Quanto ao risco de sermos atingidos pelo agrotóxico pulverizado em São Paulo ou Mato Grosso, o secretário respondeu que a questão está fora de sua esfera de conhecimento, mas que “se isso acontecer, não será por agrotóxicos oriundos de nosso município”, sustentou Selmo.  

Redução a partir de 2000

Selmo Santos diz que o consumo de agrotóxico em Friburgo já teve um pico de utilização preocupante. “No final da década de 1980 seu uso foi considerado altíssimo. Tal situação perdurou até os anos 1990 quando começou a diminuir gradualmente, para, finalmente, a partir de 2000, ter uma redução importante. E dois fatores contribuíram para essa queda: informação e conscientização", explicou.

Com as campanhas veiculadas nas mídias — jornal, rádio e televisão — assim como programas alertando sobre os males causados à saúde pelo uso indiscriminado de defensivos agrícolas, a correta interpretação da fórmula e o devido respeito à dosagem recomendada nos rótulos das embalagens, os agricultores começaram a prestar atenção à quantidade, aos efeitos e às condições de manuseio.

Na mesma proporção agiram com eficiência órgãos, associações e secretarias de agricultura, orientando os lavradores e seus familiares. Entre os agricultores coexistem os que evitam completamente os defensivos, como a dos agroecológicos, orgânicos, hidropônicos, e os que não podem prescindir do uso convencional dos agrotóxicos.

O secretário de agricultura de Nova Friburgo lembra que num primeiro momento o agricultor diminuiu a quantidade devido ao preço do produto; em seguida, devido aos males provocados pelo abuso de agrotóxicos. “Afinal, é veneno, afeta a saúde de quem manuseia (numa ponta o agricultor) e de quem ingere (na outra ponta os consumidores). Nem muito antigamente, o homem do campo não tinha a menor ideia do perigo dos agrotóxicos. E muitos adoeciam, outros tantos, morriam”, enfatizou Selmo. 

“Hoje, o agricultor reduziu ao limite do recomendado a quantidade de agrotóxico nas plantações, mas a quantidade vendida continua no mesmo patamar devido à expansão da área cultivada. A floricultura, por exemplo, cresceu e o uso de agrotóxico, também, embora o volume seja três vezes menor por área plantada. O fato relevante aqui é: a produção de alimentos em Friburgo aumentou, mas a venda de agrotóxicos, não. O que alterou positivamente o custo-benefício, da seguinte forma: o custo da produção caiu em decorrência do uso consciente do agrotóxico”, explica o secretário.

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TAGS: Meio Ambiente
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