“A arte tem um enorme poder de transformação, sabemos todos. É importante na vida de qualquer ser humano e deve ser mais difundida, disseminada, praticada. Precisamos ler mais, escrever mais, pintar mais, desenhar mais. Precisamos ver-fazer teatro, ouvir-fazer música, ver dança-dançar, ouvir canto-cantar, fotografar, filmar, gravar, observar, pensar. Precisamos refletir mais, deixar fluir as sensações, se deleitar com o desmanchar das coisas sólidas. Precisamos viver mais poesia.”
É no que acredita o artista plástico Marcelo Brantes, para fazer valer a pena a sua existência. Seis meses se passaram desde que ele inaugurou um espaço cultural — a Galeria KM 7 —, desde que deu o primeiro passo para concretizar um projeto pensado e elaborado para caminhar, independente dele, de um carro-chefe ou de um condutor. Como ele gosta de lembrar, existe arte em tudo que nos cerca, a vida é arte, é cultura. Toda e qualquer pessoa está predestinada a se manifestar através de toda e qualquer expressão artística. Sem amarras, sem patrão, sem dono.
Foi com essa visão que o artista criou a Galeria KM 7, em março deste ano, em Venda das Pedras (km 60), na Rua Margarida Brantes, 265. Da ideia à realização, no entanto, o projeto levou alguns anos, em parte pelo trágico evento climático de 2011, quando o bairro foi duramente atingido no distrito Campo do Coelho. A galeria fica aberta para o público de quarta-feira a domingo, das 10h às 18h. Contatos: (22) 3016-1944 / 99913-9829 / marcelo.brantes@yahoo.com.
O começo, o meio e o motivo
Marcelo Brantes estava em Nova York no fatídico 11 de setembro quando terroristas derrubaram as torres do World Trade Center. De volta ao Brasil, após superar uma forte crise de depressão, quase 10 anos depois, instalou-se em sua casa em Friburgo, com a cabeça cheia de ideias, e energia bastante para iniciar uma nova fase na vida. Mas... nem ele e ninguém podia imaginar o que estava por acontecer: o evento climático que se abateu sobre a região serrana, em 2011. A enxurrada destruiu tudo à sua volta, e o espaço em obra para ser a nova galeria de arte foi invadido pela lama. Demorou para se recuperar e ao lugar.
“Esse projeto começou dentro da minha casa. Moro sozinho, numa construção antiga, pé direito altíssimo, que reinventei criando um “meio segundo piso”, onde fica o dormitório. Embaixo, três salões: um deles é um loft, onde fica o escritório, sala de visita e de jantar, cozinha, lavabo. Os outros dois salões são para exposições, atividades culturais, manifestações artísticas, tudo que me interessa. Meus planos podem parecer ambiciosos, mas não impossíveis. Pode parecer uma utopia, que seja. Sei que no Brasil tudo que se refere à cultura é tratado com desdém. Mas isso não me desanima, não vai tirar o meu foco, a minha vontade de fazer”, enfatizou.
“Quando minha casa foi invadida pela enxurrada, fiquei desolado, como qualquer morador desta cidade. Observar a natureza devastada me deixou angustiado, mas, a urgência que eu sentia no ar, me fez reagir. Não queria correr o risco de deixar a agonia tomar conta de mim. Precisava ver a mata, as árvores, as folhas e flores, ressurgindo, a floresta revivendo, as pessoas se levantando. Tive vontade de trabalhar com meu irmão, que é produtor de morango, em sociedade com a nossa mãe, e tem uma propriedade aqui. Todas essas perspectivas serviram para me fortalecer”, contou.
A rodovia RJ-130, por onde se estende o Circuito Tere-Fri, é convidativa tanto para quem quer morar e/ou montar um negócio. Moradores e comerciantes dispõem de 68 quilômetros de inúmeros pontos turísticos, em meio à Mata Atlântica, com hotéis, pousadas, restaurantes, museus (esculturas no Jardim do Nêgo, do Mel), apiários, haras, queijaria e chocolataria, e variado comércio de produtos típicos.
Marcelo se diz totalmente conectado à Tere-Fri, que considera uma estrada que concentra uma excelente estrutura para o turismo, agronegócio, residências de campo, e tantas outras finalidades. “A paisagem é deslumbrante, de ponta a ponta. Nesta região, tudo é possível, inclusive desenvolver projeto de agrofloresta, no qual estou trabalhando. Mas é difícil contar só com recursos próprios para desenvolver um projeto com a dimensão que pretendo, o mais abrangente possível”.
O caminho Tere-Fri
Para revitalizar o bairro Venda das Pedras, como pretende Marcelo, são bem-vindos barzinhos, mercearias, pequenas lojas para movimentar o local e evitar o modelo bairro-dormitório. “Viver num bairro onde as pessoas só usam para dormir, é triste, fantasmagórico. Portanto, é preciso que a gente se mobilize para mudar esse estado de coisas e acredito que todos estejam interessados em participar dessa mudança. E não esquecer a criançada, principalmente, as menores, que têm mais tempo para ficar à toa. É nelas que quero investir, criando atividades que a atraiam”, revelou.
Para os jovens, o meio ambiente oferece tudo. Até ruínas. “Por exemplo, aqui perto tem uma casa destruída pela enchente, onde só as paredes ficaram de pé. Aí, a artista plástica Mariane Monteiro, de Niterói, teve a ideia de criar desenhos e pintar em volta dos buracos onde antes ficavam as janelas. A ação despertou a curiosidade das crianças, de todas as idades, sobre atividades como aquela, a vontade de experimentar coisas novas, diferentes.
Outro exemplo de aproveitamento se deu com um terreno que está à venda: fizemos uma horta comunitária. Por aqui também há muitas árvores frutíferas, o que nos deu a ideia de aproveitar as frutas para os jovens desenharem. Suas formas, cores, tamanhos, mexem com os sentidos, de várias maneiras: enfiar as mãos na terra, plantar, colher, retratar, representar, pintar, comer. Sentimos os cheiros, tocamos as mudas, acompanhamos as transformações, registramos, colhemos e comemos. Sensações e suas consequências. Para dar mais consistência esse projeto, pretendemos trazer pra cá a Oficina Natureza Viva, das artistas Nena Balthar e Lucia Vignoli”, revelou Marcelo.
Ideias não faltam em Venda das Pedras. Nem artistas. Um deles é Lin Lima que quer esculpir uma pedra que ainda precisa ser desencavada, bem ao lado da Galeria. Outros pretendem espalhar esculturas nas ruas, um museu a céu aberto, para embelezar e ao mesmo tempo, ajudar a revitalizar o bairro. E buscar a sua memória. Marcelo explicou:
“Queremos saber que lugar é esse, qual a sua história. Essa pesquisa começa pelo chão que pisamos. Depois da enchente, quando começamos a limpar nossas casas, quintais, ruas, cavando mais fundo para tirar entulhos, encontramos muitas pedras, enormes, no subsolo, além de peças como pratos, vasilhas, garrafas, pedaços de azulejos, telhas. Enfim, debaixo deste chão está a história de nossos antepassados: temos um sítio arqueológico a ser descoberto. Temos a expectativa de que a Janaína Botelho (professora e historiadora) nos ajude numa pesquisa historiográfica que pretendemos fazer. Queremos saber como surgiu esse bairro, quem foram seus primeiros moradores”, reiterou.
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